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Planetário de Milão existe há 80 anos graças a um suíço

Entrada do Planetário de Milão, hoje swissinfo.ch

O templo milanês dos astros e estrelas completa 80 anos de existência. Ele foi obra de um visionáio suíço, Ulrico Hoepli(1847-1935), imigrante e editor que de sucesso, em Milão.

O planetário da cidade foi um presente que caiu do céu para os italianos no norte do País. Roma tinha inaugurado o primeiro na Itália, dois anos antes, em 1928.

A vizinhança com o Observatório Astronômico de Brera e a amizade de Ulrico Hoepli com o diretor do instituto, Giovanni Virginio Schiaparelli, confluíram para abrir o caminho da criação do Planetário.

Ulrico Hoepli era fascinado pelo mundo da ciência. O suíço de nascimento, originário de Tuttwil, no cantão de Thurgau (nordeste), mas milanês de adoção, tinha se transformado num editor de referência nacional para a publicação de manuais e livros de temas técnicos e acadêmicos de interesse científico. Os volumes da editora Hoepli, até hoje uma das maiores da Europa, marcaram as gerações de leitores das décadas de 1920 a 1940.
Eles serviram de guia para os iniciantes que davam os primeiros passos na moderna astronomia. Várias obras do astrônomo Giovanni Virginio Schiaparelli foram publicadas por Ulrico Hoepli e tiveram grande sucesso editorial. Ao final da vida – pouco menos de cinco anos antes de morrer – o suíço resolveu doar o Planetário, como homenagem. A divulgação científica se alargava, ainda que ninguém sonhasse em conquistar a Lua, e o mecenas suíço decidiu concretizar o desejo de devolver à cidade um pouco do que ganhou como editor.

“Eu nasci oito meses depois da morte de Ulrico, mas cresci ouvindo em família que, por causa do nosso patriarca, todos tinham que trabalhar por Milão, em sinal da sua eterna gradidão”, conta Ulrico Carlo Hoepli, presidente da editora Hoepli, à swissinfo.ch. “Venho aqui desde criança, é uma casa para mim, e agora eu trago os meus netos. As estrelas indicam sempre o caminho para seguir em frente, a esperança , a luz”, acrescenta ele, pouco antes de entrar na sala principal.

Tecnologia e guerra

Naquele época, a aviação dava passos de gigante e o céu ficava cada vez mais “perto”. Milão tinha um pequeno aeroporto na Praça Olvidio – hoje, periferia habitada – e, ao lado dele, instalaram-se dezenas de fábricas de material aeronáutico. A vocação da cidade rumo a tecnologia de ponta era pública e tangível. Industrial por natureza, Milão crescia rapidamente e, junto com ela, as empresas, principalmente as do setor siderúrgico e têxtil. A poluição ambiental, as luzes da cidade e a névoa perene da planície milanesa impediam a visão do céu estrelado.

Os planetários, como aparelhos de projeção e reprodução dos fenômenos astronômicos – eclipses, rotação e translação dos planetas e as estações – estavam na moda, principalmente durante os anos 1920, na Alemanha do pós-guerra. O aparelho, um Zeiss, modelo II, foi a última “doação” do governo germânico a um país estrangeiro por conta do Tratado de Versalhes, como forma de ressarcimento dos danos provocados pela guerra.

Como efeito colateral da Primeira Grande Guerra, o presente não poderia ser melhor, para ambos os lados. A Itália dotava-se de um aparelho moderno, preciso e de última geração. A Alemanha saldava os débitos de guerra e, por tabela, fazia publicidade da sua indústria de ponta, com a Carl Zeiss como garoto-propaganda.

Desde o começo, a idéia era oferecer ao milanês não apenas uma programação científica, mas principalmente cultural. Por isso, além de projetar na cúpula do Planetário Hoepli o mundo das estrelas, contava-se, sobretudo, com as conferências de pesquisadores e cientistas. Com uma linguagem acessível e pouco acadêmica, elas atraíam um público variado, ávido por novidades. Os dois primeiros anos de vida do Planetário foram um sucesso: 109 conferências, com 23.508 espectadores, no ano de estréia, e o dobro de ouvintes em 305 palestras, no segundo ano. Quando o Planetário estava para fazer parte da vida do milanês estourou a Segunda Guerra Mundial e quase tudo foi, literalmente, para o espaço.

Durante o bombardeio de Milão, em agosto de 1943, o Planetário foi parciamente destruído por uma bomba incendiária. O aparelho salvou-se porque o porteiro do edifício, Aldo Venturi, ao perceber para que lado sopravam os ventos da guerra decidiu, por conta própria e, sem consultar os superiores, desmontar clandestinamente o modelo II da Zeiss e escondê-lo num local seguro, distante dos alvos chamados de sensíveis como as fábricas de armamentos. E tudo isso foi feito sob as barbas dos nazistas, com uma base montada a poucos metros do Planetário.

Por quase uma década, o velho Zeiss ficou guardado dentro de uma igreja do manicômio de Limbiate, nos arredores de Milão. Ao fim da guerra, a prioridade era a reconstrução das casas e da infraestrutura. O Planetário Hoepli seria reaberto, em condições precárias, apenas em 1949, num grande esforço da cidade em retomar a vida normal. Mas ele era mais usado por casais de namorados em busca de um lugar escuro do que por pessoas interessadas nas constelaçãoes.

