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“Se eu mesmo me criticar, o que vai fazer a oposição?”

Lula da Silva
O ex-presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva ao chegar na Itália, em 13 de fevereiro de 2020, onde encontrou o papa Francisco em sua residência no Vaticano. Copyright 2020 The Associated Press. All Rights Reserved

Lula da Silva chega à Suíça em sua segunda turnê internacional após sair da prisão. Em entrevista à swissinfo.ch em São Paulo, poucos dias antes de embarcar, o ex-presidente brasileiro fala da queixa na ONU contra sua condenação, Venezuela, a ascensão da direita, os jovens e o meio-ambiente.  

Após visitar o Papa Francisco no Vaticano no início de fevereiro, Luiz Inácio Lula da Silva chega em Genebra após ter passado pela França em sua segunda viagem internacional desde que deixou a prisão em novembro de 2019, onde passou 19 meses, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula recorre de duas condenações em liberdade após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter derrubado a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância.

O ex-presidente brasileiro fica no exterior de 29 de fevereiro até 12 de março. Na Suíça, Lula encontra integrantes do Conselho Mundial das Igrejas (CMI) e sindicalistas. Em 2016, advogados do ex-presidente levaram uma queixa ao Comitê de Direitos Humanos da Nações UnidasLink externo, em Genebra, contra o processo movido contra Lula pela Justiça brasileira.

swissinfo.ch: O sr. decidiu trazer seu caso ao Comitê de Direitos Humanos da Nações Unidas. Mas o senhor foi condenado em diversas instâncias no Brasil e as investigações continuam. Isso é uma demonstração de que não há confiança nas instituições?

Luiz Inácio Lula da Silva: É mais do que isso, não é apenas desconfiança, é a certeza que os meus advogados tiveram durante todo o processo de que não havia um julgamento, havia quase que um massacre de mentiras nos processos contra o Lula. Eu tive oportunidade de dizer quando prestei depoimento ao (então juiz) Sérgio Moro: olha, vocês estão obrigados a me condenar porque foram tão longe com as mentiras que não têm mais rota de fuga, vocês não têm como sair disso.

Esse pacto foi criado entre o Moro e a grande imprensa brasileira, porque ele visitou todas as redações para dizer às pessoas que a operação mãos limpas dele só ia dar certo se a imprensa condenasse as pessoas antes. Depois que a imprensa condena fica muito fácil qualquer um dar a sentença porque é um julgamento com base na formação negativa da opinião pública, e um juiz não pode se valer da opinião pública, um juiz tem como condição sine qua non pra fazer um julgamento justo as provas e os autos do processo.

Moro em nenhum momento teve essa lisura, teve essa preocupação com a justiça. Como nós temos certeza da farsa, da mentira, do objetivo político do meu processo, então nós recorremos ao fórum internacional, sem nenhum desrespeito a qualquer instituição brasileira, apenas para garantir um direito nosso numa corte em que o Brasil é signatário das decisões, e, portanto, nós esperávamos que o Brasil cumprisse as decisões.

swissinfo.ch: Mas o Brasil não cumpriu duas das recomendações já emitidas pelo Comitê. Como é que o senhor vê isso?

L.S.: Eu vejo com uma certa tristeza, porque o Brasil sempre foi visto no mundo como um país cumpridor dos compromissos internacionais, sobretudo no que diz respeito aos direitos humanos. Lamentavelmente, essa barbaridade e essa barbárie que tomaram conta do Brasil estão muito pouco preocupadas com a imagem do Brasil no exterior, em fazer as coisas corretas e em cumprir as decisões de uma instituição soberana como a ONU.

swissinfo.ch: O caso na ONU terminará nos próximos meses. Se o governo brasileiro não cumprir a recomendação, de que vai ter valido esse processo no exterior?

L.S.: A única coisa que não pode acontecer é a gente não brigar. A boa briga vale a pena quando é justa. Nós temos que brigar em todas as instâncias, para o bem da democracia do Brasil.

