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Basileia quer facilitar a naturalização e integração de estrangeiros

Thomas Kessler foi responsável pela pauta de integração no cantão Basileia-cidade de 1998 a 2008. zVg

Para o especialista em questões migratórias, Thomas Kessler, a Suíça poderia naturalizar mais facilmente os imigrantes que já vivem há muitos anos no país. 

Em sua opinião, as barreiras atuais ao passaporte vermelho são “ultrapassadas” e seria interesse do país integrar as pessoas ao seu processo democrático. Porém ressalta que os estrangeiros precisam também se esforçar na integração e compreender melhor o país.

Depois de atuar por dez anos como responsável pela integração de estrangeiros no cantão Basileia-cidade – e ter lançado políticas inovadoras no setor – Kessler foi promovido a chefe do Departamento de Desenvolvimento Urbano no mesmo cantão, tendo outras pautas na sua mesa. 

swissinfo.ch: Por que a nacionalidade – especialmente a naturalização – é um tema tão controverso na Suíça?

Thomas Kessler: O especial na nacionalidade suíça é que ela oferece ao cidadão direitos muitos especiais. Não apenas nos cantões da Suíça central, mas também em comunas das regiões rurais ou das montanhas como Zermatt, a cidadania permite não apenas o acesso à participação política, mas também ao chamado “AllmendnutzungLink externo“, ou seja, aos produtos gerados pelas propriedades comuns da comuna como as pradarias de pasto e florestas. Já nas regiões francófonas do país, onde existe uma compreensão do Estado inspirado na República Francesa, a relação emocional com a nacionalidade suíça é muito mais fraca.

swissinfo.ch: Porém até a I. Guerra Mundial era possível se naturalizar em apenas dois anos. O que ocorreu?

T.K.: A ruptura foi a grande greve geral em 1918. Até então a Suíça era o único país na Europa que havia conseguido finalizar com sucesso a revolução burguesa-liberal de 1848, ou seja, era até então um país liberal revolucionário cercado por aristocracias e monarquias. Era um país forte e dinâmico, que se encontrava também em um forte processo de industrialização. A Suíça tinha fronteiras abertas, onde a carência de mão-de-obra e talentos da ciência incentiva a vinda de grandes quantidades de imigrantes ao país. Por volta de 1900 a situação na Basileia era tal que aproximadamente 40% dos habitantes eram estrangeiros. Então principalmente as forças nacionais-conservadores, ao contrário de hoje, acreditavam que era necessário naturalizar o mais rápido possível essas pessoas para que pudessem participar de forma ativa da democracia, os homens fazerem o serviço militar e, finalmente, tendo todos os direitos e deveres. O tempo mínimo para se naturalizar era de apenas dois anos.

swissinfo.ch: O que levou essa mudança de abordagem?

T.K.: E isso mudou exatamente a partir de 1918. Depois da I. Guerra Mundial e com a greve geral na Suíça, pela primeira vez a ameaça vinha de fora do país: o Bolchevismo e a sua revolução na Rússia. Depois tivemos o antissemitismo nos anos 1920. Foi quando chegaram judeus da Europa oriental e a cidade de Zurique passou a ter uma política migratória mais restrita. Então a política de imigração passou a ficar a encargo da polícia, quando surgiu a expressão “Polícia dos estrangeiros”, ou seja, uma proteção contra os problemas. O tempo mínimo para se naturalizar passou para seis anos na época. E manteve essa política defensiva até hoje. Depois passamos para os doze anos de estadia mínima. Assim somos hoje, juntamente com Andorra e outras pequenas nações, o país com as maiores barreiras para a naturalização.

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swissinfo.ch: A revisão da Lei de naturalização foi aprovada em 2014 pelo Parlamento suíço. Porém o país continua sendo um dos mais restritivos da Europa em relação à nacionalidade. Você concorda com essa política?

T.K.: A nossa opinião na Basileia é que essa política está ultrapassada. Nós temos, sim, uma política de Integração inovadora e proativa logo a partir do primeiro dia através da Lei de integração. Somos da opinião que as barreiras para a naturalização são muito elevadas e o processo muito complicado. Por isso devemos fazer o máximo possível para facilitar esse processo para os interessados.

swissinfo.ch: A maioria dos estrangeiros que vive na Suíça – um em quatro habitantes – nasceu e cresceu no país, mas não se naturalizou. Isso não é um risco para a representatividade da democracia?

T.K.: Nós discutimos isso. Uma democracia vive de uma ampla participação. Temos no cantão da Basileia-cidade 196 mil habitantes, dos quais 110 mil com direito de voto. Porém só a metade ou, em alguns casos, até menos pessoas votam em eleições e plebiscitos. Por isso não é raro que uma maioria de 27 mil eleitores decide para um cantão com 196 mil habitantes, ou seja, uma maioria de 10% da população que forma a maioria. Por isso discutimos muito a questão da naturalização. E eu, pessoalmente, defendo o direito de voto em nível comunal e cantonal também para os estrangeiros com o visto de residência, o que seria o caso para dois terços dos migrantes na Basileia-cidade.

swissinfo.ch: O que vem primeiro: integração ou naturalização?