Projeto original e reformas

O Planetário passaria por uma reforma entre os anos de 1954 e 1956, a primeira de uma série. A última ocorreria entre os anos de 1978 e 1980. Mas todas elas foram fiéis e respeitaram o projeto do arquiteto italiano Piero Portaluppi (1888-1967). O primeiro desafio era encontrar um local adequado para a instalação do Planetário. A opção foi um terreno no jardim de Parco Venezia, bem no centro da cidade e ao lado do Museu de História Natural. Já naquela época, encontrar uma área livre era difícil. A cessão de um espaço público, cercado de frondosas árvores, resolveu o problema.

Os prédios vizinhos, em estilo neoclássico ou liberty, orientaram o projeto de Piero Portaluppi. Ele optou por um discreto templo, com colunas gregas e capitéis, pequenas escadarias e uma planta octagonal. Em cada uma das oito pontas havia, como existe ainda hoje, uma porta de acesso. As fachadas são cobertas de estrelas em alto relevo.

A cúpula de aço, uma semiesfera, foi pintada de verde para combinar com as copas das árvores. Já naqueles anos o Planetário era considerado um oásis de paz e tranquilidade no meio de uma cidade com ritmo de vida frenético, hoje, estressado. “ Ainda é assim hoje. As pessoas quando entram aqui se acalmam e quando saem, nos agradecem pelo espetáculo, como se caminhassem nas nuvens”, conta a porteira Caterina Napolitano, dez anos cuidando do Planetário, à swissinfo.ch.

Lá dentro o ambiente é de ficção científica. Como no tempo de Ulrico Hoepli, as dimensões são as mesmas, assim como as cadeiras de madeira Thonet, antigas, belas e resistentes. O revestimento interno da cúpula, antes de tela, agora é de alumínio e mantém o recorte do horizonte de Milão, a 360 graus. O skyline da cidade mudou pouco desde a inauguração, como atestam as fotos da época.

Olhos para o céu

O Planetário Hoepli voltaria a “decolar” em meados dos anos 60 quando a corrida rumo à Lua movimentou a opinião pública em todo o mundo. Pouco antes da nave americana Apollo 11 tocar o solo lunar, o modelo Zeiss II foi substituído por uma versão mais moderna, o Zeiss IV, que até hoje aproxima o homem do universo em Milão.

O velho instrumento foi devolvido à fábrica e do original, doado por Ulrico Hoepli, nunca mais soube-se o destino. Suspeita-se que tenha sido desmontado e as peças usadas como sobressalentes de outras avariadas. Instrumento de estudos do cosmos, mantido com extremo cuidado e manutenção, ele não resiste à passagem do anos. “Um planetário novo custa cerca de seis milhões de euros. As instituições públicas passam por dificuldades. Seria interessante que a iniciativa privada ajudasse. Um novo Hoepli seria o ideal, um sinal de continuidade, alguém que quisesse continuar entre as estrelas dando-as de presente para a cidade”, diz o diretor científico do Planetário de Milão, Fabio Peri, à swissinfo.ch.

Mais do que uma janela artificial para o infinito, o Planetário é uma espécie de máquina do tempo, capaz de simular a viagem dos espectadores milênios de anos atrás para “ver” o que os antigos viam e anotar a posição dos astros e estrelas durante um determinado fenômeno. Reproduzindo a localização das constelações e planetas, o planetário “revela” um pouco da história do universo. E com a tecnologia à disposição, todos os pobres mortais, sentados nas velhas cadeiras Thonet, podem se sentir um pouco como os heróicos astronautas que viram de perto. “Quando as luzes se apagam devagarzinho e o céu estrelado, invisível nas grandes cidades, surge aos poucos no alto, todos os espectadores, crianças e adultos ficam maravilhados, com lágrimas nos olhos”, conta o diretor Fabio Peri.

Guilherme Aquino, swissinfo.ch, Milão

Ulrico Hoepli abriu sua editora em 1870, em Milão. E até hoje ela é propriedade da família.

O jovem Ulrico Hoepli começou a aprender a profissão aos 15 anos de idade, em Zurique. Depois, em outras cidades, continuou o seu aperfeiçoamento: Magonza, Trieste, Breslavia e Cairo.

O primeiro livro editado foi uma gramática francesa.

O italiano Giuseppe Colombo, importante teórico da industrialização milanesa, abriu as portas para Ulrico Hoepli ao ter publicado pelo editor suíço o seu Manual de Engenharia, em 1877, grande sucesso, ainda hoje. A editora se transformaria em ponto de referência educacional em todo o Reino de Itália.

“Para a generosa Milão, minha pátria de adoção, eu doo, com alma e gratidão, o Planetário”. Foram estas as palavras de Ulrico Hoepli no dia da abertura, em 20 de maio de 1930.

Desde então, seis milhões de pessoas já visitaram o Planetário de Milão.

A inauguração do Planetário Hoepli, em Milão, teve a presença de Benito Mussolini. A abertura do Planetário de Roma, dois anos antes, serviu de incentivo para Ulrico Hoepli desenvolver a ideia.

Entre os anos de 1926 e 1928, a Alemanha tinha planetários construídos em Lipsia, Dusseldorf, Jena, Dresda, Mannheim, Hanover e Stoccarda.

Os planetários modernos levam o público a uma viagem pelas estrelas e galáxias e são fundamentais nos setores da educação e da ciência.

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