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O emaranhado da maconha

Thomas Kern/swissinfo.ch

Reprimir, tolerar ou legalizar? Para quem luta contra a dependência, a regulamentação do consumo permitiria enfrentar o mercado da droga, cada vez mais violento. Uma descriminalização real contribuiria para melhorar a saúde pública e a segurança. Mas nem todos pensam assim

A legislação helvética sobre a cânabis é clara: o cultivo, o consumo e o comércio são proibidos. Ao mesmo tempo, entretanto, a lei de 1951 prevê uma certa margem de tolerância. O preparo de uma reduzida quantidade de entorpecentes para o consumo pessoal não é sujeito à punição.

Esta é uma ambiguidade à qual se acumulam as diferenças do sistema federal. A aplicação da lei nacional cabe aos cantões. Eles devem emitir normas proibitivas e sanções que podem variar de acordo com as realidades locais.

“A falta de harmonia entre os cantões pode provocar confusões: não se sabe se a maconha é tolerada ou proibida. É preciso estabelecer regras mais claras”, afirma à swissinfo.ch, Jean-Félix Savary, secretário geral do Grupo Romando para o Estudo da Dependência (Grea)

Multa no lugar do juiz

O Parlamento deu um passo nesta direção. Câmara e Senado chegaram a um acordo sobre o princípio de multar ao invés de punir penalmente os consumidores de maconha maiores de idade.

A posse de até dez gramas vai ser punida com multa entre 100 e 200 francos (sobre o valor ainda existem divergências), como ocorre para as infrações do trânsito.

“Passa-se do direito penal ao administrativo e, de certa maneira, pode-de falar de descriminalização, mas a proibição deve continuar”,  realça Jean-Felix Savary, para quem o Parlamento teve o mérito de “ ter esclarecido a situação.”

A modificação legislativa vai permitir a aplicação de sanções em modo mais homogêneo em toda a Suíça, afirmou no plenário a senadora socialista Liliane Maury Pasquier. Um discurso mais coerente em matéria de prevenção poderá ser feito, acrescentou ela.

Por outro lado, para o Partido do Povo Suíço (UDC na sigla em francês), principal partido do país, a punição do consumo com uma simples multa significa dar o primeiro passo rumo à legalização da maconha.

Uma descriminalização contrária à vontade popular que, em 2008, rejeitou uma iniciativa nessa direção, ressalta a Associação pela Abstinência da Droga. Pela enésima vez, ela alerta em um comunicado, que se subestima o perigo do consumo da cânabis que, na maior parte dos casos, pode estar entre os fatores que desencadeiam as crises existenciais entre os jovens.

Um problema de segurança

Nos últimos 15 anos, o debate sobre a maconha e as drogas em geral tem sido dominado pelas questões penais relativas ao consumo, revela Svary. “Todas as pesquisas revelam, porém,  que a repressão fracassou.”

Agora, ao contrário, volta-se a falar de regulamentação do mercado, continua o colaborador do Grea. Ele afirma que a cânabis tornou-se, principalmente, ”um problema de segurança.”

O tráfico de maconha “continua sendo um negócio muito lucrativo, que atrai a criminalidade”, escreve a Polícia Federal no seu último relatório. O temor é a fusão do mercado da maconha com o das drogas mais “fortes” (cocaína e heroína), controlado pelas organizações criminosas.

Esta evolução causa insegurança na população, sempre mais exposta ao tráfico nos locais públicos e à expansão das redes mafiosas, observa Savary. Se não houver uma reação, o povo corre o risco de abandonar a politica suíça para as drogas, a chamada “ quatro colunas” ( leia na coluna à direita).

Velhas receitas e novas soluções

Na Suíça, deveria se deixar uma certa margem de manobra aos cantões e municípios para que eles experimentassem soluções administrativas para o problema”, opina Savary.

Segundo o secretário geral do Grea, devem ser revistos alguns princípios da velha estratégia do governo federal por uma regulamentação do mercado da cânabis. O projeto de 2001- que acabou sendo enterrado pelo Parlamento – previa, além da descriminalização do consumo, a tolerância a uma certa quantidade de pontos de venda e a insistia, ao mesmo tempo, na prevenção entre os jovens.

“Não se trata de abrir uma lojinha de café mas, principalmente, de estabelecer um certo números de regras para aqueles que queiram consumir maconha”, explica Savary.

O Instituto de prevenção ao alcoolismo e outras dependências tóxicas aponta a regulamentação do mercado como sendo a melhor solução. “Isso permitiria ao consumidor de comprar legalmente a cânabis e de separar esta última de outras substâncias como a cocaína”, afirma Ségolène Samouiller, porta-voz da Dependência Suíça.

