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Quando o Exército atirou em grevistas

Exército reprime grevistas em Zurique (07/10/1918) Keystone Archive

Há 90 anos, a Suíça enfrentou a pior crise social de sua história e esteve à beira de uma guerra civil. Uma greve geral de três dias, de 12 a 14 de novembro de 1918, deixou um saldo de três mortos.

Os grevistas capitularam diante da repressão do Exército, mas a greve teve profundas conseqüências políticas no país dos Alpes. Um monumento lembra os acontecimentos daquela época.

A praça da catedral de Zurique (Münsterplatz) foi palco de cenas dramáticas, na tarde de 10 de novembro de 1918, um domingo. Sete mil pessoas reuniram-se para uma manifestação proibida.

Tropas do Exército também estavam presentes. Como os manifestantes se recusassem a abandonar a praça, os militares usaram a força, disparando tiros para ar e para o chão. Seguiu-se meia hora de batalha, com 660 tiros disparados, quatro pessoas feridas por balas desviadas e um soldado morto com um tiro de pistola.

O clima já era tenso na Suíça antes do início da greve geral. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) aumentara o fosso entre as empresas, que faturaram com o conflito, e o operariado, cada vez mais pobre. O aumento do custo de vida e do desemprego foram outros motivos de protestos.

A paralisação de dois dias dos bancários de Zurique, no final de outubro de 1918, seria um ensaio geral para a revolução. O governo suíço optou pela repressão armada “para manter a ordem”. No dia 7 de novembro, tropas federais ocuparam Zurique, Berna e outras cidades para impedir manifestações em torno do primeiro aniversário da Revolução Bolchevique.

O Comitê de Ação de Olten (OAK, na sigla em alemão), uma espécie de central sindical da época, reagiu com a convocação de uma greve geral de um dia para 9 de novembro. Os zuriquenses continuaram a greve e exigiram a retirada das tropas.

Reivindicações sociais e políticas



Para não perder a liderança sobre o operariado suíço, o OAK conclamou uma nova greve geral, por tempo indeterminado a partir de 12 de novembro. As reivindicações dos grevistas incluíam a eleição proporcional (em vez de majoritária) para o Parlamento, a carga de trabalho de 48 horas semanais, o direito de voto para as mulheres, seguro de velhice e invalidez e um imposto sobre fortunas para pagar as dívidas públicas.

A greve nacional, com cerca de 300 mil participantes (algumas fontes avançam a cifra de 400 mil), foi, em grande parte, tranqüila, até porque os sindicatos haviam proibido o consumo de bebidas alcoólicas. Só ocorreram tumultos onde o Exército estava presente. Cem mil soldados tinham sido mobilizados nos principais centros urbanos.

Em Grenchen (noroeste da Suíça), uma patrulha matou três grevistas a tiros, porque eles supostamente teriam “provocado” os soldados com as palavras de ordem “Vivam os bolcheviques!” O incidente nunca foi plenamente esclarecido.

Depois do impacto inicial, a greve perdeu força porque o governo federal mantinha os serviços públicos de emergência com a ajuda de soldados e estudantes. Por isso, o Conselho Federal (Executivo suíço) exigiu a capitulação incondicional dos grevistas.

Temendo um banho de sangue promovido pelo Exército, o OAK cedeu na manhã de 14 de novembro. No dia seguinte, os grevistas voltaram ao trabalho. Muitos deles, porém, foram demitidos e processados.

Conquistas históricas



Mas a greve teve conseqüências políticas. Em 1919, a carga de trabalho semanal foi reduzida a 48 horas. Entidades patronais e o governo passaram a integrar os sindicatos nos processos de decisão.

Em 1920, a eleição para o Parlamento passou a ser proporcional. Duas reivindicações só seriam atendidas décadas mais tarde: o seguro de velhice e invalidez (1947) e o voto feminino (1971).

Outra conseqüência foi a chamada “paz social”, firmada em 1937, que obriga empresas e sindicatos a resolver pacificamente os conflitos trabalhistas (greves foram proibidas), embora o primeiro acordo coletivo nacional só tenha sido fechado em 1974.

Por ocasião da inauguração de um monumento em memória do conflito de 90 anos atrás, na última terça-feira (11/11), em Olten (noroeste do país), o presidente da União Sindical Suíça (USS), Paul Rechsteiner, disse que “a greve de 1918 foi o principal acontecimento político e social da Suíça no século 20”.

Segundo o presidente do Partido Socialista, Christian Levrat, “as metas daquela época persistem, mas os métodos mudaram. Como naquela época, também hoje a esquerda continua lutando pela justiça”, disse.

Existe uma polêmica até hoje sobre até que ponto a Revolução Russa de 1917 e a presença de socialistas estrangeiros influenciaram a greve na Suíça. A retrospectiva dos acontecimentos de 1918 mostra, porém, que aquilo que na época foi considerado um “presságio da Suíça bolchevique” há muito se tornou normal na democracia liberal e no Estado social da Confederação Helvética.

swissinfo, Geraldo Hoffmann (com agências)

1. Eleição do Parlamento Federal pelo sistema proporcional

2. Direito de voto para as mulheres

3. Introdução do dever cívico de trabalhar (diferente de trabalho forçado)

4. Carga semanal de 48 horas de trabalho

5. Transformação das Forças Armadas em Exército Popular

6. Ampliação do abastecimento alimentar

7. Seguro de velhice e aposentadoria

8. Estatização das importações e exportações

9. Imposto sobre fortunas para pagar as dívidas públicas

Para a rodada de negociações coletivas 2008/2009, a União Sindical Suíça (USS) reivindica a reposição completa da inflação mais um aumento real de 1,5% a 2,5%.

Com isso, os salários na Suíça subiriam, no mínimo, entre 100 e 150 francos por mês.

O presidente da USS, Paul Rechsteiner, justifica a reivindicação de um aumento real dos salários com o aumento de produtividade das empresas.

As entidades empresariais rejeitam um aumento geral dos salários e defendem “adaptações salariais diferenciadas por setor”.

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