Por que é que estamos acreditando na ONU? Porque eu quero que o mundo saiba da verdade. Dignidade e caráter a gente não compra nem em barraca de feira e muito menos em shopping, a gente nasce com isso do berço, do útero da mãe da gente. E isso eu não nego. Então por isso que eu estou brigando, porque eu acho que a ONU pode ajudar a restabelecer a verdade nesse país. Não uma verdade contra alguém, mas a verdade favorável à justiça.

swissinfo.ch: Em sua viagem pela Europa, qual a mensagem que o senhor leva?

L.S.: É a mensagem que eu fui discutir com o Papa Francisco, a questão da desigualdade. Eu cheguei em Paris para receber um título de cidadão parisiense. Depois vou à Alemanha também discutir sobre a questão da desigualdade, e obviamente sempre tentando mostrar o que está acontecendo no Brasil, como é que está a democracia no Brasil, o que é que está acontecendo. 

O Brasil no meu tempo de governo tinha virado protagonista internacional. E eu vou conversar como é que o Brasil virou o que virou agora, o que é que aconteceu no Brasil nas eleições, o que é que está acontecendo no governo. Porque não sei se você percebeu, mas só o PT é provocado a fazer autocrítica. Eu tenho dito o seguinte: toda pessoa que pede para fazer autocrítica é porque não tem crítica. Você não tem crítica para fazer e quer que eu mesmo me critique? Se eu mesmo me criticar, o que é que vai fazer a oposição? Eu cometi um erro muito grave no Brasil, isso aos olhos da elite brasileira, que foi permitir que os pobres conquistassem um mínimo de cidadania, e por isso eles não perdoam e por isso esse processo todo de perseguição, e por isso eu quero brigar, tenho muita disposição para isso.

swissinfo.ch: Mas, em vários países na Europa, vemos a extrema direita ganhando espaço. O que aconteceu com as esquerdas?

L.S.: Há muito tempo eu venho acompanhando as discussões políticas na Europa, eu tinha muita relação com a política europeia, sobretudo com os partidos socialistas. Eu cheguei a ser convidado pra ser presidente da Internacional Socialista e eu disse que não era possível aceitar porque a Internacional Socialista não foi feita para o povo latino-americano dirigir, ela é feita para o povo europeu, ela tem a cara da Europa, ela não comporta um latino-americano dirigindo, até porque o discurso que a gente faz aqui é um discurso que eles faziam logo depois da Segunda Guerra Mundial.

Ou seja, eles conquistaram um estado de bem-estar social, e esse é um defeito nosso da esquerda, ou seja, a luta não pode ser apenas economicista, porque quando você conquista o estado de bem-estar social você pensa que está tudo resolvido, mas não está tudo resolvido, tem outros temas novos que aparecem e que a esquerda tem que se preparar.

swissinfo.ch: Quais?

L.S.: Vamos pegar a questão ambiental, por exemplo, é um assunto latente hoje na sociedade, sobretudo entre a juventude. A gente pensa que estamos avançando na questão ambiental, mas os Estados Unidos até hoje não assinaram o Protocolo de Kyoto e fazem pressão para que os países europeus que assinaram saiam do Protocolo de KyotoLink externo. A maioria dos países não quer assinar a Carta de Paris. A Europa decidiu que até 2020 todo combustível dela iria ter 20% de biodiesel. Onde está isso agora? Desapareceu. Porque enquanto o petróleo for economicamente melhor as pessoas não vão se preocupar com outras matrizes energéticas. [Outro exemplo] é a questão da droga, que não é tratada com profundidade. Mas é preciso abrir um debate na sociedade, sobretudo com a juventude.

“A questão da migração é um assunto muito difícil para a esquerda e muito fácil para a direita”

Temos de entrar no lado mais profundo do pensamento da juventude e deixar essa meninada falar. A questão dos pobres que estão saindo da África, do Oriente Médio, do mundo árabe para ir pra Europa. A questão da migração é um assunto muito difícil para a esquerda e muito fácil para a direita. Porque a esquerda fica tentando te explicar por que é preciso a gente deixar essas pessoas entrarem aqui. Já a direita é direta, não vai entrar porque nós queremos empregos para os italianos, porque nós queremos emprego para os suíços.

