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Não é fácil viver em um camping na Suíça

Vorzelt mit Küche
Uma cena comum em um camping na Suíça. o trailer com toldo e a área verde. Keystone / Martin Ruetschi

Até nos anos 1980 era comum viver de forma permanente em um camping na Suíça. Porém hoje não há mais espaço para isso: os governos locais não querem ter habitantes vivendo quase de graça nas suas localidades.

Foi um tempo em que as pessoas mais humildes também podiam se permitir ter casa e jardim com vista para o lago. Elas alugavam um trailer fixado no lote em um camping na Suíça. Aposentados ou trabalhadores, qualquer pessoa podia, dessa forma, ter acesso às belezas naturais do país sem gastar muito.

Os inquilinos decoravam os trailers como se estivessem em casa. Eles ganhavam toldos, plantas ao redor e vários anões de jardim dispostos sobre a área verde do lote. Alguns até construíram alpendres lembrando chalés e instalavam verdadeiras churrasqueiras. Assim surgiram os assentamentos de trailers no país.

Blick von oben auf einen Campingplatz
Vista aérea do camping em Tenero, no Lago Maggiore. © Keystone / Gaetan Bally

Segundo Oliver Grützner, diretor do setor de turismo e lazer no Touring Club da Suíça (TCS, na sigla em alemão), esse desenvolvimento começou a criar problemas. “Algumas pessoas descobriram que é possível pagar menos aluguel e saíram dos seus apartamentos para viver de forma permanente nos campings.”

Não é barato ter uma moradia na Suíça. Os preços dos aluguéis são 82% mais elevados do que a média da União Europeia. Os apartamentos geralmente têm um alto padrão de acabamento, o que permite que sejam alugados o mais caro possível. Propriedade imobiliária também é considerada um investimento seguro. Viver barato e modestamente é quase impossível, exceto em um camping.

Frau giesst Blumen vor Vorzelt
Moradora permanente de um camping regando suas rosas. Keystone / Martin Ruetschi

Governos locais contrários

Os moradores dos campings se tornaram um problema para os municípios. “Eles não querem que pessoas marginalizadas e alcoólatras fiquem morando permanentemente nesses locais”, explica Grützner. “Por isso os governos tornam mais restritas as regras ou até mesmo proíbem o camping permanente.”

De fato, nos últimos anos, um número crescente de governos locais outorgou novas leis proibindo o acampamento permanente. Um exemplo: como publicado em jornais locais, o município de Thusis, localizado no cantão dos Grisões (leste), exigiu que o camping local cancelasse o contrato de aluguel dos moradores permanentes, o que provocou a sua falência. As autoridades negam que tenham provocado o fechamento da empresa, mas concordam que a política hoje seja a de combater esse tipo de moradia, já que um camping, no seu entender, é uma oferta voltada para o turista. Ao mesmo tempo, Thusis deverá introduzir novas regras para limitar o número de pernoites no camping.

Por vezes, são também os próprios campings que não querem mais moradores permanentes. O camping “Fischer’s Fritz”, localizado em Zurique, já foi endereço popular de moradia barata. Hoje o espaço não aceita mais novos inquilinos permanentes. Questionados pela swissinfo.ch, os proprietários declaram que espaço de moradia em Zurique é tão escasso, que o único camping deve ser integralmente utilizado pelos turistas interessados em conhecer a maior cidade do país. Os campings administrados pelo próprio TCS também só podem ser utilizados por turistas de passagem.

Cada vez mais municípios e cantões proíbem também acampar em áreas não destinadas a esses fins. A situação é diferente na Alemanha: segundo as estimativas, cerca de 300 mil pessoas vivem em campings de forma permanente.

Procura por alternativas

Na Suíça também existem pessoas que gostariam de viver em um camping o ano inteiro e não só por questões financeiras. As vantagens são óbvias: natureza, convívio e tranquilidade. Uma vida modesta em um camping pode ser mais atraente do que viver em um espigão nas cidades, pagando alugueis abusivos. Uma alternativa interessante, apesar da perda de conforto.

