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Mercado de artes no Brasil é uma obra em andamento

Art Basel é uma as maiores do mundo, inclusive com edições em Miami e Hong-Kong. swissinfo.ch

Apesar do setor estar em constante evolução e do grande número de artistas, os mercados de arte contemporânea brasileiro e latino-americano ainda enfrentam vários problemas para se expandir.

Durante a Conferência “Global Contexts of the Contemporary Latin American Art Market”, realizada recentemente em São Paulo pela Universidade de Zurique e a Universidade Federal de São Paulo, um pedido de desculpa chamou a atenção do participante suíço Res Urech. Uma das conferencistas se justificava por sua apresentação estar em inglês. Para Urech, Mestre em Estudos de Mercado  de Arte, não poderia ser diferente, até pela natureza do evento. Embora aberto ao público brasileiro, o encontro que contou com o apoio do swissnex Brazil reunia profissionais estrangeiros para discutir a expansão do cenário Latino Americano das artes no contexto da aceleração da internacionalização deste mercado. “Quem quer ser global tem de começar por aí”, comenta Urech, referindo-se à comunicação, embora já tenha percebido grandes avanços no segmento como um todo desde sua última visita ao país, em 2012.

Mas a questão da língua é apenas uma das barreiras que o mercado brasileiro de artes está tentando quebrar. Além de uma comunicação mais eficiente com os players globais, o que exige o uso do inglês, o Brasil ainda precisa lidar com outras questões “protecionistas”. Cálculos e regras complexas de taxas, licenças e impostos têm dificultado a dinâmica de uma participação internacional mais efetiva. “Importar obras de arte da Europa, por exemplo, pode custar mais 50% em taxas, o que é enorme”, salienta o Dr. Nicolas Galley, Diretor de Estudos da Universidade de Zurique, que foi mediador dos debates.

Nicolas Galley alban kakulya

Galley acredita que esta seja uma questão particular brasileira. “Não posso dizer que é um problema único no mundo, mas falando do mercado de artes, acho que o Brasil é o único país onde esse problema ainda existe”, diz ele, exemplificando que os custos de importação na Suíça são muito menores, como o VAT (Value added tax) em torno de 8%.

Ainda assim, Galley acredita que o crescimento e a internacionalização do mercado de artes brasileiro já é um fato e o país pode ser considerado hoje um hub das artes na América Latina. “Embora um hub normalmente seja uma plataforma que permite a participação de todos”, ressalva ele, acrescentando: “O Brasil é um mercado muito forte, mas ainda muito local”. Isso porque a concentração de negócios ainda seria formado por um ciclo básico: “Artistas brasileiros que vendem para galerias brasileiras, que vendem para colecionadores brasileiros.”

Galley também observa outra característica específica do Brasil: “Posso estar completamente enganado, mas me parece haver uma espécie de complexo de inferioridade brasileiro em relação aos Estados Unidos e Europa e um outro de superioridade em relação aos demais países latinos”. Sua percepção é reforçada por informações como a menor participação de colecionadores latinos em feiras e demais eventos de arte no país, comparando com a presença de americanos e europeus.

Latitude como força

Ainda assim, a internacionalização do mercado brasileiro está sendo fortalecida por iniciativas como o projeto Latitude (http://www.latitudebrasil.org/Link externo), que serve de exemplo da força e do potencial do segmento, contribuindo para a sua rápida expansão. A iniciativa é resultado de uma parceria feita em 2011 pela ABACT (Associação Brasileira de Arte Contemporânea) e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), como o objetivo de fomentar negócios e criar oportunidades.

Conhecer mais de perto organizações como esta, assim como estar presente na Bienal de São Paulo, reconhecida hoje como um dos três principais eventos de arte do mundo, foram alguns dos objetivos da realização do Art Market Studies no Brasil. “Mas o que os suíços podem definitivamente aprender por aqui é a se reunir como a associação criada pelas galerias brasileiras, a ABACT”, diz ele, que considera o modelo suíço fraco neste aspecto. Ele acrescenta “que as galerias no Brasil souberam se organizar para apoiar projetos como o Latitude e se tornaram realmente fortes para propor suas ideias ao governo e também ao mercado exterior, levando sua internacionalização a um outro patamar. Por outro lado, ele também acredita que o modelo suíço de administração eficiente do mercado de artes também poderia ser um aprendizado importante para o Brasil.

Aprendizado mútuo

Para a pesquisadora e consultora da Latitude Ana Letícia Fialho, uma conferência como esta já é um exemplo da importância do Brasil na cena da arte contemporânea internacional. “O Brasil está se tornando um player deste cenário, senão não teríamos feiras de artes cada vez mais internacionalizadas, não teríamos um fluxo tão grande de agentes vindo para o Brasil”, salienta ela, que também vê grande importância na troca de informações entre profissionais brasileiros e suíços. “A qualidade das instituições suíças e a ousadia das exposições é algo notável” acrescenta Ana, que esteve na Art Basel. “Ainda não temos a mesma maturidade”, completa.

