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Paulo Tiefenthaler: quando o Reno deságua em Copacabana

Paulo
Paulo Tiefenthaler em passeio à terra natal Cortesia

Encontrei Paulo Tiefenthaler em um fim de tarde de abril, no Caranguejo, tradicional restaurante de frutos do mar de Copacabana, na zona sul carioca. “Este é o bairro mais cosmopolita do Brasil”. 

Lá, onde mora e passou a infância, o ator suíço-brasileiro sente-se em casa. Vencedor do Kikito de Melhor Ator de 2016, um dos principais prêmios do cinema brasileiro, por sua atuação na comédia “O Roubo da Taça”, Tiefenthaler – o “sujeito do vale profundo”, como ele traduz, do alemão, seu nome – é um artista multifacetado. Prestes a completar 50 anos (em junho), já atuou em teatro, TV, cinema, no jornalismo, como fotógrafo e documentarista. Nesta entrevista à swissinfo.ch – regada a chopps e pastéis – falou de seus projetos atuais e, claro, de suas heranças suíças.

swissinfo.ch: Você pode contar um pouco sobre seus planos para este ano?

Paulo Tiefenthaler: Estou montando equipe para uma série nova no Canal Brasil. Será uma série de ficção de comédia dramática. Faço o protagonista e a direção geral, mas não vou dirigir todos os episódios. Serão 13 episódios de 25 minutos. Neste ano de 2018 vou praticamente trabalhar a maior parte do tempo nisso. Será minha primeira direção.

swissinfo.ch: Como é exatamente uma comédia dramática?

P.T.: É uma comédia, mas que tem muita cena dramática. Não é aquela comédia pura, onde você cria uma piada atrás da outra. Há momentos engraçados e dramáticos. Ou seja, como a vida é. Gosto de trabalhar neste gênero que mistura a comédia com o drama.

swissinfo.ch: Você passou a ser conhecido do grande público a partir de 2008, quando apresentou um programa bem engraçado de culinária, o Larica Total, também pelo Canal Brasil, e que viralizou nas redes. Na verdade, uma paródia de programas de culinária, onde a cozinha era bagunçada e o fogão parecia sujo. De onde veio esta relação com a comida?

P.T.: Veio com o Larica TotalLink externo, na verdade. Mas antes disso, em 2004, eu já tinha um projeto com outra atriz de fazer um programa no Youtube que seria ‘Os terroristas da cozinha’.

swissinfo.ch: Terroristas da cozinha?

P.T.: A gente entrava na cozinha carregado de balas e armas, planejando matar quem a gente odiava. Uma piada, é claro. No final ninguém matava ninguém, saia uma pizza e o casal ia para a cama (risos). Isto porque a gente queria criar um canal no Youtube, que, naquela época (2004), era uma novidade. Acabou não rolando porque ela foi fazer uma novela e eu fui trabalhar em outra história.

swissinfo.ch: Você tem um perfil bastante eclético, não?

P.T.: Tudo na área de comunicação. Estudei jornalismo e teatro. Fiz um curso de Filosofia, mas não completei. Sou fotógrafo também. Com 13 ou 14 anos eu já fazia laboratório fotográfico, na escola suíça do Rio de Janeiro, onde estudei. No cinema sou autodidata. Sou engraçado, sou ator. Uma mistureba mesmo (risos). Então tenho que fazer isso existir em plena potência.

swissinfo.ch: Em uma entrevista você disse o seguinte: “Tenho um lado muito organizado, metódico mesmo, e outro que gosta de ver o circo pegar fogo. Suíça e Copacabana juntos”. Como é este encontro Suíça-Copacabana?

P.T.: Suíça e Copacabana estão dentro de mim. Está no meu pai, que já se foi. Meu pai era muito suíço-copacabana. Minha mãe era brasileira aqui da cidade de Teresópolis (RJ), da serra, filha de uma portuguesa e de um brasileiro. Meu pai era um Tiefenthaler, nascido na Suíça, filho de um suíço. Ele chegou ao Brasil com 13 anos e morreu aos 60.

Abertura da Mostra de Cinema Brasileiro em Pequim
O rosto de Tiefenthaler invade os monitores durante a abertura da Mostra de Cinema Brasileiro em Pequim, China, antes da exibição de “O Roubo da Taça” Paulo Tiefenthaler

swissinfo.ch: Mas você nasceu na Suíça.

P.T.: Nasci em Chur (comuna de 32 mil habitantes, capital do cantão dos Grisões). Porque ele estava viajando com minha mãe, naquele momento já bastante grávida. Com duas ou três semanas de vida vim para o Rio, num avião DC-8 da Swissair.

swissinfo.ch: Você voltou a Chur?

