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Questão nuclear divide europeus

Fessenheim, ao norte do estado da Basileia. A mais antiga usina nuclear francesa preocupa suíços e alemães. AFP

Enquanto a nuvem radioativa japonesa cobre os planos de construção de novas centrais atômicas na Suíça, seus vizinhos abordam a energia nuclear de maneira bem diversa.

Uma visão geral da questão entre a fé cega dos franceses, a renúncia dos austríacos, a desconfiança dos alemães e a cautela dos italianos.

Segunda-feira (21), em Bruxelas, os 27 ministros da Energia da União Europeia tentaram tirar as primeiras lições da catástrofe de Fukushima. O objetivo agora é testar a resistência do barril de pólvora radioativa europeu, formado de nada menos do que 143 reatores nucleares.

Resta saber se a conferência dos chefes de Estado do continente chegará a um acordo sobre os critérios para esses testes, pois os membros da União são muito ciosos de sua soberania em relação à energia atômica. “Poucas questões na Europa provocam tanta divergência entre os estados que as relacionadas com a energia nuclear”, observou Günther Oettinger, comissário da UE para a Energia.

A atitude dos quatro países vizinhos da Suíça ilustra essas diferenças.

Alemanha: longo caminho de saída

Em princípio, os dias do nuclear alemão estão contados. O ministro do Meio Ambiente Norbert Röttgen estima que será possível produzir 40% da eletricidade do país a partir de energias renováveis.

Em 2000, o governo “vermelho-verde” do chanceler Gerhard Schröder decidiu abandonar a energia nuclear, o que significava limitar o tempo de vida das 17 usinas em funcionamento. Mas em 2009, a equipe de Angela Merkel preferiu conceder um sursis ao átomo, apesar dos protestos da oposição e dos ambientalistas.

No dia 15 de março, quatro dias após o terremoto no Japão, o governo alemão decidiu suspender imediatamente, durante três meses, o funcionamento dos sete reatores mais antigos do país. Além disso, todas as usinas alemãs terão que passar por rigorosos testes de segurança até o dia 15 de junho.

A chanceler vai consultar agora os governadores dos estados alemães para tentar encontrar soluções concretas para a promoção das energias alternativas.

Esse engajamento não é surpreendente em um país que, como observou recentemente a revista Der Spiegel, é tradicionalmente um dos mais sensíveis com relação aos riscos atômicos. Na Europa, os movimentos antinucleares, que deram origem aos partidos verdes, são praticamente uma invenção alemã.

França: orgulho atômico

Bem diferente é o clima na segunda maior potência atômica do mundo depois dos Estados Unidos. Com 58 reatores, a França pode se orgulhar de ser a campeã mundial da dependência atômica. 78% da eletricidade do país é produzida pela energia nuclear, contra 20% para os americanos.

A opção do “tudo nuclear” foi decidida no fim da Segunda Guerra Mundial pelo general de Gaulle que funda a Comissão de Energia Atômica para fins civis e militares. A primeira bomba virá dez anos antes da primeira usina.

Intimamente ligado ao Estado, que fez dele uma questão de prestígio, o nuclear francês só é questionado por um punhado de ambientalistas, relativamente bem midiatizados, mas mal organizados e totalmente sub-representados no plano político. Atualmente, há apenas 9 deputados e senadores verdes entre os 920 membros das duas casas do parlamento francês.

Nesse contexto, o choque provocado no Japão deve, pelo menos, abalar algumas convicções. Como os alemães, o primeiro-ministro François Fillon reagia em público quatro dias depois do terremoto, anunciando aos deputados um controle de segurança de todo o parque nuclear francês, prometendo também que os responsáveis “não criarão nenhuma ilusão em relação às questões levantadas por esta catástrofe”, como foi o caso com a nuvem radioativa de Chernobyl, que encobriu toda a Europa “menos a França”, como garantiam os responsáveis franceses na época.

Mas também não é questão de pôr em causa o nuclear, que o primeiro-ministro apresenta como o tipo de energia “mais seguro, mais testado e mais transparente”.

Indignados, os ambientalistas franceses exigem um grande debate nacional e um referendo. Os socialistas, entretanto, tradicionalmente mais pró-nuclear, preferem ficar em silêncio.