Por sua vez, a Suíça também pode aprender com o Brasil. “Há no país um interesse, uma abertura de espírito, que de certa forma o torna muito mais atualizado em relação à produção contemporânea do que a Suíça, que acaba por estar olhando mais o que está por perto, como a Europa e também Estados Unidos e um pouco menos o que acontece na América Latina”, completa.

Sobre questões estruturais que permitam maior desenvolvimento do mercado de arte no Brasil, como tarifação de importação, ela acredita que grande parte precisa de iniciativas da esfera governamental para criar esse ambiente favorável. “O desenvolvimento, no entanto, já está acontecendo mesmo com a falta de políticas apropriadas”, comenta. A organização setorial, o mercado, que hoje tem uma associação, tem um programa de internacionalização está atuando fortemente por uma adequação das normas que informem e melhorem o seu funcionamento. E esse processo depende do interesse e boa vontade da esfera pública para entender e incentivar o desenvolvimento do segmento. “Essas são discussões que estão atualmente em pauta, e, sim, há uma movimentação para que ocorram”, afirma Ana, que conclui: “Agora, quanto tempo vai levar, a gente não sabe”.

Diálogo fundamental Brasil-Suíça

Em pleno ano eleitoral no Brasil, a crítica de artes visuais, curadora e jornalista cultural Angélica de Moraes pergunta: “Você vê algum candidato apresentando proposta cultural?”. O questionamento se dá em meio a entrevista sobre sua participação no Art Market Studies. Angélica, que acompanha o mercado de artes no Brasil e no mundo há mais de duas décadas, fala sobre a importância de um evento com a participação suíça para o cenário brasileiro, além de questões como a necessidade das próprias representações culturais saberem cobrar do governo melhorias do segmento.

swissinfo.ch: Qual a importância de um evento como este para o mercado brasileiro?

Angélica de Moraes: Acho fundamental o diálogo do Brasil com o exterior, e é muito importante que isso aconteça com países e instituições culturais que têm protagonismo na cena cultural internacional. A Suíça dispõe dessas instituições, desde a mais prestigiosa feira de artes do mundo, ArtBasel, como uma série de museus e instituições de grande envergadura. Então é o tipo de diálogo que interessa ao meio cultural brasileiro.

swissinfo.ch: Nessa troca, o que poderia também a Suíça aprender com o Brasil?

AM: Evitar os clichês culturais, as ideias prontas de como é o Brasil e como é a arte no país. “A arte brasileira tem de ser necessariamente colorida, tem de  retratar a miséria, tem de retratar a favela, tem de ser “precária.” Estes e tantos outros clichês que foram criados, tanto por uma leitura apressada da crítica, quanto pela produção artística que surfou nessas facilidades para aparecer mais facilmente no exterior, precisam ser mapeados e combatidos porque atrapalham a visibilidade da verdadeira produção artística brasileira.

swissinfo.ch: Sabemos que o mercado de artes no Brasil é concentrado em São Paulo, mas em termos de produção artística quais os demais estados que merecem atenção do público internacional?

AM: A produção brasileira conta com vários polos muito interessantes. Temos evidentemente o eixo São Paulo-Rio, mas temos em terceiro lugar Recife, que está com uma produção muito interessante, além de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

swissinfo.ch: Você citaria nomes de alguns artistas?

AM: É tanta gente que daria para encher um catálogo telefônico. Há artistas nos mais diversos níveis, desde os consagrados até artistas jovens e outros em meio de  carreira. Temos no Brasil uma ampla produção e de grande qualidade, o que é bastante raro do circuito internacional. E não estou cometendo patriotada, não! Eu venho acompanhando o crescimento dessa produção ao longo da duas décadas e meia.

swissinfo.ch: Durante as discussões do Art Market Studies ficou claro que problemas como as taxas de importação ainda prejudicam o mercado de artes brasileiro. Qual a perspectiva de melhora?

AM: Nós estamos em plena campanha eleitoral. Você vê algum candidato falando em proposta cultural? Nenhum! Eles não têm. Um tipo de política pública voltada para isso tem de ser uma bandeira, uma proposição do próprio meio cultural. Não se pode ficar esperando que eles façam. É preciso cavar essa conquista, essa condição, uma necessidade para melhor funcionamento do setor por meio de representação setorial.

swissinfo.ch: E qual a sua percepção sobre essas representações?

AM: Não estão absolutamente articuladas porque a classe artística é muito dividida. Não se faz uma política a partir do próprio setor e se cobra uma política setorial do governo. Então há alguma coisa errada aí! A sociedade é que tem de cobrar coisas e não ficar esperando que caia do céu. É preciso haver uma demanda adulta.

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