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Suíça “dá refúgio a corrompidos e corruptores”

Coincidência: o debate parlamentar sobre a corrupção ocorre no momento em que a FIFA está em plena tormenta. Keystone

A Suíça deve melhorar os dispositivos penais anticorrupção. Sobre isso quase todos estão de acordo. Mas é grande a divisão acerca da natureza da mudança. O senado deu um primeiro passo, mais curto do que o proposto pelo governo. O projeto segue agora para a Câmara.

A mídia o havia batizado “Lex Fifa”, já faz bastante tempo porque em boa parte o projeto de lei é a concretização de uma iniciativa parlamentar depositada em 2010 pelo deputado federal Carlo Sommaruga, do Partido Socialista, depois de casos de corrupção na Federação Internacional de Futebol. Por pura coincidência, a proposta de modificar o Código Penal, no artigo relativo à corrupção, foi aprovada no Senado em meio à tempestade que sacode a Fifa com o anúncio da renúncia de seu presidente, o suíço Joseph Blatter.

Um crime punível

A inovação legislativa votada pelo Senado vai muito além da Fifa.

Atualmente a corrupção no setor privado na Suíça é punível na Suíça somente em caso de concorrência desleal e unicamente sob queixa. Isso significa que não se pode agir penalmente nos casos de corrupção que não comportam violação da lei da concorrência, por exemplo no caso de federações esportivas.

Se a Câmara aprovar a modificação adotada pelo Senado, a corrupção privada será inscrita no Código Penal Suíço como crime a ser punível de ofício, portanto sem necessidade de queixa. Sobre este princípio, os senadores resistiram a quase todas as pressões dos meios econômicos que não queriam a intromissão do Estado nos assuntos internos das empresas, dizendo que os dispositivos existentes eram suficientes.

“A Suíça é um dos países com menos corrupção no mundo. Todavia, a economia cada vez mais globalizada, a internacionalização de nosso país e a crescente concorrência aumentaram os riscos de corrupção privada até para nós. Por isso devidos adequar nossa norma a essa nova situação e eliminar uma lacuna no Código Penal Suíço”, argumenta o senador Fabio Abate.

De ofício com condições

Porém, o Senado está dividido acerca de um elemento chave do projeto do governo: fazer a corrupção privada ser punível de ofício. Com apenas um voto de diferença, os senadores aprovaram que, se não houver interesse público, a exigência da queixa continua valendo.

Segundo o senador ecologista Robert Cramer, com essa decisão” foi alterada praticamente toda a substância de uma lei mínima”. O senador de Genebra acrescenta que “essa emenda me faz pensar no que ocorria com o segredo bancário. Começar por dizer que não era um problema. Depois a pressão continuou a aumentar até que finalmente tivemos de adotar uma série de medidas sob pressão internacional.

Para Fabio Abate, ao contrário, “se quisermos excluir do automatismo casos de menor gravidade foi para evitar que os juízes instruam de ofício processos penais de qualquer elemento suspeito de corrupção privada. Esses casos inundariam as mesas dos procuradores e os ocuparia de modo desproporcional, terminando inevitavelmente por abandoná-los”.

Aos críticos que lembram que em quase todos os países vizinhos – França, Itália e Áustria – a corrupção privada é punível de ofício, o senador do Partido Liberal Radical replica que a Suíça não está sozinha: “retomamos o modelo da Alemanha que é um país com condições similares às nossas, com pouca corrupção”.

Proteger os denunciadores

Professor universitário de direito penal, o deputado Daniel Jositsch afirma que seria mais oportuno inspirar-se na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos que têm leis que protegem quem denuncia e são capazes de esclarecer casos de corrupção nas empresas e organizações. 

O GRECO recomenda

Em um relatório de avaliação em outubro de 2012, o Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO), recomendou à Suíça de instruir de ofício a corrupção privada, e não somente sob queixa, para reforçar a eficácia da norma penal, que o GRECO reconheceu conforme à Convenção Penal Sobre a Corrupção concluída pelos Estados-membros do Conselho da Europa.

O relatório sugere mencionar explicitamente nos dispositivos penais que, como no serviço público, os privados também não têm o direito de aceitar vantagens.

A Suíça é membro do GRECO desde 2006. Fazendo análises dos países, o GRECO tem a função de apoiar e reforçar a luta contra a corrupção nos Estados-membros.

Fonte: Secretaria Federal de Justiça

“Certamente, a modificação do Código Pena é um passo na boa direção, mas só isso não basta. É a terceira vez em menos de 20 anos que a Suíça muda a lei, mas se não se encontra casos de corrupção, uma norma penal não serve para nada. Para lutar eficazmente contra a corrupção privada é indispensável fazer uma lei que protege os denunciadores”.

É nesse campo que o deputado socialista de Zurique pretende travar a próxima batalha junto aos colegas de partido. Embora acredite que na Suíça a corrupção não seja desenfreada, Daniel Jositsch diz que na verdade não se conhece sua dimensão.  “Até agora não houve nenhuma condenação por corrupção privada. Isso não dizer que ela não exista. Quer dizer que não emerge. Até no setor público supõem-se que 90% dos casos não são revelados”.

Nenhuma amaeça de sair

Para Robert Cramer, “é uma espécie de paradoxo: de um lado a Suíça é reconhecida por organismos internacionais como um país pouco corrupto, mas de outro o quadro legal carente que temos dá refúgio a corruptos e corruptores. O caso da atualidade da Fifa é só um exemplo entre tantos. Precisamos desta lei não somente para a Suíça, mas também para toda uma série de atividades internacionais, como por exemplo o comércio de matérias primas em território suíço”.

Fabio Abate rebate que federações e empresas internacionais não se estabeleceram na Suíça porque havia uma lacuna no Código Penal”, acrescentando que nenhuma organização ameaçou sair da Suíça, “como afirmam certas pessoas”, no caso em que sejam adotadas normas mais severas. 

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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