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Muçulmanos da Suíça não querem servir de bode expiatório

Muçulmanos orando em casa. swissinfo.ch

Há dez anos atrás, extremistas islâmicos atacaram três edifícios simbólicos dos Estados Unidos, uma ferida que continua aberta até hoje.

Os muçulmanos de repente começaram a serem vistos com desconfiança, como potenciais terroristas em muitos países e sua religião denegrida.

Como a maioria das pessoas que viram os ataques na televisão, a suíça Nezhda Drissi lembra bem do dia.

“Minha primeira reação foi achar que os muçulmanos seriam incapazes de fazer algo tão terrível como aquilo”, conta Drissi, que nasceu no Marrocos e vive na Suíça há 20 anos.

Larbi Guesmi, um tunisiano que milita por direitos humanos e lidera as orações na mesquita de Neuchâtel (oeste), disse ter ficado chocado com a escala dos ataques – e preocupado com o impacto que podiam ter.

Ele rejeitou totalmente a justificativa dada pela organização terrorista Al-Qaeda de que os ataques eram uma resposta ao comportamento dos Estados Unidos.

“Houve numerosos casos de agressão e humilhação por parte dos EUA em relação ao mundo muçulmano, mas esses ataques não ajudaram em nada na causa dos muçulmanos”, disse.

“Eles só serviram para que as ditaduras se barricassem atrás ‘da luta contra o terrorismo’, a fim de manter seu povo oprimido – o que continua acontecendo ainda hoje.”

Suspeita e desconfiança

Guesmi fala da desconfiança que ele mesmo experimentou.

“Até hoje, em toda parte, continuamos sendo vistos com um olhar cheio de ódio e um desejo de vingança contra nós.”

Drissi – que se diz não parecer tanto com uma estrangeira – conta que não chegou a sofrer nenhuma hostilidade pessoalmente, mas passou a ser submetida a um questionamento extra nos EUA, assim que mostra seu passaporte com o nome e vistos para países árabes.

“Procuro me conformar, mantendo-me digna. Ser muçulmana não é um defeito”, disse.

Ser muçulmano

A cientista política Elham Manea, que tem cidadania iemenita e suíça, conta que os acontecimentos do 11 de setembro de 2001 estreitaram a percepção das pessoas sobre ela, focando no fato dela ser muçulmana e esquecendo os outros aspectos de sua identidade complexa.

Embora lamente isso, ela diz que houve um efeito positivo, que a “mídia séria” começou a tentar descobrir o que significava ser muçulmano.

“Por outro lado, houve o desenvolvimento muito ruim dos partidos de direita que se aproveitaram da situação, transformando-a em uma questão política para expandir seu círculo eleitoral.”

Drissi reagiu, procurando alcançar os não-muçulmanos. Em particular, ela abre suas portas em uma noite do Ramadã, convidando qualquer um que esteja interessado em partilhar a refeição da noite que quebra o jejum.

“Nós, muçulmanos, devemos ser pró-ativos”, explicou. “Eu não estou agindo contra alguma coisa, mas para alguma coisa: para o diálogo intercultural, religioso e para encontrar o que nos une e nos faz mais fortes.”

Não seria surpreendente que a maioria dos não-muçulmanos que se junta a ela para a refeição do Ramadã não esteja preocupada com o islã. Mas às vezes ela chega a ter convidados que são mais hostis.

“Tinha um senhor que telefonou e disse que ele pertencia ao Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão). Fiquei muito satisfeita. Quando ele chegou, ele tinha muitas perguntas. E a maioria de suas questões eram baseadas no medo.”

“Ele ficou encantado com a noite. Temos um livro de visitas, e ele escreveu algo muito bonito. Mas eu acho que suas convicções são mais fortes do que qualquer coisa que viu aqui.”

Bodes expiatórios

Guesmi é menos “pró-ativo” do que Drissi – mas ele também vê a hostilidade contra o islã como resultado do medo: “Gosto das pessoas, e aquelas que mostram ódio e racismo e são prisioneiras de seus preconceitos, eu sinto pena delas, oro por elas e aconselho que procurem fazer um tratamento.”

