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Carlo Chatrian é um intelectual de fronteira

Jornalista, crítico e programator, Carlo Chatrian foi nomeado diretor artístico do Festival do Filme de Locarno em setembro de 2012. Dia 7 de agosto começará seu palco na Piazza Grande. Keystone

Ama o cinema porque é uma máquina de sonhar. Loquaz, desenvolto e resoluto, Carlo Chatrian se apresenta ao abrir sua primeira edição do Festival do Filme de Locarno. Sem medo, mas com muita vontade de encontrar o público. swissinfo.ch o acompanhou em jornada ordinária de trabalho.

Tínhamos marcado encontro na frente de seu apartamento provisório, a poucos paços da Piazza Grande. Um apartamento anônimo, sem interesse, preciso comprar jornal, para disfarçar e sair. Onde dorme, trabalha até tarde da noite e substitui o frescor de sua casa, um vilarejo de montanha no Vale d’Aosta.

Pontual, às sete e meia em ponto ele chega ao portão. Nas costas uma mochila, na mão um saco de lixo. Pragmático, Carlo Chatrian não parece cuidar muito da etiqueta. Privelégio do artista ou do intelectual? É como a imprensa gosta de defini-lo: maneira franca de falar, formado em letras e filosofia e de estilo desenvolto. Ele sorri, um pouco encabulado:  “Deve ser os óculos … Até meus filhos me provocam…. E depois acrescenta, quase para se justificar: “Hoje, quarta-feira, vou jogar bola com uns amigos. Não é exatamente o que se considera uma atividade intelectual, não?”

Enquanto caminha a passos largos para seu escritório, confere minha intenção: “Passará meio-dia ao meu lado, certo? Mas não me fará perguntas o tempo todo …olha que tenho que trabalhar”, me diz em tom de brincadeira e ao mesmo tempo inquieto. Carlo Chatrian não tem tempo a perder e pegar na mão de todo mundo não é seu estilo. Hiperativo? “Só um pouco nervoso.”

O cinema, uma máquina para sonhar

Jornalista, crítico e programador, Carlo Chatrian foi nomeado diretor artístico do festival do filme em setembro de 2012, depois da demissão surpresa de Olivier Père. Para ele, todavia, não é algo novo. Chatrian, 42 anos, chegou a Locarno em 2002. De 2006 a 2009 fez parte do comitê de seleção e foi curador das retrospectivas nos últimos anos.

Sua paixão pelo cinema vem dos tempos da Universidade. Pequeno ele via filmes na televisão, como todo mundo. No primeiro ano de estudos em Turim foi marcado por “Hiroshima, mon amour”.  Um filme que define como “inquietante” e que lhe abriu os olhos.

“Para mim o cinema è uma máquina para sonhar. Por vezes esses sonhos são muito próximos da realidade, outras vezes menos. Pode ser uma chave para compreendermos quem somos ou simples divagações sem sentido. É isso que me fascina. “

Impossível saber mais. Os filmes que o emocionaram são vários, sublinha. Haveria uma gênero que o agrada particularmente, que prefere. Ele esboça um sorriso. Pergunta errada: “Não sei porque os jornalistas insistem nisso. Eu cresci numa época em que o conceito estanque de gênero cinematográfico deixou de existir. Para mim a cinefilia – termo que certamente fará sorrir muita gente – tem essa capacidade de ultrapassar gêneros.” E seu festival é um pouco isso: entre passado e presente,  entre gênero, entre línguas e culturas. Não é por acaso que foi definido “de fronteira.”

Concurso internacional: Concorrendo ao Pardo de ouro estão 20 filmes, dos quais 18 em primeira mundial.

Três filmes suíços: “Mary, queen of Scots”, de Thomas Imbach; “Tableau noir”, de Yves Yersin (documentário); “Sangue”, do diretor italiano Pippo Delbono (coprodução RSI).

Piazza Grande: 16 filmes apresenados, dios quais duas coproduções suíças. Jean-Stéphane Bron porta de Locarno ,o documentário “L’expérience Blocher”, enquanto Lionel Baier presenta “Les Grandes Ondes (à l’ouest)”.

Note-se a volta de filme italiano na Piazza: “La variabile umana”, de Bruno Oliviero.

O Pardo de honra este ano vai o diretor alemão  Werner Herzog, e a retrospectiva é dedicada ao cinema de George Cukor (1899-1983).

Tapete vermelho: Christopher Lee, Victoria Abril, Anna Karina, Sergio Castellitto, Otar Iosseliani, Jacqueline Bisset, Faye Dunaway e tantos outros.

