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Peregrinos à procura de nova espiritualidade

Percorrer o Caminho de Santiago é, muitas vezes, uma atividade de grupo.

A peregrinação a lugares sagrados faz parte há séculos da vida cristã. Depois da tradição ter caido em desuso nos últimos anos, ela agora desfruta um renascimento na Suíça.

Esqueça os bastões de madeira e os pés cheios de calos. Hoje em dia, muitos dos romeiros preferem chegar aos destinos de carro. Embora alguns queiram experiências espirituais, elas não são necessariamente a procura de Deus.

Uns acham que ela é uma boa chance de limpar as cabeças e acabar com o estresse. Outros consideram a caminhada um teste de resistência física ou uma forma de turismo cultural.

Se eles o que eles estão fazendo é bom para suas almas ou para seus corpos, não importa. A questão é que um número cada vez maior de pessoas está aderindo às modernas formas de peregrinação.

Judith Könemann, diretora do Instituto Sociológico Pastoral da Igreja Católica na Suíça, fala de “um verdadeiro renascimento” das romarias na Europa, em geral. O fenômeno coincide com as comemorações do 150° aniversário da aparição da Virgem Maria em um dos mais conhecidos centros romeiros do mundo, o Santuário de Lourdes, na França.

Mesmo admitindo não ter os números oficiais, Könemann não tem dúvida que os centros espirituais da Suíça estão recebendo cada vez mais visitantes.

“O que podemos dizer é que alguns lugares estão realmente na moda como Santiago de Compostela, na Espanha. Porém lembro que uma parte do Caminho de Santiago atravessa a Suíça”, explica.

Segundo o centro de acolhimento de romeiros, 2.491 pessoas completaram uma das rotas através dos próprios esforços em 1985. Vinte anos depois, esse número aumentou para 93.924.

Grutas e falésias

Uma fascinação pela diversidade dos centros romeiros do país levou o etnólogo Paul Hugger a realizar uma pesquisa sobre o fenômeno da peregrinação na Suíça. O resultado surgiu em forma do livro “Wallfahrtsorte der Schweiz” (Centros Romeiros da Suíça), uma obra ricamente ilustrada e que documenta suas jornadas a alguns dos mais escondidos e desconhecidos lugares (ver a galeria de fotos à direita).

“Existem centros de romaria no topo de montanhas, mas também em desfiladeiros. Existem também as grutas, pequenas capelas e grandes igrejas. E também as maneiras como as pessoas viajam pode ser completamente diferente um das outras”, afirma Hugger.

Ele ainda conta que os centros romeiros mais importantes na Suíça são populares entre os turistas graças a sua arquitetura barroca – o Mosteiro de Einsiedeln – sua beleza natural – a Madonna dell Sasso em cima de uma ponta de pedra acima de Locarno – ou sua ligação com a identidade suíça – Flüeli Ranft, dedicado ao santo nacional da Suíça, o Irmão Klaus.

Porém muitos dos outros centros estão fora do circuito turístico. Alguns, como a Notre Dame du Scex, que está fixada na montanha acima da cidade de St. Maurice, são praticamente inacessíveis a quem não for bastante dedicado e estiver em forma. Os que se esforçam para subir os 500 degraus até a capela, o fazem por necessidade particular como pagar uma promessa.

Além disso, ainda existe o centro de Ziteil, que está a 2.433 metros acima do nível do mar e é o segundo lugar sagrado mais importante da Suíça depois do Grande São Bernardo. “Não é possível ir para lá de carro. É preciso caminhar”, revela Hugger. “Esse é o tipo de peregrinação, onde as pessoas sentem que fizeram um grande esforço físico e que irão receber dessa forma o que pediram durante a reza”.

“O teste de resistência, como completar o Caminho de Santiago, é originário do tempo onde as peregrinações eram vistas como uma forma de penitência”, justifica.

Outros extremos são os santuários dedicados à Virgem Maria em cavernas como a gruta de Sainte Colombe, na região do Jura (oeste da Suíça), que pode ser acessada através de um desfiladeiro cercado de florestas. “Grutas também são bem atraentes. Onde existe água, especialmente quando ela sai da terra como fonte, os fiéis tem a sensação que ela é sagrada”, adiciona Hugger.

Peregrinações do século XXI

Uma tendência recente percebida por ele é que a peregrinações não é mais um privilégio reservado aos católicos.

“O que acontece agora, como é o caso da Igreja Protestante, é que pastores individuais organizam peregrinações. Trata-se sobretudo de meditação e não uma cópia do que os católicos fazem”.

Theo Bächtold é pastor na Igreja de St. Jakob em Zurique, onde ele mantém também o Centro de Peregrinação, que fornece informação e conselhos para os andarilhos. Em primeiro lugar ele completou mais de dois mil quilômetros até Santiago em 1991 e acabou se contagiando pela paixão. Hoje o religioso organiza cerca de dez peregrinações por ano através de percursos do Caminho de Santiago.