Em 2009, no G-20, discutimos um assunto que era uma preocupação muito importante para mim, a questão do emprego e a questão do protecionismo. E era preciso que a gente utilizasse um momento em que o mundo rico não estava consumindo para que utilizássemos o dinheiro para financiar o desenvolvimento dos países pobres. O que é que aconteceu? Passados todos esses anos, até hoje já se gastou 25 trilhões de dólares para tentar resolver a questão da crise financeira, já se quebrou países e não resolveu o problema da crise financeira. Não aconteceu nada. Nós tentamos fazer com que as instituições de Bretton Woods tivessem uma participação maior dos outros países. Foi tudo aprovado e nada cumprido.

swissinfo.ch: Mas como é que, nessa situação, o voto não foi justamente para os partidos de esquerda ou progressistas?

L.S.: Pois é. Eu lembro de conversas que eu tive com o companheiro José Luis Zapatero [então primeiro-ministro espanhol], com o companheiro José Sócrates [idem, Portugal], com o companheiro da Grécia, Alexis Tsipras, tentando mostrar para eles que era preciso que eles não assumissem em momento alguma responsabilidade pela crise. 

Gordon Brown [então primeiro-ministro britânico] veio conversar comigo. Mas eu falei “Gordon, eu queria lhe pedir um favor, leve para os seus amigos lá a seguinte certeza, essa crise não foi causada pelos pobres do mundo, essa crise não foi causada pelos negros, essa crise não foi causada pelos latino-americanos nem pelos índios, essa crise é obra dos olhos verdes europeus e americanos”.

Acho que a esquerda perdeu o discurso. Tsipras, por exemplo, ganhou a eleição com uma boa ideia, com um bom discurso, mas o que é que aconteceu? A elite europeia estava mais preocupada em resolver o problema dos bancos franceses do que resolver o problema do povo da Grécia.

Angela Merkel, que é uma mulher por quem tenho muito respeito, preferia chamar a Europa inteira de vagabunda, pois aqui tem-se muitas férias e as pessoas trabalham pouco. [Ouvindo isso] eu acho que a esquerda perdeu o discurso. Nós perdemos o discurso e em alguns lugares começou a se usar a palavra “ajuste fiscal” o tempo todo, e que o estado é muito pesado, que é preciso abrir o estado. E o estado, ao invés de se transformar numa coisa cada vez mais forte, pública, se transformou cada vez mais numa coisa mais fraca, privada. Eu acho que a esquerda tem que reconstruir o seu discurso, e é por isso que eu estou colocando a questão da desigualdade como um tema prioritário.

 “…Se a gente pegar um padrão de vida suíço…e querer levá-lo para toda humanidade…seria necessário que o planeta Terra fosse três vezes maior…”

E eu tenho chamado a atenção da Europa para o seguinte: foi muito duro conquistar o estado de bem-social que vocês conquistaram. Lamentavelmente os comunistas não souberam tirar proveito, porque o estado de bem-estar social não é obra dos alemães, da Alemanha Ocidental, é obra da Revolução Russa de 17, porque deu mais consciência aos trabalhadores e mais medo aos empresários. Cederam e construíram um mundo mais civilizado. Agora estamos perdendo. 

No mundo inteiro nós estamos perdendo. Então a questão da desigualdade voltou a aumentar. Você tem pessoas que parecem simpáticas na televisão, sorrindo, porque têm uma fundação. Vamos pegar o Bill Gates, que é o mais conhecido de todos. O cara tem mais de 110 bilhões de dólares na conta pessoal dele. O que é que faz um cara com 110 bilhões de dólares que não pode distribuir um pouco? Não é explicável o mundo continuar assim.

swissinfo.ch: Isso afeta a questão ambiental de alguma forma?