Pequenos dtalhes a cuidar

Quando o encontro, uma quinta-feira do final de julho, faltam poucos dias para sua estreia na Piazza Grande. O programa já foi apresentado, a crítica parece entusiasta. Mas é fato, faltam ainda alguns nomes, uma surpresa, e pequenos detalhes preciosos a cuidar.

Vamos supor que falta menos de uma hora para terminar seu artigo de apresentação dos filmes e diretores: Werner Herzog, Christopher Lee, Sergio Castellitto, Anna Karina… “Às vezes eu escrevo espontaneamente, mas geralmente preciso de calma para ordenar meus pensamentos. E eu tenho que tentar conter essa tendência de abstrair, teorizar.”

Aproveito para observar o entorno: Um pequeno divã, dois pôsters do festival na parede, alguns livros dispersos. “São todos de meu predecessor, os meus continuam em casa”.  divanetto, due poster del festival alle pareti, una libreria con qualche volume sparso. «Sono tutti dei miei predecessori, i miei sono rimasti a casa». Ordeiro, sem ser acético.   

As nove horas começam os compromissos: prova do catálogo para corrigir, revista do festival para paginar e agenda continua com entrevistas, coquetel de apresentação, animação do festival, encontro com diretores, atores e público. Seu olhar se move preocupado de um ponto a outro: documentos, computador, telefone, agenda.

Seus colaboradores vão e vêm. O ambiente é quente, o tom direto do que quer e não tem medo de dizê-lo.  Eu costumo dizer as coisas abertamente, mas acho que não sou um tirano. Apenas tenho que solicitar meus colaboradores.”

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Preparando a toca do leopardo

Este conteúdo foi publicado em Inicialmente recebida com algumas reservas, a ideia de levar o festival para a Piazza Grande veio em 1971, 25 anos após o nascimento do festival. Hoje, a imensa tela de 26 metros de comprimento e 14 de altura é um dos símbolos de Locarno, na Suíça italiana. Sua instalação exige um trabalho à altura: um…

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Esperando o grande dia

Por coincidência, naquele dia a Mostra de Cinema de Veneza apresentou seu programa. Um momento imprescindível para Carlo Chatrian: “Ah.. muitos desses filmes eu ainda não vi” diz em um sussurro.

Você deixou escapar alguns?  “Um par de títulos eu gostaria de ter em Locarno, mas são as regras do jogo. As pessoas que trabalham em festivais, no entanto, talvez sejam mais cúmplices do que concorrentes. Cultivamos todos a paixão pelo cinema e, às vezes, trocamos informações preciosas. A concorrência existe, mas é salutar.”

No último ano, Carlo Chatrian correu o mundo e viu cerca de mil filmes para formar sua programação. Uma linha clara? “Provavelmente a questão da família e da identidade, talvez também a memória.” Para sua primeira edição, que quis fazer revolução. “Desde 2001, o festival teve quatro diretores artísticos e agora precisa sobretudo de continuidade. Pode ser que o público e a crítica digam que deste modo não coloco minha marca no festival. O programa é suscetível de agradar a todos”.  Mas ele quer sublinhar: “Considero um diretor de festival que coloca em destaque os filmes e não a si mesmo.”

A espera-lo no palco da Piazza Grand, quarta-feira,  7 de agosto, estarão quase 8 mil espectadores. Sem medo, porém assegura: “Por que teria medo?  Não quero parecer um bufão, trabalhamos duro durante um ano inteiro para chegar enfim aqui. No máximo é um pouco de tensão …  e sobretudo muita vontade de encontrar nosso público.”

Jornalista, autor e programador, Carlo Chatrian nasceu em Turim a 9 de dezembro de 1971 e é formado em letras e filosofia, com especialização em jornalismo e comunicação.

Escreveu numerosos ensaios e monografias sobre cinema em geral e cineastas como Errol Morris, Wong Kar Wai, Johan Van Der Keuken, Frederick Wiseman, Maurizio Nichetti e Nicolas Philibert.

Vice-diretor da Alba Filme Festival de 2001 a 2007, foi membro do comitê de seleção do Festival de Florença e do Festival Visões do Real de Nyon.  Também colaborou com diversos institutos e festivais como o Cinema do Real de Paris, o Museu Nacional do Cinema de Turim e o Courmayeur Noir in festival della Valle d’Aosta.

Carlo Chatrian começou a trabalhar no Festival do filme de  Locarno em 2002.

De 2006 a 2009, fez parte do comitê de seleção e nos últimos cinco ano foi curador da sessão retrospectiva (Nanni Moretti, Manga Impact, Ernst Lubitsch, Vincente Minnelli, Otto Preminger).

Carlo Chatrian foi ainda consultor da Cinemateca Suíça de Lausanne (oeste), mandado que teve de abandonar depois da nomeação como diretor artístico do Festival do Filme de Locarno, em setembro de 2012

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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