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Quando a fé fala o próprio idioma

Padre celebrando uma missa
O padre Arcangelo Maira durante a celebração de uma missa na Igreja Santa Maria, Berna, com fiéis de língua portuguesa. swissinfo.ch

A imagem de Mama Muxima ao lado do altar. Uma mensagem durante a missa para o imigrante doente no hospital. Catecismo para as crianças na cidade. Os missionários da Missão Católica em lingua portuguesa se esforçam em dar aos trezentos mil imigrantes lusófonos um sentimento de não estar tão longe de casa.

O bairro de BreitenrainLink externo é um dos mais tradicionais de Berna, a capital suíça. Conjuntos habitacionais construídos para abrigar trabalhadores das fabricas, hoje desativadas, se misturam aos apartamentos da municipalidade voltados às famílias de baixa renda e casas luxuosas construídas no início do século 20. Pequenos comércios e empresas, artesãos e mercadinhos dão um caráter animado e colorido ao local, onde estrangeiros e suíços vivem um ao lado do outro. Porém na tranquilidade do domingo, o idioma do bairro é outro.

Pouco antes das onze horas da manhã, o silêncio é interrompido por inúmeros carros que chegam de várias direções e disputam as poucas vagas disponíveis nas ruas estreitas. Famílias se apressam nas ruas com suas roupas elegantes. No ponto, o ônibus deixa mais um grupo numeroso que corre em direção à Igreja Santa Maria, construída nos anos 1930 para receber a população crescente de católicos na cidade. “Corre, pois já estamos atrasadas”, diz Cristiana Heiniger, 50 anos. Essa brasileira originária do Rio de Janeiro, vive há mais de trinta anos na Suíça e nunca perde a missa em português, assim como inúmeros outros imigrantes portugueses ou africanos residentes na região.

A missa é organizada pela Missão Católica de Lingua PortuguesaLink externo (ver box), criada nos 1970 a partir do momento em que começaram a chegar as primeiras leva de imigrantes portugueses, com um aumento considerável a partir do final dos anos 1980. Dois padres viajavam entre as diversas regiões do pais para atender as necessidades espirituais dos imigrantes. Hoje já são 16 missionáriosLink externo, responsáveis por 14 missões na Suíça. Eles atendem uma população lusófona de aproximadamente 300 mil pessoasLink externo, incluindo naturalizados, sejam portugueses, brasileiros, angolanos ou de outros países lusófonos no mundo.

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Uma necessidade

“Quando os migrantes chegam em um lugar, eles estão perdidos. Não conhecem a lingua ou os costumes. Então precisam não só de serviço religioso, mas também de um acompanhamento na nova vida na Suíça”, explica Arcangelo Maira, um dos dois padres responsável pela missão em Berna. Italiano de origem, ele fala fluentemente o português, aprendido durante os anos que trabalhou como missionário em Moçambique.

O trabalho com migrantes não veio ao acaso na vida de Maira. Ele mesmo cresceu na Basileia, onde seu pai, originário da Sicília, vivia como trabalhador sazonal. Nessa época os migrantes com esse status não tinham o direito de trazer família para a Suíça. Para combater a solidão, muitos encontravam soluções criativas. “Meu pai acreditava que uma família não podia estar separada. Então nos levou à Basileia, onde ficamos vivendo clandestinamente por muitos anos”, lembra-se.

A situação deixou marcas que terminaram tendo um papel na escolha de vestir a batina. “Como muitos imigrantes, cresci com a angustia de ser deportado. Até aprendi a dizer à polícia que estava visitando uma tia, no caso a minha mãe”. Depois de estudar um ano de arquitetura em Lausanne, Maira percebeu que sua vocação era outra e mudou de profissão. “Fui ao seminário em Brescia e Roma, onde estudei seis anos de teologia, e me ordenei padre”, diz. Depois entrou para a Ordem dos Missionários de São Carlos, também conhecidos como ScalabrinianosLink externo, uma congregação que tem como lema “Eu era estrangeiro e me acolhestes”.