L.S.: Se a gente pegar um padrão de vida suíço, um padrão de vida alemão, e querer levá-lo para toda humanidade com o padrão e com a matéria prima que nós temos hoje, seria necessário que o planeta Terra fosse 3 vezes maior do que ele é. Como ele não vai crescer, é preciso que a gente aproveite melhor, distribua melhor o que a gente consegue produzir, e é isso que não está acontecendo no mundo. Você não precisa, no caso do Brasil, desmatar mais para aumentar a produção. Você não precisa disso hoje. Você pode aproveitar a mesma terra, você tem condições.

swissinfo.ch: Em Davos, Paulo Guedes afirmou que os pobres são responsáveis pelo desmatamento…

L.S.: Esse governo do Bolsonaro é uma piada. Eu acho que não é porque são burros, são bobagens premeditadas. É um pouco para brincar com a sociedade, é um pouco para tirar a atenção da sociedade. O que o Guedes falou é um sentimento dele. Dele e da elite brasileira. Eles passaram a dizer que os aeroportos viraram rodoviária, que entrava gente que não sabia usar o banheiro do avião, que entrava gente que não sabia colocar a mala. A ascensão do pobre passou a incomodar as pessoas que achavam que o teatro era só para eles, que o restaurante era só para eles, que o parque era só para eles, que o aeroporto era só para eles.

Essa ascensão dos pobres no Brasil é que me fez construir na minha cabeça a ideia de que a luta contra a desigualdade é a luta mais importante que nós temos que fazer no mundo hoje. Quer dizer, é tentar sensibilizar a sociedade que não é possível alguém dormir tranquilo sabendo que na porta da casa dele, que na calçada, que na rua, tem uma criança que está sem comer. Eu estava na Itália agora e estava comentando com o Celso Amorim, tinha uma calçada, uma rua, e cada carro tem o seu lugarzinho para entrar, com alguém para tomar conta, o guarda tomando conta dos carros, e eu falava: o mundo está numa situação em que um carro é mais cuidado do que um pobre. Se tem um pobre dormindo passa lá um carro da prefeitura e já recolhe o cara e leva embora. Aquele carro é cuidado porque aquele carro é um patrimônio enquanto o pobre é um estorvo.

swissinfo.ch: Como recuperar um mundo mais humano?

L.S.: Eu acho que nós estamos ficando desumanos. Eu acho que nesse instante do século 21 a humanidade está deixando o humanismo de lado e está virando algoritmo. Não há nada mais moderno do que todo mundo comer, dormir, trabalhar, estudar. O mais moderno para mim é saber que não tem nenhuma criança desnutrida no planeta Terra. Então, nesse momento eu estou nessa briga para tentar convencer as pessoas da importância da solidariedade, ou seja, aqueles que podem mais um pouco têm que estender a mão para aqueles que não podem.

swissinfo.ch: O que fazer com a situação da Venezuela hoje? A alta comissária da ONU para direitos Humanos apresentou um informe em que coloca também a responsabilidade no governo Maduro pela crise…

L.S.: Eu li o relatório da [Michelle] Bachelet. Mas antes de falar do governo Maduro eu vou falar da Venezuela. Em janeiro de 2003, eu estava no Equador para uma posse. Lá estava Hugo Chávez, Fidel Castro, estavam todos os governantes. E o Chávez já estava em crise com a oposição dele.

Eu me reuni com o Chávez no meu quarto e propus que era importante criarmos uma coisa chamada grupo de amigos da Venezuela. O objetivo era discutir a democracia na Venezuela, conversar com o Chávez e conversar com a oposição ao Chávez. Nós sugerimos, eu e o Celso Amorim, que entrasse o governo dos Estados Unidos, porque era inimigo do Chávez, mas era amigo da oposição. Sugerimos que entrasse o José Maria Aznar, da Espanha, que tinha sido o único governo que tinha reconhecido o golpista.

