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Portadores de HIV sob terapia efetiva podem ter sexo sem camisinha

Quando a terapia funciona, portadores de HIV não precisam ter medo de ter filhos. Keystone

A Suíça é o primeiro país do mundo a reconhecer oficialmente que, sob determinadas condições, portadores de HIV podem ter sexo sem preservativo, sem risco de contágio.

Comunicado da autoridade sanitária, baseado em estudos de vários países,entre eles o Brasil, gera expectativa entre os pacientes, mas também provoca polêmica.

Uma boa notícia para cerca de seis mil suíços portadores do HIV que se encontram em tratamento anti-retroviral: sob determinadas condições, eles podem manter relações sexuais sem camisinha e também ter filhos, sem risco de contágio. Para todos os demais continuam valendo as regras do sexo seguro.

É o que informa a Comissão Suíça para Questões Ligadas à Aids (CFS, na sigla em francês), em comunicado oficial publicado no Jornal dos Médicos Suíços. “A Suíça assume um papel mundialmente pioneiro com suas novas constatações”, disse o presidente da CFS, Pietro Vernazza.

“Uma pessoa portadora de HIV, submetida a uma terapia anti-retroviral que funciona, não transmite o vírus da Aids através de contatos sexuais”, afirma a CFS. Para que o tratamento possa substituir o preservativo, no entanto, precisam ser atendidas três condições.

Primeiro, a terapia tem de combater o vírus de tal forma que ele não seja mais encontrado no sangue durante seis meses; segundo, ela precisa ser rigorosamente seguida pelo paciente e regularmente controlada pelo médico; terceiro, o paciente não pode ter outras doenças sexuais transmissíveis.

Sob essas condições, um casal sorodiferente (em que um dos parceiros é portador do HIV e outro HIV negativo) pode decidir, mediante consulta médica, se continua ou não usando outras medidas de proteção durante a relação sexual.

Comissão cita estudo brasileiro

A decisão da CFS, ligada à Secretaria Federal de Saúde, baseou-se em estudos científicos realizados em vários países. Num deles, 393 casais heterossexuais sorodiferentes da Espanha foram observados durante 14 anos. Não foi constatado nenhum caso de infecção de parceiro de soroposito que fazia terapia anti-retroviral, enquanto o índice de transmissão do vírus em casais sem esse tratamento foi de 8,6%.

A autoridade suíça citou também um estudo feito em Porto Alegre, entre 2000 e 2006, envolvendo 93 casais sorodiferentes, sendo que 41 dos parceiros portadores do HIV iniciaram uma terapia.

Neste caso, seis parceiros foram contagiados pelo vírus da Aids – todos parceiros de pessoas não tratadas, com uma “carga virótica” de pelo menos 1000 cópias/ml no sangue.

“Nossos dados sugerem um papel provavelmente protetor do uso da terapia anti-retroviral na prevenção à transmissão heterossexual do HIV entre parceiros sorodiscordantes”, concluíram os especistas brasileiros.

“Esse estudo mostra que, quando não há terapia efetiva, persiste o risco de transmissão da doença e vice-versa”, disse Vernazza à swissinfo.

Segundo ele, os estudos analisados confirmam a plausibilidade das observações feitas pelos médicos suíços no tratamento da Aids: que, quando a terapia anti-retroviral funciona, não há transmissão do vírus pela via sexual. “A soma dos estudos mostra essa tendência”, disse.

Comunicado polêmico

Vernazza rebateu críticas de médicos franceses e alemães, que consideram “precoce” o comunicado da CFS. “Após dez anos de tratamento sem casos de transmissão, alguém precisa dizer a verdade. Foi isso que fizemos. Não se contesta essa verdade, mas se questiona: “Pode-se dizer isso?” Queremos dizer a verdade e estamos convencidos de que isso gera mais confiança do que informar erroneamente as pessoas”.

O presidente da CFS argumentou que, nos últimos anos, a terapia da Aids fez enormes avanços. “Ela mostrou que pacientes tratados de forma efetiva podem novamente viver sem medo. Não seria adequado esconder essa informação diante dos atingidos”, disse à swissinfo.

Vernazza comparou as reações ao anúncio da CFS ao que ocorreu em 1986, quando foi publicada a afirmação de que “o HIV não é transmissível através do beijo”. Na época, lembrou, não era viável verificar cientificamente essa afirmação por falta de dados.

“Mesmo assim, nos últimos 20 anos ela se tornou cada vez mais plausível, embora não se possa descartar completamente a ocorrência de um contágio através do beijo”, declarou.

Segundo ele, hoje, para a declaração “portadores de HIV sem outras doenças sexuais transmissíveis e sob terapia anti-retroviral efetiva não são sexualmente infecciosos”, as provas científicas são bem melhores do que em 1986.

Combatendo o medo

Para Vernazza, a informação divulgada pela CFS significa uma grande melhora da qualidade de vida para os atingidos. Além de poder ter sexo sem camisinha, casais sorodiferentes também podem ter filhos pela via biológica normal sem ter medo de que estes possam ser contagiados.

Estudos epidemiológicos comprovaram, há anos, que a transmissão do HIV depende da concentração do vírus no sangue. “Hoje a expectativa de vida para quem faz uma terapia anti-retroviral efetiva, que combate o vírus no sangue, é praticamente igual a de pessoas sem Aids”, explicou Vernazza.

Além disso, foi constatado que a terapia elimina o vírus também das secreções genitais. “A partir de dados epidemiológicos e biológicos, sabemos há muito que o risco de transmissão nesse caso é mínimo, se é que ainda existe”, acrescentou.

A CFS publicou o comunicado com o argumento de querer diminuir o medo das pessoas com ou sem Aids e possibilitar, tanto quanto possível, “uma vida sexual normal” para os cerca de 17 mil portadores de HIV que vivem na Suíça.

Mas isso não modifica sua estratégia geral de prevenção à Aids na Suíça. Em casos de encontros ocasionais ou “escapadas” e novas parcerias, somente as regras do sexo seguro garantem a proteção contra a doença, advertiu a autoridade.

swissinfo, Geraldo Hoffmann

Na Suíça vivem aproximadamente 25 mil portadores do HIV.
Em 2006, foram confirmados 762 novos casos (em 2005: 723).
Desde o início da epidemia, 29.355 pessoas na Suíça tiveram um teste de HIV positivo – 70% homens.
Deste total, 8.588 tiveram Aids, sendo que 5.669 morreram em conseqüência da doença (4.515 antes de 1997).

No ano passado, o laboratório Pfizer (EUA), lançou no mercado o medicamento anti-retroviral Selzentry (Celsentri, dependendo do país), que promete impedir o HIV de se fixar nas células.

Na quarta-feira (30/01), a empresa anunciou que colocara a patente do produto gratuitamente à disposição da Parceria Internacional dos Microbicidas (IPM). Celsentri serve de base para a fabricação de um gel destinado a impedir a transmissão do vírus da Aids na vagina.

Um gel brasileiro a base de algas marinhas para prevenção da aids, desenvolvido há 13 anos pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em conjunto com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Fundação Ataulpho Paiva, está sendo testado na Inglaterra. Utilizado por mulheres antes das relações sexuais, o gel microbicida está sendo avaliado desde o início do mês no Saint George’s Medical School, de Londres, instituição especializada em testes em tecidos da região genital feminina, como a vagina e o colo do útero.

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