Entrevistamos uma mulher que viveu em um camping por dois anos. Kathi não é alcoólatra ou marginalizada, mas sim uma jovem formada em administração de empresa e funcionária pública. A ideia de viver em um camping foi dada pela irmã, que morava com o namorado em um subúrbio de Zurique. Ambos trabalhavam como autônomos e procuravam uma pequena casa com um jardim. Porém não conseguiram encontrar uma propriedade acessível devido aos altos preços. Assim decidiram se mudara temporariamente para um camping na Alemanha, às margens do rio Reno e próximo da fronteira com a Suíça. O que era provisório, ficou permanente. O casal vive há seis anos no local.

Todos se conhecem

Quando um trailer foi liberado em um camping, Kathi não pensou muito: o alugou dos ex-inquilinos. Oficialmente ainda está registrada na residência da irmã, na Suíça, mas, de fato, vive nesse camping na Alemanha. O custo é bastante reduzido:  1.200 euros de aluguel por ano. Além disso, paga três euros para utilizar a máquina de lavar e 50 centavos por alguns minutos de ducha. Por esse valor não encontraria um quartinho para alugar na Suíça.

Kathi gostou de viver em um camping. “Eu ficava muito perto da natureza. Se caia uma tempestade, dava para sentir os pingos da chuva batendo no telhado. E no inverno era tão tranquilo e bonito”. Nessa época do ano gostava de recolher ervas e nozes, cozinhando também sobre um fogão à lenha ao ar livre e degustando a vista da natureza.

Outro ponto positivo da vida no camping era a convivência com os vizinhos. “As pessoas se ajudavam. Se um idoso estava doente, não eram apenas os enfermeiros que vinham para ajudá-lo, mas também outros moradores do local.”

Uma vida difícil

A vida no camping é cheia de regras, diz a Kathi. No inverno a água corrente é cortada. Um morador permanente precisa comprar botijões de gás para aquecimento a cada dois dias. “Se o gás se esgota à noite, e você não tem suprimento, a noite fica bastante desagradável”, diz Kathi.

Nunca teve medo, apenas durante tempestades. Ela temia que o vento soprasse o trailer para longe. “Tinha de controlar meus nervos”, admite. Importante também era ser organizada e saber quando se abastecer de água ou pesar cada botijão, para calcular se não faltaria gás durante a noite.

Apesar das aparências, a vida em um camping não é tão livre como se pode imaginar. “Na verdade, é extremamente conservador. Há muitas regras a cumprir”, explica Kathi. Por exemplo, você só pode plantar flores e não saladas. Nenhum barulho é permitido durante o almoço e, nos domingos, é proibido lavar roupas. Para Kathi, a explicação está no fato de grande parte dos moradores permanentes serem aposentados. “É uma geração meio antiquada”, brinca.

Tiny House
Uma chamada “tiny house”, as micro-casas, muito comuns nos Estados Unidos, mas ainda raras na Europa. Keystone / Ben Margot

O sonho da casa no campo

Por causa das restrições, Kathi gostaria mais de viver em uma chamada “tiny house”, as micro-casas em terreno próprio, com um fogão à lenha à céu aberto e um jardim para plantar legumes. Mas isso não é legalmente possível na Suíça. “Se morasse nos Estados Unidos, já teria comprado uma tiny house sobre rodas há muito tempo”, diz Kathi.

Além da proximidade com a natureza, o que Kathi mais aprecia nas micro-casas é a liberdade de modelar a sua moradia. Por exemplo, no seu trailer pintou as paredes do banheiro de vermelho com pontos brancos. “Aqui na Suíça não é possível construir seu próprio castelo”, lamenta Kathi. “Até mesmo a construção de um estacionamento deve ser oficialmente aprovada pelas autoridades.”

A propósito, Kathi saiu do camping só depois que conheceu uma mulher e se apaixonou. O casal pensou inicialmente em ficar juntos no trailer, mas a namorada tem um cavalo e trabalha como enfermeira, um fator que complica a vida na hora de lavar as roupas. Além disso, a namorada não gosta do frio. No final, Kathi e sua namorada foram viver em um apartamento. Porém não se arrepende de ter vivido no camping. “Faria de novo!

Adaptação: Alexander Thoele

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