Dois homens conversando
O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva entrevistado pelo jornalista Jamil Chade, correspondente baseado em Genebra. swissinfo.ch

Eu lembro que o Fidel Castro ficou raivoso, ficou nervoso. Uma hora da manhã ele bateu no meu quarto, preocupado, porque ele achava que tínhamos entregue a Venezuela ao imperialismo. Eu falei: “Fidel, deixa eu lhe falar uma coisa. Por que nós tivemos que colocar os Estados Unidos? Porque nós não estamos criando um grupo de amigos do Chávez. Se fosse um grupo de amigos do Chávez era eu, era você, era o [Néstor] Kirchner (então presidente argentino).

Mas era um grupo de amigos da Venezuela, para construir a democracia. E aí tem que estar o pessoal da oposição, senão não tem negociação. Chávez foi à Granja do Torto. Eu, ele, o Marco Aurélio Garcia e o Celso Amorim tivemos uma longa conversa para convencer o Chávez que era importante fazer as coisas daquele jeito. Colin Powell [então secretário de Estado dos EUA] participou, [o ex-presidente americano] Jimmy Carter participou e nós conseguimos que a eleição fosse tranquila na Venezuela.

 “…O importante é estabelecer com o Maduro uma conversa que definisse uma regra democrática que todas as pessoas possam acatar.”

Nesse instante acho que o mundo rico, a Europa e os Estados Unidos, prestaram um desserviço a qualquer aula de democracia que a gente queira dar em qualquer lugar do mundo. Eles não poderiam ter reconhecido um farsante que se autoproclamou presidente (Juan Guaidó). Não é correto, porque se a moda pega a democracia é jogada no lixo e qualquer picareta pode se autoproclamar presidente. 

Sabe, eu poderia agora me autoproclamar presidente do Brasil. Mas e a democracia, pra onde vai? E a Constituição, vai para o lixo? Quem está tomando a iniciativa de conversar é o Maduro, não é o Guaidó. Guaidó até tentou forçar que os americanos invadissem a Venezuela. Ele deveria ter sido preso e o Maduro foi tão democrático e não prendeu quando ele foi para a Colômbia tentar instigar a invasão da Venezuela, ou seja, uma falta de desrespeito democrático. Então eu fiquei muito chateado com os Estados Unidos, a Alemanha, a Itália, todo mundo apoiando o Guaidó.

swissinfo.ch: Mas Maduro é um democrata?

L.S.: Espera um pouco… Ele foi eleito democraticamente. Se ele está fazendo um bom governo ou não são outros 500. Agora, você não dá golpe em todos os países que não estão bem. Deram golpe na Bolívia, que era o único país que estava bem aqui no continente. Derrubaram o Evo por excesso de políticas saudáveis para povo da Bolívia. Que loucura é essa?

swissinfo.ch: Mas o senhor não acha que Evo fez uma eleição complicada?

L.S.: A do Bush não foi complicada contra o Al Gore? Foi complicada, o Bush tomou posse e governou 8 anos. A do Trump não foi complicada? Foi complicada, ele tomou posse. A do Bolsonaro não foi complicada? Todo mundo sabe a farsa das fake news. E tomou posse.

Quando você ganha uma eleição, quatro anos não é nada. Mas para quem perde, quatro anos é um século. Então eu tenho alertado ao PT a ter paciência, porque nós temos que esperar quatro anos. A não ser que ele [Jair Bolsonaro] cometa um ato de insanidade, cometa um crime de responsabilidade, a gente então possa fazer o impeachment dele. Mas se não fizer isso, nós não podemos achar que nós podemos derrubar um presidente só porque não gostamos dele. Aí a democracia acaba.

Não é com truculência que a gente combate truculência. O importante é estabelecer com o Maduro uma conversa que definisse uma regra democrática que as pessoas possam acatar. Agora, não dá para fazer crítica ao Maduro e não fazer crítica ao bloqueio econômico à Venezuela. O bloqueio não ataca soldado, o bloqueio não mata culpado, o bloqueio mata inocentes.

swissinfo.ch: Mas é a repressão que mata a oposição. A repressão não está relacionada com o bloqueio…

L.S.: Se Bachelet fez uma reunião com o Maduro e descobriu que tem, ela tem o direito e a obrigação de criar uma comissão na ONU, ela pode convocar chefe de estados, pedir uma reunião com o Maduro, convidar o Maduro na ONU e discutir. Na minha experiência de política, desde o movimento sindical, não tem jeito de você estabelecer um acordo se ele não for em torno de uma mesa com as pessoas que pensam a favor e ao contrário.

swissinfo.ch: O sr. esteve com o Papa Francisco. Ele lhe deu alguma recomendação?

