Estratégias para lidar com a emoção e transformá-la em aliada
Se tem um sentimento que todo migrante vai ter ou já experimentou é a saudade. Pode ser de casa, de um cheiro, da família, de um som, não importa.
A emoção se faz democrática, não escolhe raça, cor, credo ou condição social. Traiçoeira, pode desencadear doenças nos mais suscetíveis e atrapalhar planos de carreira internacionais ou arruinar casamentos e famílias, separando casais que não vêm da mesma cidade. Vaidosa, quer ser encarada de frente, até mesmo celebrada, mas em nenhuma hipótese ignorada. Ciente dessas nuances e caprichos dessa velha e conhecida senhora, dá para enfrentar o desafio de mudar de país e amenizar o problema.
* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.
A melancolia por estar longe de casa é sorrateira; muitas vezes difícil de expressar e às vezes até mesmo de identificar. Estudo de Dieu Hack-Polay, intitulado A saudade e estratégias sobre como lidar com problema entre trabalhadores imigrantes e expatriados, publicado no Jornal Internacional de Psicologia, sugere que o sentimento mal trabalhado pode mudar o apetite, padrões de sono, náusea e até tontura, com capacidade até de desenvolver uma depressão. Em casos extremos, tem o potencial de desencadear ataques de pânico. Seus sintomas podem vir mascarados como problemas de concentração, desorientação, tristeza e recorrentes mudanças de humor.
Saudade da família ou de você mesmo?
A médica naturalista Patrícia Quito de Oliveira trata em seu consultório, em Zurique, inúmeros imigrantes, de variadas nacionalidades. A experiência nas consultas mostra que a saudade é uma reclamação constante e protagonista de muito sofrimento. Mal gerida alimenta a inércia e a insegurança, provocando um círculo vicioso. Muitas vezes, funciona como uma muleta para não encarar a nova realidade, levando os pensamentos do imigrante para o bem-estar confortável daquela vida antiga e do desconforto com o imprevisível.
“A saudade é também um sentimento nobre, bonito. Não deveria estar ligada somente ao aspecto negativo. Há que ter cuidado para não usar a emoção como subterfúgio de insegurança e desculpa para não agir”, enfatiza Patricia. Segundo a médica, os medos e a melancolia podem facilmente se tornar muleta para que o migrante permaneça na zona de conforto. O saudosismo exacerbado está ligado também à instabilidade e à insegurança que a vida em outro país ou em outro ambiente cultural traz.
De acordo com Patrícia, muito do que se chama saudade tem a ver com medo de encarar o novo, de se desfazer dos laços com o cômodo. “Recomeçar longe de casa e sem o apoio de sua rede de contatos é muito incômodo, difícil mesmo. Eu diria que o segredo é saber aceitar a sua escolha, que te levou a essa diferente caminhada, e se conscientizar das perdas e ganhos dessa opção”, explica. A incerteza faz parte da vida de um imigrante, porque deixar o país é reiniciar.
A vulnerabilidade gerada pelo processo de aculturação ainda tem o poder de maquiar a sensação, nomeando-a de saudade da vida antiga. Mas na verdade, muitos carregam o pesar de ter se perdido após ter emigrando. Na prática, é saudade delas mesmas, do que eram, e da insatisfação com o que ainda não se tornaram.
A falta do alguém ou de algo também tem um outro mérito. Segundo a médica naturalista, o vazio alerta para o valor das pessoas e até mesmo aproxima os familiares, que muitas vezes se falam com menos frequência quando vivem próximos.
Como amenizar a saudade:
• Converse com amigos, com um psicólogo ou com um coach intercultural sobre como se sente
• Mantenha contato com os que ficaram
• Encoraje a visita de amigos e familiares
• Aceite que sente saudades. É normal; pessoas precisam ter uma rede de contatos que dê suporte
• Seja realista sobre expectativas sobre a nova vida ou fase
• Conheça pessoas por meio de associações ou clubes de esportes
• Valorize os recém-adquiridos amigos e esteja aberto a esses novos conhecimentos
• Dê a si mesmo tempo para se adaptar; não seja tão duro consigo mesmo
• Escreva três novidades ou aspectos dos quais você deveria ser grato todas as noites e três pontos que se esteja esperando com ansiedade ou que queira vivenciar
• Dê-se crédito pelo que está fazendo, pelo que irá almejar ao sair de sua zona de conforto que era a sua casa. Principalmente porque saudade pode afetar a sua autoestima
• Permita-se gostar do novo lugar, mesmo que sinta falta do seu antigo lar
• Visitar a família ou telefonar frequentemente tem dois lados: pode ser bom ou ruim. Experimente para descobrir qual se encaixa melhor no seu perfil
• Cuide do seu bem-estar físico; não se negligencie. Isso significa dormir e comer bem, além de se exercitar
• Prepare-se antes de sair do país para os desafios que ser um estrangeiro
Fontes: Universidade de Warwick, Universidade de Cambridge
Típicos sintomas emocionais e físicos da saudade:
• Perda de concentração
• Choro e tristeza
• Dificuldades para dormir ou comer
• Ondas de emoção
• Ciclo menstrual interrompido
• Náusea, dores de cabeça ou tontura
• Tremedeira, sensação de calor ou frio
Fontes: Universidade de Warwick
Padrões de pensamento de quem sofre com a saudade:
• Eu sinto muita falta dos meus amigos
• Eu tenho que voltar para casa, ou pelo menos falar ao telefone ao máximo que eu puder
• Eu quero estar com a minha família
• Eu não estou conseguindo cuidar de mim
• Eu não sei quem eu sou aqui
• As pessoas desse lugar não gostam de mim
• Esse local é como uma prisão. Eu não pertenço a esse local
• Eu tenho vontade de chorar, especialmente quando estou só
• Todos parecem legais. Por que eu pareço o estranho fora do ninho?
Fontes: Universidade de Warwick
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.