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“Não” grego mergulha Europa na incerteza

Os defensores do "não" comemoram a vitória nas ruas de Atenas no domingo 5 de julho de 2015. Reuters

Rejeitando maciçamente as propostas de seus credores internacionais, os gregos decidiram seguir seu governo domingo na partida de pôquer com Bruxelas. Mas os riscos são enormes, estima boa parte da imprensa suíça.

“O não que abala a Europa”, “Grécia escolhe confronto”, “Os gregos desafiam seus credores e a UE”, “Votação muda a União Europeia”: estes são alguns dos títulos que se destacam nos jornais suíços dessa segunda-feira. Todos dedicam grande parte de suas edições aos resultados do referendo realizado no domingo na Grécia pelo primeiro-ministro Alexis Tsipras.

Ao dizer “não” com 61,3% dos votos às propostas dos credores internacionais de Atenas, “a Grécia decidiu seguir o governo no caos”, diz o Bund e o Tages-Anzeiger. Para o Neue Luzerner Zeitung, os gregos tomaram um risco insensato no domingo, uma posição que “só se toma quando não se tem nada a perder”.

Restituição dos fundos gregos

“A vitória de Alexis Tsipras é uma vitória para a Grécia, a Europa e a democracia”, disse o deputado socialista Cédric Wermuth para swissinfo.ch. A Suíça deve agora exigir que o FMI respeite plenamente a decisão do povo grego e mude de política, diz ainda Cédric Wermuth, que acaba de criar uma comissão de apoio à Grécia reunindo figuras políticas de esquerda. “A Suíça também deve iniciar as investigações necessárias para restituir à Grécia os fundos que foram expatriados irregularmente e depositados em bancos suíços desde 2008”, disse.

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Mesmo tom dramático no Corriere del Ticino. “Ontem à noite foi concluída uma fase histórica do processo de integração europeia. Outra começa. Imprevista. Para qual ninguém está preparado. Um cisne preto cruzou o caminho incerto de líderes divididos e míopes, obcecados com seus interesses nacionais”, diz o diário de língua italiana.

Uma partida arriscada

Uma partida de poker: é com esta metáfora que o tabloide de língua alemã Blick analisa o “não” do povo grego. “Os gregos estão apostando que a UE vai continuar as negociações e, mais importante, eles irão cancelar suas exigências de austeridade”. Bruxelas tem todo o interesse em evitar a desestabilização do continente e os gregos sabem disso, observa o jornal.

Esta partida comporta, no entanto, um risco: “O ‘não’ de ontem certamente fortalece a posição de negociação dos gregos com Bruxelas, mas também é muito perigoso. Se os ministros da UE perderem a paciência, os primeiros a serem afetados na mesa de pôquer seriam os próprios gregos. E desta vez de uma forma muito violenta”.

O Neue Zürcher Zeitung (NZZ) é o único diário a mostrar claramente seu desejo de ver a Grécia saindo da zona do euro no final desta votação. “A tropa de Syriza deve encontrar seu caminho sem a ajuda do ‘tio rico’ de Bruxelas a fim de estabilizar suas despesas e suas receitas. Os gregos devem reconhecer, mais cedo ou mais tarde, que eles vão certamente ser mais competitivos no contexto de um Grexit”. Isso não causaria nenhum dano à Europa, acredita ainda o jornal da comunidade empresarial.

“Atenas está queimando”

Se é difícil interpretar com precisão os meandros da votação poucas horas depois do anúncio dos resultados, muitos editorialistas acreditam que os gregos rejeitaram principalmente a austeridade, sem renunciar à filiação à zona do euro. “É um ‘sim’ para Alexis Tsipras, mas não é um ‘não’ para a Europa”, acredita o Tribune de Genève, que é um dos poucos jornais do país a reconhecer a “coragem” da escolha do povo grego.

“Ao dizer ‘não’ ontem, os gregos não plebiscitaram uma saída do euro: eles não querem claramente o retorno da dracma. Eles acham que podem renegociar com a UE e o FMI para aliviar o peso da dívida mantendo-se na zona do euro”, ressalta por sua vez o L’Express, de Neuchâtel.

O Le Temps compartilha essa análise, mas se mostra mais preocupado com as consequências deste “não”. “Atenas está queimando, sim, e o espetáculo paradoxal de turistas europeus, indolentes, sorrindo por estar lá, independentemente da sua nacionalidade, neste país acolhedor, com seus locais antigos, com o sol e as praias, não deve fazer esquecer os riscos.”

Apagar o incêndio

“E agora?”, se pergunta ainda o jornal publicado em Genebra: “A única resposta possível, como em qualquer início de incêndio, é conseguir uma boa ordem para apagá-lo. O “muito pouco, muito tarde”, ferida da UE, não é mais sustentável. A economia e o povo grego precisam de um horizonte, e da verdade. Esta não deve mais ser ocultada por condições impossíveis de cumprir, reformas que giram, e um calendário de pagamentos ou receitas fiscais insustentáveis”.

Quanto ao colunista do Bund e do Tages-Anzeiger, ele não poupa críticas à Grécia: “Compromisso parece ser um palavrão para alguns em Atenas. A Grécia quer ficar no clube, mas ignorando as regras. Os bálticos, eslovacos ou eslovenos, significativamente mais pobres, deverão renunciar aos bilhões emprestados à Grécia. E o governo de Atenas ainda quer mais dinheiro e solidariedade, mas sem qualquer condição.”

No entanto, a Grécia nunca ficou sem dinheiro. Mesmo antes da crise, ela gozava de enormes fluxos de fundos de apoio da UE, lembram os dois jornais de língua alemã.

Para que serve o euro?

Duas importantes lições podem ser aprendidas com o que aconteceu nos últimos dias em Atenas, analisa o Corriere del Ticino. “É possível ter uma democracia federal europeia sem uma moeda única. Mas não podemos ter uma moeda única sem democracia. A moeda é o primeiro sinal de confiança fundamental de uma comunidade. Se os cidadãos europeus acreditam na Europa, o euro tem futuro. Caso contrário, equivale a um modesto acordo comercial”. O jornal faz ainda a pergunta crucial: “Se a Europa não cria empregos e renda, para que serve uma moeda única?”

Finalmente, o Aargauer Zeitung é muito compreensivo com o “não” grego. A votação não deve ser interpretada como um gesto ameaçador, mas como um argumento moral obsessivo, que a Europa não pode ignorar.

“Foi terrível ver como alguns políticos europeus atacaram com tão pouca sensibilidade a Grécia nos dias que antecederam o referendo. Um referendo é um instrumento democrático e deve ser tratado como tal. A obstinação de Tsipras, que constantemente lembrou a Europa dos seus valores fundamentais, a saber, a paz e a solidariedade, também é do interesse da União Europeia”, diz o o jornal da Argóvia.

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Adaptação: Fernando Hirschy

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