L.S.: O Papa é uma figura humana acima do que a humanidade já produziu. Ele tem a cabeça muito arejada sobre os problemas sociais, tem a cabeça muito arejada sobre os problemas políticos, e eu acho que o Papa está no caminho certo.

Eu queria saber sobre um programa que ele está fazendo, o Encontro da Juventude. Eu fiquei muito feliz, e perguntei, por que só jovens? Ele disse porque é preciso criar uma rebeldia na economia. É preciso colocar jovens que estão com muita energia, com muita vontade, para discutir isso. E ele falou para mim: olha, eu estou numa idade que eu só posso fazer coisas irreversíveis. Eu não tenho mais idade para fazer coisas que mudam.

Por isso a questão do Sínodo da Amazônia, começar a discutir temas que são necessários ser discutidos e que às vezes são proibidos, ora pela imprensa, ora porque não é interesse econômico de discutir.

swissinfo.ch: A política externa brasileira hoje é de uma aliança incondicional com o governo americano. O que é isso…

L.S.: Não é aliança. Aliança é quando você pactua com alguém que te respeita. Trump não respeita Bolsonaro. Sabe por quê? Em política ninguém respeita quem não se respeita. Você só vai respeitar o cara que mora do lado do teu apartamento se ele for respeitoso com você e se você se respeitar. Se você percebe que o cara é um banal você não vai respeitar. E o Bolsonaro não se faz respeitar. Lamentavelmente é isso.

“…Trump não respeita Bolsonaro. Sabe por quê? Em política ninguém respeita quem não se respeita.”

Trump não é grande coisa. Até porque, foi parido por uma mentira, e uma mentira ele será a vida inteira. Sabe, você não pode esperar que um cara que constrói uma mentira para ser eleito presidente da República vá governar com verdades. 

E aí eu faço um desafio. Eu duvido, eu duvido que você tenha visto em alguma campanha que eu participei, 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 20010, 2014 apoiando a Dilma, que eu tenha ofendido alguém ou contado uma inverdade num debate. Por quê? Porque eu acho que quando você disputa uma eleição você está mostrando para a sociedade que tipo de comportamento você vai ter, que tipo de governança você vai fazer. E o Trump está mostrando que ele não é sério.

swissinfo.ch: Sobre a OCDE, sob o seu governo houve um convite da entidade para a entrada do Brasil. Mas o país optou por não entrar. Por qual motivo?

L.S.: É triste, mas é o seguinte: entrar na OCDELink externo é você ser convidado para uma festa sem direito a tomar refrigerante e sem direito a comer o bolo. É só para participar. O Brasil não precisa da OCDE para cuidar do seu povo. O Brasil não precisa da OCDE para elevar os seus números de conquista de bem-estar da sociedade. Nós temos que fazer isso por obrigação. É por isso que nós não quisemos entrar.

Nós não queríamos abrir mão da nossa soberania. E eu tinha como prioridade fortalecer o nosso bloco natural, com os nossos vizinhos. Nós tínhamos que ajudar com que esse bloco se transformasse num bloco forte. Durante todo o século 19 e século 20 a América do Sul ficou voltada para os Estados Unidos, todo mundo esperando que um belo dia os Estados Unidos fossem ajudar. E não tem exemplo histórico que alguma vez os americanos se preocuparam em ajudar algum país da América Latina. O Brasil tem que entender que ele precisa crescer, e se crescer o Brasil e a Argentina, nossos vizinhos, a América do Sul vira um bloco de quase 400 milhões de pessoas. Um bloco poderoso. Quando a gente virar um bloco importante a gente vai ser respeitado lá fora.

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