T.K.: A afirmação de que uma coisa vem antes da outra é ideologia, pois essa resposta nunca estaria cem por cento correta. Antes da I. Guerra Mundial acreditava-se que a naturalização ajudaria na integração e hoje os nacionais-conservadores dizem que a naturalização só pode ocorrer no final da integração. Na realidade, existem pessoas que são muito interessadas e que já poderiam, pelas suas condições, cumprir todas as exigências. Mas eles também precisam esperar doze anos. E existem os casos de naturalização facilitada através dos parceiros suíços, em que as pessoas são naturalizadas, mas não estão integradas na realidade, dentre outros por não dominar a língua.

swissinfo.ch: Pouco antes das eleições, alguns parlamentares do Partido do Povo Suíço (SVP) se manifestaram contra a dupla-nacionalidade, argumentando que ela traz conflitos de lealdade para guardas-fronteiriços ou diplomatas. Você acredita nisso?

T.K.: Isso tem a ver com redescobertas dos mitos ligados à formação do nosso país, suas batalhas e conflitos. Essa discussão não tem nada a ver com a realidade. Nossos guardas-fronteiriços não têm problemas em ter duas nacionalidades. Eu conheço pessoalmente pessoas conservadoras com dois ou três passaportes. Porém a Suíça é exatamente contrária a esses mitos: ela é, sim, o país na Europa com a mais longa experiência em integração (IMPORTANTE) e um dos mais influenciados pela imigração. Desde a sua industrialização a partir de 1870 ela é um país de imigração. Há cem anos ela tinha tantos imigrantes como hoje. Todas as instituições mais importantes tinham imigrantes, como hoje também, especialmente na Basileia. É um país historicamente muito aberto.

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swissinfo.ch: Uma das exigências principais para a naturalização na Suíça é a integração. Em sua opinião, o que é um estrangeiro bem integrado? 

T.K.: A complexidade do processo de naturalização se explica pelo nosso sistema federativo. A naturalização passa pela comuna, cantão e finalmente pelo nível federal. Afinal, cada comuna tem a sua própria identidade. Existem aquelas que se identificam pelas suas associações. Isso explica porque um professor que sempre trabalhou em Zurique acaba não podendo se naturalizar na sua comuna, se nunca participou de nada nela. As exigências para a naturalização estão determinadas nas leis federais. Resumindo, o candidato deve conhecer o país, falar um idioma local, ter independência financeira e respeitar as leis.

swissinfo.ch: Uma característica da naturalização na Suíça é que ela ocorre em três níveis: o candidato precisa ser aprovado na comuna, cantão e em nível federal para se tornar suíço. Para diminuir os prazos considerado longos, não seria melhor simplificar esse processo?

T.K.: Não, não faria isso, pois essa é a estrutura do país. Eu não iria substituir o sistema de três níveis, mas sim apenas iria reduzir os prazos. Em minha opinião, em cinco anos o imigrante poderia pedir a naturalização, no mais tardar oito anos. O sistema de naturalização em três níveis é importante para que as diferenças entre as mais de duas mil comunas e dos 26 cantões existentes na Suíça seja vivida. Esse federalismo vem da nossa história e é a realidade do país. Para os migrantes isso é um sinal muito importante, o de dizer que não temos aqui um grande Estado em um governo distante. A construção da Suíça começa na própria comuna e não de cima. É preciso manter essa lógica.

Biografia

Nascido em 1959 em Meyriez, cantão de Friburgo

Estudou agronomia e abriu a própria empresa na área de projetos agrícolas e ajuda ao desenvolvimento.

De 1987 a 1991 foi membro do Parlamento cantonal de Zurique pelo Partido Verde.

De 1991 a 1998 foi delegatário para a questão de drogas no cantão Basileia-cidade. Nesse período desenvolveu o conceito dos quatro pilares – uma política em relação às drogas baseado na prevenção, repressão, terapia e ajuda ao desenvolvimento – que posteriormente foi aplicada em escala nacional e até hoje influencia a abordagem nacional com relação ao problema.

De 1998 a 2008 foi chefe do Gabinete da Integração de Estrangeiros. No posto, desenvolveu o modelo de integração da Basileia, cuja principal base é o “incentivar e cobrar desde o primeiro dia – compulsoriamente”, e que se tornou lei cantonal a partir de 2008.

Desde 2009 é chefe do Departamento de Desenvolvimento Urbano no mesmo cantão. 

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