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Como as regiões mais ricas da Suíça subsidiam as mais pobres?

fountain in canton Jura
Uma fonte de água em Délémont, capital do cantão do Jura, considerada por muitos como um "inferno fiscal". Keystone / Georgios Kefalas

Um sistema único de redistribuição de fundos transfere muito dinheiro das regiões mais ricas às mais pobres da Suíça. Apesar de debates, protestos e reformas, essa prática continua a ser a pedra angular do federalismo helvético.

No final de junho, economistas do governo divulgaram um conjunto de estatísticasLink externo que incentivou ainda mais a polêmica: os números anuais do sistema de “perequação financeira”, ou seja, a distribuição da receita tributária entre as diferentes unidades da confederação. 

Essencialmente, esse sistema determina a quantidade de fundos que os cantões (estados) ricos devem transferir aos seus “primos” mais pobres a cada ano. O objetivo: manter uma aparência de coesão econômica nacional e lutar contra as desigualdades regionais.

Assim como nos anos anteriores, os cantões que mais contribuem para o sistema – em termos absolutos – são Zurique, Zug e Genebra. Já os maiores beneficiários são Berna, Valais e Argóvia.

Per capita, os cantões com a maior “índice de transferência” – perdas ou ganhos devido ao sistema – são Zug (do bloco dos “ricos” e Jura (o último cantão criado no país), da parte pobre.

Tudo isso é bem ilustrado nessa tabelaLink externo do ministério suíço das Finanças que exibe uma espiral de redução de fundos. Já a tabela abaixo mostra o quanto os cidadãos de cada cantão “perdem” ou “ganham”, em média, graças ao sistema.

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Bilhões por ano

Mesmo se a correlação não mudou muito nos últimos anos, a quantidade de recursos transferidos é considerável. O cantão de Berna, por exemplo, recebe mais de um bilhão de francos suíços (aproximadamente um bilhão de dólares) do sistema. Já Zurique coloca a metade dessa soma no fundo coletivo.

A perequação financeira fez com que 3,5 bilhões de francos fossem transferidos aos cantões suíços que estão abaixo da média de renda, um valor que chega a superar o PIB de Liechtenstein.

Qual a necessidade de um sistema em um país onde, acredita-se, a maior parte dos habitantes é considerada “rica”? Claude Jeanrenaud, professor da Universidade de Neuchâtel, fornece dois principais fatores como resposta.

O primeiro envolve a transferência de riqueza para reduzir as desigualdades de cantões com uma arrecadação tributária mais elevada do que outros. Zug, que abriga uma grande quantidade de empresas de sucesso e multinacionais, tem obviamente uma renda fiscal muito acima do que regiões pouco povoadas e agrícolas. 

A segunda parte do sistema – os “fundos estruturais” – existem para compensar o fato de que os serviços públicos (estradas, água e outros) são muito mais difíceis de prover em algumas regiões devido à sua localização geográfica ou desafios demográficos. Essas considerações são mais premente na Suíça, um país que sempre lutou para minimizar as suas diferenças topográficas, do que para seus vizinhos.

Em escala continental, o Fundo Europeu de Coesão contribuiu também para o desenvolvimento dos países mais pobres ou que aderiram há pouco a União Europeia (UE), especialmente na parte leste. O sistema suíço de perequação financeira ajuda a assegurar condições equitativas de concorrência e “um funcionamento amplo do aparelho do Estado”, explica Jeanrenaud.

Ajudando regiões “preguiçosas”?

O modelo no qual algumas regiões sustentam as outras não funciona sem debates: é uma questão de equilíbrio na tensão entre “redistribuição e incentivo”, diz Andreas Stöckli, professor da Universidade de Friburgo.

Como define, se a vida é “fácil demais” não há pressão para inovar: “Quanto maior for o aporte financeiro aos cantões pobres em recursos, menor é o incentivo que tem para melhorar sua arrecadação. E quanto maior o incentivo os cantões mais ricos têm de transferir para os mais pobres, menor o incentivo que tem para arrecadar mais.

Esse argumento é utilizado comumente pelas regioes mais ricas: exatamente como a Alemanha o fez contra a Grécia no auge da crise financeira do euro, o governo de Zug não está sempre satisfeito de transferir uma parte da sua duramente recolhida arrecadação e colocá-la em um fundo comum, no qual depois os recursos serão retirados para dar a cantões como o Jura. 

