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Suíços tentam ressuscitar ideal utópico

A comissão apresentou sua iniciativa ao público em abril de 2012. Keystone

É sem dúvida uma das ideias políticas mais insólitas lançadas em décadas, mas os militantes suíços a favor de uma renda básica incondicional para todos no país dizem que já recolheram assinaturas suficientes para forçar uma votação sobre sua proposta utópica.

“Que bobagem”, resmunga um homem de meia-idade a caminho da entrada da estação ferroviária de Basileia, no final de maio. Um jovem militante com uma prancheta acaba de pedir sua assinatura para uma iniciativa bem insólita.

Segundo os iniciantes, é hora de um amplo debate público sobre o valor do trabalho na sociedade e o fosso cada vez maior entre ricos e pobres. Para lançar a questão, eles estão propondo que seja concedido a cada residente legal na Suíça uma renda incondicional de 2500 francos suíços (2597 dólares) por mês. O objetivo é dar a todos o direito à autodeterminação e de viver uma vida com menos pressão, diz o folheto promocional.

Alguns minutos depois, o mesmo jovem ativista se envolve em um debate com um professor aposentado sobre o valor do trabalho e o problema da geração mais jovem em conseguir emprego e formação.

O cidadão de cabelos grisalhos não colocou o nome dele na iniciativa. “Pode ser uma boa ideia, mas eu não acho que seja possível”, conclui.

No entanto, o entusiasmo do jovem ativista parece inesgotável. Ele faz parte de um grupo de cinco ativistas políticos que parecem gostar de discussões abertas.

A insistência parece dar resultados. Um jovem de 22 anos de idade, em uniforme militar, depois do ceticismo inicial, acaba se inscrevendo na iniciativa. “É bom ter uma discussão sobre a ideia”, diz.

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Toque simpático

Os promotores da iniciativa têm motivos idealistas que poderiam quebrar um tabu em uma sociedade que é em grande parte caracterizada pelo trabalho e o dinheiro.

Mark Balsiger, cientista político e especialista em relações públicas, diz que a campanha chamou a atenção, principalmente quando foi lançada.

Balsiger se diz surpreso com o número de assinaturas arrecadadas, mas duvida que todos que apoiam a ideia são importantes o suficiente para mobilizar os cidadãos fora de um círculo restrito de pessoas com ideais humanistas.

No entanto, o cientista político acha que os debates na rua tem um toque simpático e os sites dos iniciantes apresentam bem a questão, apesar do pequeno orçamento. A maioria dos militantes parecem ser voluntários entusiastas, jovens e velhos.

“Existe um núcleo de cerca de 40 de nós e cerca de 200 outros que ajudaram”, diz Pola Rapatt da “Geração Renda Básica”. Criado no final do ano passado, o grupo deu à campanha um segundo fôlego, acrescentando um tom mais brincalhão, organizando competições entre ativistas de diferentes cidades.

A iniciativa popular suíça permite que cada cidadão proponha a modificação da Constituição. Para ser válida, deve ser assinada por 100 mil pessoas dentro de um período de 18 meses.

O Parlamento pode aceitar diretamente a iniciativa. Ele também pode recusá-la ou apresentar uma contraproposta. Em todos os casos ocorre uma votação em todo o país.

Para ser aprovada, a iniciativa popular precisa da maioria dos votos dos eleitores e de pelo menos 14 dos 26 estados.

Debates de rua

Mais tarde, no mesmo dia, o acolho na capital Berna parece tão frio quanto em Basileia. Ainda assim, uma mulher de meia-idade pega uma prancheta e espontaneamente se junta aos iniciantes.

Alguns dos ativistas, no entanto, parecem um pouco cansados agora. Mas não há razão para eles pararem. Eles querem continuar por mais algumas horas.

“É irritante como só poucas pessoas aqui querem participar de um debate. Elas só dizem ‘sim, sim, ótima ideia’ e assinam – ou não – e vão embora”, diz Dani Häni, líder do grupo dos iniciantes da renda básica incondicional.

Como se quisesse contradizer a afirmação, uma mulher de 40 anos se aproxima do grupo do lado de fora da estação de trem de Berna.

Ela assina sem hesitação e explica que, como socióloga, gosta de participar de debates e considera a política social atual marcada por desconfiança.

O e- porta-voz do governo, Oswald Sigg, está convencido de que vale a pena lutar por uma sociedade e uma distribuição de renda mais justas, mesmo que pareça impossível conseguir ganhar a maioria dos votos.

“A Suíça é o único país no mundo onde você pode ter uma votação sobre uma ideia utópica”, diz.

Os promotores haviam coletado mais de 110 mil assinaturas até o final de maio. Eles têm mais quatro meses para concluir sua campanha.

A ideia original de uma renda básica incondicional remonta ao final da Idade Média, com o humanista e filósofo social inglês Thomas More. Ela foi se desenvolvendo ao longo dos séculos.

No século XX, o filósofo francês André Gorz foi um defensor entusiasta de uma renda garantida para o cidadão.

Tentativas de introduzir uma renda incondicional foram lançadas em vários países, incluindo Brasil, Cuba, Mongólia e – em uma escala limitada – Namíbia e Alemanha.

Esforços estão em andamento nos 27 países da UE e outros países europeus. O movimento para uma renda incondicional na Suíça tomou forma em 2006. A iniciativa foi lançada em 12 de abril e irá a plebiscito em outubro.

Oposição

A iniciativa tem encontrado muito poucos amigos entre a comunidade empresarial e os economistas até agora, apesar de algumas exceções notáveis.

Em um documento de 11 páginas publicado em outubro passado, a Swiss Business Federation advertia que a economia suíça perderia sua vantagem competitiva se a iniciativa fosse adotada.

O grupo de pressão rejeita a proposta de aumentar o imposto sobre mercadorias e serviços para financiar o projeto e descarta afirmações de que o sistema de segurança social do país poderia diminuir, se uma renda básica incondicional for introduzida.

Os opositores dizem que o projeto icustaria cerca de 140 bilhões de francos suíços (146 bilhões de dólares) por ano, financiados através de um imposto sobre o consumo de mais de 50%.

“Por mais simples e plausível que a ideia possa ser, é bom demais para ser verdade. Infelizmente, é apenas uma ideia utópica cara que mina a nossa prosperidade”, argumenta a federação.

Rudolf Strahm, ex-ombudsman dos preços, diz que a ideia de uma renda básica incondicional é fascinante à primeira vista, mas “é um pensamento preocupante o Estado ter que sustentar pensionistas a vida toda”.

O ex-deputado socialista diz que aprecia a imagem idealista da humanidade promovida pelos ativistas. O conceito da iniciativa e os problemas sociais por trás devem ser levados a sério, diz. “Mas a resposta não foi pensada até ao fim”, afirma.

Strahm critica os seus cálculos de custo “aventureiros” dos promotores e alerta para o impacto de uma renda incondicional em um mundo globalizado, com a abertura das fronteiras.

“Utopias e visões não têm que dar uma resposta para cada questão técnica. Mas uma utopia tem que resolver, pelo menos, as questões básicas e enfrentar a realidade.”

Adaptação: Fernando Hirschy

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