P.T.: Voltei. A última vez foi em 2012, no meu aniversário, quando o Larica Total estava bombando. Eu vinha de 3 anos de muita roda viva,  fazendo muito sucesso. Tinha muita energia em cima. Aí uma amiga fez um mapa astral e falou assim: olha, tem muito a ver você passar o seu aniversário onde você nasceu, onde tudo começou. Duas semanas depois, peguei o avião e fui. Cheguei a Chur no dia 25 de junho, jantei no hotel sozinho numa varanda olhando para os Alpes. Tinha uma lua, comi um cordeiro, dormi, acordei, tomei café, andei pela cidade, estava chovendo, fui no hospital onde nasci, que não existe mais. No mesmo local construíram um mega hospital moderno. Só o nome não mudou. Entrei no hospital, fui na cafeteria, comi um quindim (rindo), depois andei até a estação e peguei o trem de volta para Zurique. Disse: missão cumprida. Mas foi duro. Muita emoção.

swissinfo.ch: Você tem família na Suíça, ainda?

Meu avô era de Zurique. Tenho primos lá, mas meu pai não manteve este contato. Meu avô, Tiefenthaler, era um construtor de casas. Tinha dinheiro, era um cara rico. Aí veio a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Europa estava em crise total e atingiu a Suíça também. O país não entrou na guerra, mas foi economicamente atingido. E para ele ficou ruim também. Foi quando minha avó disse: vamos para o Brasil… Aí uns 6 anos atrás eu entrei na internet, digitei o domínio tiefenthaler.com, e apareceu o quê? Tiefenthaler.com é uma empresa de construção de casas nos Estados Unidos! Fui ver os sócios, são todos louros com cara de suíços!

swissinfo.ch: Tem a ver com sua família?

P.T.: Você imagina eu ligar para eles e dizer assim: olha sou o Tiefenthaler da América do Sul! (risos) Vão achar que eu vou querer roubar o dinheiro deles! (risos)

swissinfo.ch: Existe o humor britânico, o humor judaico. Tem um humor suíço na sua visão?

P.T.: Tem. Ele é muito…. difícil. As piadas são muito internas. Piada com coisas da Suíça, então, quem não é suíço não entende o humor. É igual ao americano. Às vezes vejo shows de stand up de comediantes americanos, e mesmo com legenda, só rio a metade do que os americanos riem. O humor é muito local, embora tenha aqueles de alto nível, muito inteligentes, anárquicos. Os ingleses, por exemplo, o Monty Python influenciou muita gente no mundo inteiro. A cultura inglesa está muito pulverizada em tudo. É mais fácil entrar no humor inglês do que no francês ou no suíço. O humor suíço é meio bobo.

swissinfo.ch: Por quê?

P.T.: Porque os problemas deles são outros. Tem uma regra do humor que ouvi de um famoso comediante inglês: para você fazer comédia você tem que odiar. Quando você parar de odiar, você vai fazer outra coisa (risos). Por exemplo, odiar o (Donald) Trump. Você vai fazer uma piada maravilhosa. Se você ama o Trump, você não consegue sacanear ele. Ele tem que ser um escroto, aí você começa a fazer piada!

swissinfo.ch: Os suíços odeiam pouco?

P.T.: Não é isso, é que eles tem os problemas deles lá, que são muito diferentes dos nossos. A gente está para resolver outras coisas. Então nosso humor é muito em cima dos problemas que a gente já tem, da política que a gente tem. É outro humor. Os suíços são todos uns vaqueiros!

swissinfo.ch: Quando você desembarca em Zurique vindo do Rio, ou vice-versa, rola um choque cultural?

P.T.: Rola. Parece que você pousou em outro planeta. A gente no Brasil está anestesiado com a situação geral. Criança sem escola e sem casa, tendo que vender chiclete na rua com 7 anos de idade. Tem que olhar mais para o social.

swissinfo.ch: Este ano estão previstas eleições no Brasil para Presidente. O voto é obrigatório, mas se fosse facultativo, você votaria?

P.T.: Eu votaria. Porque depois eu não posso reclamar (risos). Se votei, isto me faz um cidadão que participa da escolha do grupo, aquele que ganhar as eleições presidenciais, que vai nos levar, com novas leis, com a política econômica, a administração da segurança da cidade. Quero ajudar a eleger o melhor grupo.

Selfie de Tiefenthaler em bar de Zurique
Em casa na Suíça: selfie em banheiro de bar de Zurique Paulo Tiefenthaler

swissinfo.ch: Você está no Facebook e tem mais de 10 mil seguidores no Instagram. Como lidar com as redes de modo saudável?

P.T.: Você aprende. Estou no Facebook há 11 anos. Quando o programa (Larica Total) estourou (em 2008), comecei a aceitar muita gente. Fiquei meio deslumbrado, nunca tinha vivido o sucesso público. Comecei a receber milhares de solicitações de amizade e confirmar todo mundo. Hoje estou mais ‘safo’, como se diz. Se posto a foto da minha sobrinha na Áustria eu sei que muita gente vai ver isso, eu seguro essa onda.

swissinfo.ch: Você completa em breve 50 anos. Sente algo de diferente?

P.T.: Estou sentindo, sim. Agora é uma hora de agitar tudo que não fiz na minha vida. Tudo que não foi feito, que comecei a realizar e não terminei. Os últimos 10 anos passaram muito rápido. É muita coisa para contar. Nem sei como você vai editar isso!

 

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