“A transferência de recursos de cantões que oferecem taxas mínimas de imposto para pessoas e empresas para os que são ‘infernos fiscais’ tem de ser equilibrada”, considera Heinz Tännler, secretário de Finanças do cantão de Zug. Embora admita que o sistema possa, de fato, ajudar a manter a solidariedade e a coesão do país, essa autoridade também considera que uma pressão excessiva sobre cantões como Zug pode levar a consequências negativas para a Suíça como um todo.

“Os cantões com bom desempenho fiscal – os mais ricos – já sofrem uma forte concorrência internacional, afirma Tännler. Esta deve aumentar ainda mais graças à nova iniciativa de criar um imposto “global”. Nesse contexto, a Suíça deve “se preocupar com as suas regiões de alta performance ” (ele prefere esse termo a “ricas”).

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Reformas

Esse debate não é apenas teórico. Em maio, uma reforma já em discussão há anos finalmente foi aprovada pelo Parlamento federal. Ela introduz um novo sistema para reduzir a carga dos cantões mais ricos. 

No passado, os cantões lutaram politicamente para decidir quanto dinheiro deveria ser transferido para apoiar as regiões mais pobres até uma meta de 85% da média nacional de “potencial de recursos” (a quantidade de recursos tributáveis por habitante). Já no novo sistema a alíquota será definida pelo governo federal e atrelados a uma meta fixa de 86,5%.

No passado o Parlamento federal adotava uma política simpática aos cantões mais pobres, afirma Stöckli, lembrando que no Conselho dos Estados (Senado), a grande maioria dos políticos vem de regiões que se beneficiam do sistema. Desde 2012 a transferência só fez aumentar a cada ano.

Agora os números foram fixados. Embora sua posição legal tenha sido reforçada, os cantões mais pobres irão, de fato, perder recursos. Os ricos irão economizar. Nesse meio tempo, o Estado federal, que também contribui para o sistema, deve poupar 280 milhões anualmente a partir de 2022. 

Contraproducente?

As mudanças podem afetar a integridade do sistema e a sustentabilidade dos cantões mais pobres? Isso é outra questão.

Em 2018, quando as discussões estavam em curso, o secretário de Finanças dos cantões do Jura, Charles Juillard, escreveu no jornal francófono “Le Temps”Link externo que a economia feita pelo Estado federal e pelos cantões mais ricos poderiam seria “contraproducente”. “Uma queda nas receitas de alguns cantões poderia não só pôr em risco seu desenvolvimento, mas também minar o frágil equilíbrio que permite à Suíça ser um país coerente e eficiente”, escreveu.

Stöckli, por sua vez, descreve as mudanças recentes como “ajustes fundamentais” de um sistema que ainda está se firmando (foi introduzido em sua forma atual em 2008). Mas o secretário de Finanças também reitera que os fundos federais serão utilizados para “amortecer o impacto financeiro às receitas dos cantões mais pobres, pelo menos a curto prazo.”

Da mesma forma, é difícil avaliar o impacto das mudanças sobre a concorrência fiscal entre os cantões – que muitos veem como um estímulo e um benefício para o país como um todo.

Para Stöckli, o chamado efeito “inibidor” do sistema de compensação fiscal – que desencoraja uma guerra fiscal total entre as diferentes regiões do país – pode continuar, mas sem asfixiar completamente a concorrência.

Tributação na Suíça

O imposto na Suíça é recolhido em níveis federal, cantonal e local. Os cantões estabelecem quanto de imposto um cidadão paga. A alíquota do imposto pago varia bastante de um cantão ao outro: para um assalariado que ganha 100 mil francos por mês, por exemplo, as alíquotas podem variar de 8% (Zug) até 25% (Basileia).

Os impostos são determinados segundo o nível de renda e bens, assim como estado civil do contribuinte. Um casal com matrimonio paga mais do que um casal vivendo em concubinato, uma situação que o governo gostaria de mudar. 

Em geral, os impostos tendem a ser mais baixos do que em outros países na Europa.

O imposto sobre as sociedades varia consideravelmente de um cantão para outro, sendo geralmente baixas na Suíça em comparação com outros países europeus. No entanto, a pressão internacional levou a uma harmonização do sistema. Desde a aprovação de um plebiscito em maio de 2019 foram eliminados os acordos fiscais preferenciais para empresas multinacionais sediadas no país.

Adaptação: Alexander Thoele

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