Para Bächtold, o interesse de conhecer a antiga rota de peregrinos está “definitivamente” crescendo. “Nosso centro serve como um exemplo. Cinco anos atrás, nós oferecíamos dois passeios por ano. Hoje já temos dez. E existem várias outras comunidades religiosas que estão organizando o mesmo tipo de programa”.

Questionado sobre a atratividade dos passeios, o pastor protestante explica que é algo que envolve o corpo, a cabeça e o espírito. “É a plenitude que fascina as pessoas. Você caminha, mas você tem experiências espirituais ao longo do trajeto. Você vive uma comunhão com os outros.”

Porém não é todo mundo que está à procura de companheirismo. Hugger acredita que muitos dos participantes vêem as caminhadas como “uma espécie de processo de auto-cura, uma forma de medicina gratuita para o corpo e a alma”.

Ele acredita que se a peregrinação não tivesse nenhuma utilidade, o fenômeno já teria desaparecido há muito tempo. De qualquer maneira, é impossível de provar que há benefícios.

“É uma experiência individual e como se aprofunda na psique humana, ela não pode ser explicada racionalmente. Por outro lado, eu acredito que é um importante fenômeno para a saúde da sociedade”.

“O fato é que as pessoas voltam de uma peregrinação sentindo-se mais fortes”.

swissinfo, Morven McLean

O Santuário de Lourdes, localizado no departamento francês dos Altos Pirineus, celebra este ano o 150° aniversário da “Aparição da Virgem Maria” como documentado por Bernadette Soubirous. Quando ela tinha apenas 14 anos, em 1858, a filha de um pobre moleiro estava colhendo madeira de fogo próximo a um riacho quando teve a primeira visão. No total, a Virgem Maria teria aparecido para ela 18 vezes. Na 13a aparição, ela teria pedido a Bernadette que construíssem uma capela no mesmo lugar. Apenas na 16a aparição ela finalmente revelou seu nome como a “Imaculada Conceição”.

No dia 18 de janeiro de 1862, o Monsenhor Bertrand Sévère Laurence, Bispo de Tarbes, reconheceu oficialmente em nome da Igreja Católica a realidade do fato das aparições. O primeiro milagre relacionado com a fonte em Lourdes foi documentado em 1858, o ano das aparições. O número de milagres oficialmente reconhecidos totaliza 67. Aproximadamente 200 milhões de pessoas já visitaram o santuário desde 1860.

O santuário recebe normalmente até seis milhões de pessoas por ano. Graças às comemorações de aniversário em 2008, o número de visitantes esperados é de mais de oito milhões. Somente no início de abril, pouco mais de 2.500 suíços estiveram em Lourdes.

Santiago de Compostela é o terceiro lugar mais importante para a peregrinação cristã depois de Roma e Jerusalém. Reputa-se que sua catedral abrigue os restos mortais do Apóstolo Santiago. Muitos são os que crêem que Santiago tenha visitado a província romana da Hispania, e pregado a doutrina cristã, antes de regressar à Judéia e ser martirizado. Suas relíquias foram aparentemente redescobertas no século IX e levadas para Santiago, aonde desde então peregrinos de todas as partes do mundo vão para venerá-lo.

Existem várias rotas para Santiago, todas elas fazendo parte do chamado “Caminho de Santiago”. O declínio do interesse na peregrinação foi revertido no final do século passado, quando o Conselho da Europa declarou-o a primeira “Rota Cultural Européia” em 1987.

Em 1985/1986, segundo o centro de romeiros, 2.491 pessoas completaram uma das rotas por seus próprios esforços. Em 2005, esse número aumentou para 93.924.

Em março de 2008, 5.327 pessoas haviam sido recebidas pelo centro de romeiros, em comparação com 1.680 no mesmo mês em 2007. Destes, 87.66% vieram à pé, 11.62% de bicicleta, 0.69% de cavalo e 0.02% por cadeira de rodas.

O mosteiro beneditino e capela dedicada à Virgem Maria foram fundados em 934 no lugar de um eremitério. A capela da Virgem em mármore preto se tornou em um importante lugar de peregrinação no século XIV. O complexo do mosteiro foi expandido posteriormente graças à adição de uma biblioteca barroca e uma escola religiosa.

Depois de um declínio detectado nos anos 70 e 80, as romarias para o mosteiro de Einsiedeln mantiveram-se em nível constante. Em 2007, cerca de 100 mil pessoas visitaram o mosteiro em grupos organizados e 100 mil e assistiram seus serviços. Ao mesmo tempo, 200 mil foram contabilizados como visitantes individuais, o que aumenta o número total para 400 mil.

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