Itália: Vai e Vem atômico

Na Itália, o átomo voltou a tona em 2008, graças a uma nova estratégia energética adotada pelo governo.

As quatro usinas construídas na península entre 1958 e 1970 haviam sido desativadas depois de três plebiscitos antinucleares. Em 8 de novembro de 1987, um ano e meio depois de Chernobyl, os italianos eram 80% a votar contra a energia atômica.

20 anos depois, preocupado com a dependência energética do país, o governo italiano previu a possibilidade de construir até 13 novas usinas nucleares, que poderiam cobrir um quarto do consumo de eletricidade interno.

Mas a decisão final é o povo italiano quem deve tomar, em um plebiscito dia 12 de junho.

Embora em tempos normais não se teria dado grandes chances a essa votação, Fukushima deve inverter radicalmente a questão. Inicialmente, o governo italiano dizia que a catástrofe japonesa não alteraria em nada seus planos. “Todos os países da Europa possuem usinas nucleares e seria impensável voltar atrás”, dizia o ministro do Desenvolvimento Econômico Paolo Romani.

Já na quarta-feira (23), o mesmo Paolo Romani anunciava uma moratória de um ano “nas decisões e no início dos estudos dos lugares” possíveis para as futuras usinas. Roma também se dá dois anos para “desenvolver uma estratégia abrangente”. Uma pesquisa recente revela que 53% dos italianos são agora hostis ao átomo.

Áustria: nuclear? não obrigado!

Dos quatro países que fazem fronteira com a Suíça (com exceção do minúsculo Liechtenstein), a Áustria é o único que vive sem energia nuclear. Concluída em 1977, a usina de Zwentendorf (50 km de Viena) foi condenada para sempre, em 5 de novembro de 1978, por uma pequena maioria de 50,47% da população. E depois de Chernobyl, a classe política austríaca chegou a um consenso sobre a não utilização da energia nuclear, inscrita desde 1999 na Constituição.

O mais belo “elefante branco” do país (que tem custado até o presente, incluindo a manutenção, mais de um bilhão de euros), Zwentendorf serve desde 2005 como depósito de peças sobressalentes para as usinas nucleares alemãs, enquanto aguarda uma eventual reciclagem em usina solar.

Quem sabe, já representa um sinal dos novos tempos.

457 reatores estão espalhados em 211 usinas nucleares, que juntas oferecem cerca de 14% da eletricidade mundial. A distribuição é muito desigual. Energia de países ricos e emergentes, a energia nuclear está concentrada quase exclusivamente no hemisfério norte.

Pódium

1. EUA – 104 reatores

2. França – 58 reatores

3. Japão – 55 reatores

Na Europa, 16 países operam 195 reatores.

Atrás da França, o ranking das nações europeias em número de reatores é o seguinte:

Rússia 32

Grã-Bretanha 19

Alemanha 17

Ucrânia 15

Suécia 10

Espanha 8

Bélgica 7

República Checa 6

Suíça 5

Finlândia 4

Hungria 4

Eslováquia 4

Bulgária 2

Romênia 2

Eslovênia 1

Holanda 1

O Brasil retomou as obras de Angra 3, paradas durante 24 anos, e prevê a construção de 4 novas usinas no Nordeste e no Sudeste até 2030.

O país parece tentar “sair à francesa” do debate internacional em torno da energia nuclear. Como na França, o nuclear brasileiro parece ser tratado pelo governo como uma questão de prestígio, mas a comparação para por aí.

 

A presidenta Dilma Roussef disse estar “extremamente preocupada” com os efeitos do que ocorreu no Japão em relação à política de energia nuclear adotada pelo Brasil.

Já a ONG de luta pelo meio ambiente Greenpeace declarou em uma campanha antinuclear em 2010 que essa política seria “tratada com descaso pela segurança e com falta de transparência”.

 

Na quinta-feira (24), o líder do Partido Verde, Sarney Filho, acusou o setor responsável pela questão nuclear no Brasil de não querer um debate mais amplo sobre a questão nuclear.

 

Adaptação: Fernando Hirschy

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