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Poetas concretos desembarcam em Zuriguidum

Obra de Décio Pignatari
Beba Coca Cola (1957), de Décio Pignatari: poesia concreta antecipou a arte pop e a apropriação de signos de consumo de massa. Elaine Santos

A exposição “Poesia é Risco” (Poesie ist Risiko), que abre hoje em Zurique, mostra como o trabalho iniciado no Brasil por Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos tornou-se o movimento artístico brasileiro de maior relevância internacional até hoje.

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“Poesia é Risco” é centrada na obra de Augusto de Campos, em plena atividade do alto dos seus 88 anos de idade e bastante presente inclusive no Instagram (@poetamenos, com 19 mil seguidores). 

A abertura da exposição no Photobastei Link externosegue no bojo de um simpósio na Universidade de ZuriqueLink externo dedicado a Haroldo de Campos, com a presença de tradutores e estudiosos de sua obra vindos dos EUA, Alemanha, Itália, Suíça, França e Portugal. E, de quebra, uma leitura de poemas no Cabaret VoltaireLink externo, berço do dadaísmo, local mais que apropriado para uma homenagem à altura. 

A arte concreta, ou concretismo, tem por origem diversos vetores, o que dificulta uma definição curta e concisa, geográfica e artisticamente limitada no tempo. Mas a poesia concreta floresceu no Brasil implodindo os limites da página, afetando todos os espaços da arte e cultura.

Os curadores da exposição
“No caso da origem do concretismo, temos um caso de ovo e galinha”, disse à swissinfo.ch o editor paulista Vanderley Mendonça (à dir.), professor e designer paulista à frente da editora Demônio Negro e curador da exposição junto com Eduardo Jorge de Oliveira (à esq.), professor de literatura portuguesa da Universidade de Zurique. Eduardo Simantob

Segundo Mendonça, a influência do multi-artista e designer suíço Max Bill sobre o então jovem Décio PignatariLink externo foi decisiva no desenvolvimento da poesia concreta daquele ponto – virada das décadas de 1940/50 – em diante. “Mais que influência, porém, foi um encontro, ou seja, os irmãos Campos e Décio estavam já gestando algo que encontrou ressonância no que Max Bill e outros artistas, principalmente na Alemanha, estavam fazendo ao mesmo tempo”, explica Mendonça.

Poema dias dias dias
Como ler um poema concreto? Caetano Veloso demonstra aqui Elaine Santos

A máxima de que “nada se cria, tudo se transforma” também vale para o concretismo, afinal o seu ponto de partida formal encontra-se na evolução da tipografia em fins do século 19, explorada então pelo poeta francês Mallarmé e, em seguida, por Guillaume Appolinnaire. Mas a grande explosão foi mesmo a Bauhaus, a escola alemã cujo centenário de fundação está sendo celebrado este ano.

A Bauhaus foi a epítome do modernismo, e mexeu com tudo: arte, arquitetura, design, música, moda. Max Bill teve o privilégio de estudar com diversos mestres da escola, como Wassily Kandinsky, Paul Klee e Oskar Schlemmer, e na volta a Zurique foi um dos principais agitadores entre os vanguardistas do grupo AllianzLink externo (nenhuma relação com o império homônimo de seguros). Seu trabalho não só prático como teórico sobre tipografia foi um dos elementos que o alçaram à condição de grande mestre do design moderno.

Em suas viagens à Europa na década de 1950, Decio Pignatari também conheceu Eugen GomringerLink externo, na época (entre 1954 e 1957) assistente de Bill, e que se tornou um dos principais poetas concretos em língua alemã. Filho de pai suíço e mãe boliviana (e nascido na Bolívia), Gomringer editou revistas e livros de poesia concreta (como a série bilíngue konkrete poesie – poesia concreta, 1960-65), e elaborou por mais de 30 anos textos de publicidade da cadeia de lojas francesa Au Bon Marché, inspirados em poemas concretos.

Detalhe do livreto da exposição
Detalhe do livreto da exposição swissinfo.ch

O flerte dos concretistas com a publicidade e outras formas de comunicação de massa antevê a explosão da arte pop, e não se intimidou em nada com o advento das novas tecnologias de mídia. A presença de Augusto de Campos no Instagram é uma consequência absolutamente natural, assim como a apropriação de conceitos e usos concretistas por artistas que vieram depois, dos tropicalistas aos diletos neo-concretos (Lygia Pape, Lygia Clark, Hélio Oiticica) – que inclusive têm uma sala dedicada no coração do prestigioso Tate Modern, em Londres, entre outros museus de arte moderna e contemporânea.

Os “poetas a menos” (e os signos de negação e minimalismo são bastante caros a eles) “deram uma nova e explosiva dimensão ao poema como obra de arte, como quadro, e até mesmo como som, assim como o design da Bauhaus ultrapassou o desenho”, ressalta Vanderley Mendonça.

“A letra tem função de imagem, e a sonoridade tem ritmo, rima e métrica, só que em uma nova espacialidade”, complementa.

Tradução, transliteração

O impacto dos concretistas não pode em nada ser subestimado, e vai muito além do domínio das artes visuais, da propaganda e da poesia, com uma presença marcante na academia, especialmente com a introdução da semiótica, e no ofício da tradução.

No Brasil, foi principalmente graças aos irmãos Campos e Pignatari que os leitores puderam se familiarizar com um leque imenso de literatura moderna mundial, dos anglo-saxôes aos japoneses.

Foram eles que familiarizaram o público brasileiro com, entre outras, a obra do poeta americano Ezra Pound, uma referência importantíssima para a poesia concreta, e sem os pruridos europeus (em parte compreensíveis) que relegaram Pound ao limbo por ter aderido de coração aberto ao nazi-fascismo – o que lhe valeu uma longa temporada (1945-58) de prisões psiquiátricas depois da Segunda Guerra Mundial.

O boom de traduções que se observa hoje no Brasil deve muito a esses pioneiros. “Fala-se muito no quanto se perde nas traduções, mas nunca do que se ganha”, diz Mendonça. As traduções dos Campos e Pignatari são verdadeiras recriações, um exercício – não livre de críticas – que almeja traduzir o próprio contexto linguístico e espacial do poema.  

O professor Eduardo Jorge explica que o concretismo brasileiro possui uma dimensão crítica pouco presente no caso alemão, cujo experimentalismo é mais formal.

A exposição curada por Jorge e Vanderley Mendonça oferece uma pequena mas rica janela para as aventuras transoceânicas da poesia concreta, e fica em cartaz até o dia 24 de novembro.

Painéis com versões de poemas concretos em português e alemão
Painéis com versões de poemas concretos em português e alemão Elaine Santos

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