Além disso, continua, se a maconha fosse vendida sob controle estatal, poderia se controlar melhor a qualidade do produto em termos do nível de THC ( tetra-hidro-canabinol, o princípio ativo da cânabis, ndr) e de pesticidas. “Trata-se, então, de uma verdadeira politica de saúde pública que tenta reduzir os riscos do consumo.”

Clube da maconha

Experiências neste sentido estão sendo avaliadas, no momento, nas cidade de Zurique e de Basileia, nas quais os parlamentares irão discutir, nos próximos meses, a proposta de uma distribuição controlada da maconha. “Existem ainda alguns aspectos legais e conceituais que devem ser esclarecidos”, ressalta Katharina Rüegg, da Secretaria de Saúde e Meio Ambiente de Zurique.

 A Suíça poderia ainda se inspirar em modelos que existem no exterior, afirma Jean-Félix Savary. Ele cita, por exemplo, os clubes  de maconha na Espanha e na Bélgica. “São cooperativas em que os sócios podem cultivar uma planta e fumar em locais fechados e conhecidos pela polícia.”

A vantagem destas associações de plantadores, continua, é o fato que os consumidores são registrados. Assim, se pode proteger os jovens e adotar programas de prevenção e de redução de riscos.

Grégoire Monney, psicólogo no site de informação Stop-cannabis.ch, compartilha este ponto de vista. “O maior perigo poderia ser uma banalização do produto: não se pode dar ao jovem um sinal de normalidade do consumo.”

Idealmente, os espaços de consumo deveriam ser também locais de diálogo com os profissionais das dependências, observa. “O risco seria um risco a perda do poder de atração desses lugares”, reconhece Monney.

Resultados e não ideologias

Projetos desse tipo provocam opiniões divergentes, reconhece Jean Félix Savary. “Aceita-se, na prática, que algumas pessoas maiores de idade possam consumir maconha”. Um ponto sobre o qual não abre mão a associação Abstinência da Droga, é que numerosos jovens renunciam ao consumo devido às severas proibições.

Quaisquer que sejam as medidas adotadas, “os resultados devem ser colocados à frente das ideologias”, insiste Savary.  Se não for assim, vai ser difícil encontrar soluções eficazes que levem em conta a proteção da saúde e a redução da criminalidade.

Segundo o Escritório das Nações Unidas contra a droga e o crime, o número de pessoas que fazem uso da cânabis para fins psicotrópicos varia entre 119 e 224 milhões (Relatório mundial sobre a droga, junho de 2012)

Na Suíça, o percentual de consumidores de maconha entre os 13 e os 29 anos de idade é de 10,4% (170 mil pessoas), revela a última pesquisa do Escritório federal da saúde pública, realizada em 2010.

A proporção era de 11,1%e, 2007,  e de 13,3%, em 2004

Entre as principais razões que levam a deixar de fumar maconha  citadas por ex-dependentes estão a de “não ter mais vontade” e/ou  maior preocupação com a saúde física e psíquica”

A  maconha é consumida “quase todos os dias”  por 1,1% dos jovens,  (1,9% em 2004)

Entre os consumidores ocasionais ou regulares, 22,2% representam um “caso problemático”, segundo os critérios do CUDIT  (Cannabis Use DisordersIdentification Test). O teste contempla aspectos como os da frequência, a intensidade e os efeitos sociais do consumo de cânabis.

Na Suíça, 35% dos jovens de 15 anos afirmam que já fumaram pelo menos um cigarro de maconha. Trata-se do percentual mais elevado dos 35 países considerados pelo último estudo sobre a saúde dos jovens em idade escolar realizado pela Organização Mundial de Saúde.

A politica suíça em matéria de droga se baseia num enfoque que leva em consideração os quatro aspectos fundamentais (a chamada politica dos  “quatro pilares”)

Prevenção: evitar o começo do consumo e o desenvolvimento da dependência.

Terapia:  fornecer uma ajuda adequada às pessoas  dependentes de estorpecentes , melhorando o estado de saúde e favorecendo a integração social

Reduçãode riscos: conter os danos físicos, psíquicos e sociais ligados ao consumo da droga.

Repressão: aplicar a proibição das drogas ilegais.

Esta politica, realça a Secretaria Federal de Saúde Pública, permitiu obter sucessos importantes .

Entre estes estão a clara redução das mortes ligadas às drogas e da criminalidade do comércio, a melhoria das condições de saúde dos tóxicodependentes e o desaparecimento das cenas públicas de consumo de drogas.

(fonte: Secretaria Federal da Saúde Pública)

Adaptação: Guilherme Aquino

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