Para ele, este medo é perigoso e está devastando a sociedade, por isso “todo mundo precisa agir, porque todo mundo sai perdendo”.

Ambos, Manea e Drissi, estão determinadas a não serem vítimas e nem bodes expiatórios.

Drissi admite que muitos muçulmanos – a maioria silenciosa – se resignam à hostilidade e esperam que as coisas melhorem: “É claro que você é tentado a reagir assim, porque você tem a sua própria vida, seus próprios assuntos. Mas você não pode. Você tem responsabilidades, tem seus filhos. Que tipo de futuro você está preparando para eles?”

Manea concorda: “Devemos assumir a responsabilidade e ser parte da sociedade. Você não pode fazer isso sentado, reclamando que o mundo está discriminando você. Você deve ser ativo e participar.”

Ela concorda que em toda sociedade sempre existiram bodes expiatórios – inclusive na muçulmana. Olhando a Suíça em um período mais amplo, ela aponta que as diferentes comunidades de imigrantes já foram afetadas em momentos diferentes. Assim como os grupos religiosos: não só os judeus, mas também os católicos já foram discriminados no passado.

Evolução positiva

Manea, que participa de grupos muçulmanos progressistas na Suíça, vê um aspecto positivo nas consequências do 11 de setembro no seio da comunidade muçulmana.

“O 11/09 levantou questões que muitos de nós relutavam em abordar: o fundamentalismo islâmico e o fato de que existem grupos marginais que pregam o ódio, e que não se deve ficar em silêncio quando tais grupos começam a fazer isso”.

Ela é frequentemente contactada por jovens muçulmanos suíços, e o que eles mais falam não é da discriminação de fora, mas da alienação que sentem dentro de sua própria comunidade. A conversa não precisa necessariamente estar relacionada com religião, na maioria das vezes tem mais a ver com as estruturas patriarcais e as tradições.

Para ela isso é um desenvolvimento normal entre gerações. Ela está otimista de que esses jovens muçulmanos irão encontrar sua própria maneira de praticar sua religião e tradições que se encaixa com a identidade suíça deles.

Aproximadamente 400.000 muçulmanos moram na Suíça.

Cerca de 12% são cidadãos suíços.

O tamanho da comunidade muçulmana cresceu de 2,2% em 1990 para 4,3% em 2000.

A maioria dos imigrantes muçulmanos veio da antiga Jugoslávia e da Turquia. Mas a comunidade inclui até 100 nacionalidades.

O número de muçulmanos duplicou entre os censos de 1990 e 2000, em grande parte devido a um afluxo de refugiados e requerentes de asilo, incluindo da guerra na antiga Jugoslávia.

Três quartos da população suíça é cristã: católicos 42%, protestantes 35% e 2,2% outras religiões cristãs.

Em 11 de setembro de 2001 quatro ataques suicidas coordenados foram realizados, envolvendo aviões comerciais voando contra edifícios.

Três dos ataques atingiram suas metas: as duas torres do World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Arlington, Virginia.

O quarto avião, aparentemente em direção do Capitólio ou da Casa Branca, caiu na Pensilvânia depois que os passageiros agiram para impedir os terroristas.

Cerca de 3.000 pessoas, de mais de 70 países, foram mortas, a grande maioria delas civis no World Trade Center.

A suspeita caiu rapidamente sobre a organização Al-Qaeda, que assumiu o atentado. A organização terrorista declarou que os atentados eram uma punição pela presença de tropas dos EUA na Arábia Saudita (um dos locais mais sagrados do islã), pelo apoio dos EUA a Israel e as sanções contra o Iraque.

O então presidente dos EUA, George W. Bush, respondeu lançando o que chamou de “guerra ao terror”, destinada a eliminar a Al-Qaeda e organizações semelhantes.

Adaptação: Fernando Hirschy

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