Três imagens religiosas próximas ao altar de uma igreja
As três santas que estão sempre presentes nas missas em português: Nossa Senhora de Fátima (Portugal, à direita), Nossa Senhora de Aparecida (Brasil, centro) e Mama Muxima (Angola, à esquerda). swissinfo.ch

Três santas diferentes na missa

Nesse domingo a Igreja Santa Maria não se encheu como das outras vezes. Pouco mais de trinta pessoas estão presentes. “É porque a maior parte dos fiéis está de férias. Mas geralmente temos aqui até trezentas pessoas”, justifica o padre. A razão para a grande afluência está também nos serviços oferecidos pela Missão católica de língua portuguesa. “Temos no domingo curso de catecismo para as crianças. Os pais vêm acompanhá-los e aproveitam então para ir à missa”, afirma Maira, lembrando que também o momento é utilizado pelos migrantes para encontrar-se, falar do trabalho ou de coisas das famílias.

O diferencial da missa em português não se limita apenas ao idioma dos cantos e falas. No canto direito ao altar, os fiéis colocam sempre pouco antes do início da missa três pequenas imagens religiosas sobre mesinhas: Nossa Senhora de Fátima (Portugal), Nossa Senhora de Aparecida (Brasil) e Mamã Muxima (Angola). Elas dão o toque familiar e são partes fundamentais na liturgia. “Com as imagens os nossos fieis se sentem em casa”, afirma Maira, jogando um olhar na pequena estátua pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição da Muxima, mais conhecida como Nossa Senhora da Muxima, a santa mais venerada em Angola e outros países africanos. A palavra “muxima” também significa “coração” em kimbundu.

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Imigrante brasileira em Berna

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Uma imigrante brasileira e a importância da Igreja

Este conteúdo foi publicado em Cristiana Heiniger explica porque nunca perde a missa em português e a importância do trabalho religioso voltado às comunidades de imigrantes.

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A missa também não se limita à celebração da Eucaristia, mas encontra espaço para lembrar os membros da comunidade que morreram ou estão doentes. O sermão também trata de temas mais próximos das pessoas. Dessa vez, o padre italiano fala sobre a importância do descanso.

Depois lembra os fiéis da missa especial, organizada com fiéis suíços em comemoração à “Assunção da Virgem Santa Maria” em 12 de agosto por ter caído (15.08) em um dia da semana. Terminada a missa, todos se despedem e Maira sobe em sua bicicleta e sai pelas ruas de Berna. Porém suas funções de padre não terminam por aí. Os dois missionários de Berna, Maira e o padre brasileiro Geraldo Melotti, também costumam visitar doentes nos hospitais ou famílias em suas casas. Eles atendem os fiéis espalhados pelo cantão de Berna que, com seis mil quilômetros quadrados de extensão, é um segundo maior da Suíça. “Nos alternamos para celebrar a missa nas diversas igrejas da região dos Alpes bernenses, que não têm mais um padre fixo”, explica o padre italiano. Em vários vilarejos turístico nas montanhas, vive uma população considerável de portugueses, ocupados principalmente na gastronomia e hotelaria. “A igreja não tem fronteiras”, completa Maira pouco antes de começar a pedalar em direção à casa.

Religião na Suíça

Nos últimos quarenta anos as religiões mudaram muito na SuíçaLink externo. Fatores como imigração levam ao crescimento de determinadas comunidades religiosas, enquanto o laicismo, ateísmo ou desinteresse faz com que as religiões tradicionais no pais percam fieis.

A percentagem de católicos na Suíça caiu de 41,4% a 36,1% entre 2000 e 2016. Porém, graças ao crescimento populacional, o número de católicos se manteve estável nesse período: 1,9 milhões de habitantes se declaram membros da Igreja católica.

Já o número de protestantes teve uma queda de nove por cento. Em 2000, 1,9 milhões de habitantes se declaravam membros da Igreja Reformada. Hoje são 300 mil a menos.

Segundo o Departamento Federal de Estatísticas (BSF, na sigla em alemão), responsável pela realização do censo, entre 2000 e 2016 houve um leve aumento do número de muçulmanos na Suíça: 1,6%. O de ateus ou pessoas que não estão filiados a nenhuma igreja cresceu em 13,5%.

Aproximadamente um terço dos católicos rezam diariamente ou quase todos os dias.

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