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Infanticídio entre índios repercute na imprensa suíça

CIMI diz que faz trabalho de esclarecimento junto aos índios para superar o infanticídio. Keystone

O renomado jornal Neue Zürcher Zeitung (NZZ), de Zurique, dedica uma página inteira à "controvérsia sobre o infanticídio entre índios no Brasil".

A etnóloga suíça Adriana Huber diz que a ONG Atini e o deputado federal Henrique Afonso querem “diabolizar a cultura indígena e legitimar o proselitismo cristão-evangélico”.

Em sua edição de sábado/domingo (25 e 26/4), o NZZ informou que, “um projeto de lei pretende combater o costume de determinados povos indígenas de matar crianças. Mas a dimensão e as circunstâncias do infanticídio são relativizadas por especialistas.”

O jornal relata o recente encontro do vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Dimas Lara Barbosa, com Edson e Márcia Suzuki, pais adotivos da índia Hakani, que lhe teriam entregado uma documentação sobre o infanticídio entre índios. Até o papa já teria recebido essa documentação.

O casal Suzuki dirige a ONG Atini que, segundo o NZZ, “mobiliza contra o infanticídio tribal e tenta salvar da morte crianças ameaçadas”. Edson e Márcia teriam pedido o apoio da Igreja Católica à campanha. Hakani, do povo Suruahá, teria sido enterrada viva, “salva por um feliz acaso” e adotada pelo casal Suzuki.

“Centenas de crianças mortas anualmente”

Segundo o diário zuriquense, o CIMI inicialmente se absteve de comentar o tema na mídia, mas agora o vê como “um problema a ser enfrentado”. Missionários teriam explicado que “crianças indígenas são mortas por terem mães solteiras, por serem meninas, enquanto os pais queriam meninos”.

O administrador da Funai em Manaus, Edgar Fernandes Rodrigues, da etnia baré, foi citado pelo NZZ com a seguinte explicação: “Do ponto de vista dos índios, uma criança com deficiência não seria útil ao trabalho na Terra, não teria todas as possibilidades para o serviço à comunidade. E para que essa pessoa não sofra a vida inteira, eles praticam essa eutanásia precoce. Ela é comum não só entre os Yanomami, como também entre outras tribos da Amazônia.”

Segundo o pastor presbiteriano e deputado federal Henrique Afonso (PT-AM), também citado pelo jornal suíço, “centenas de crianças são mortas anualmente por envenenamento, por flechas, enterradas vivas ou por outros métodos em pelo menos 13 povos indígenas”.

Por se tratar de práticas aceitas por essas tribos, Afonso disse que sua proposta de lei não prevê a penalização dos índios, mas que “qualquer pessoa” que tenha conhecimento de casos de uma criança em situação de risco e deixe de informá-lo às autoridades responderá por crime de omissão de socorro.

Filme polêmico

O NZZ questiona logo no início da reportagem se o projeto faz parte de uma campanha da igreja pentecostal ou se é movida pela intenção de defender os direitos humanos. Segundo peritos, a campanha foi esquentada pelo filme Hakani, que já foi visto mais de 390 mil vezes no Youtube (veja link na coluna à direita).

Segundo a etnóloga suíça Adriana Huber, que trabalha para o CIMI com os índios Suruahá, “estatisticamente o número de crianças que são mortas é ínfimo em comparação à mortalidade infantil decorrente de doenças levadas para dentro dos territórios indígenas”.

Huber repassou ao NZZ dados de quando vivia com os índios Deni, do rio Cuniuá, de 2001 a 2006. “Numa população de 400 pessoas em seis aldeias, naquele período não ouvi falar de um único caso de infanticídio. Só em 2003, porém, 13 crianças com até cinco anos de idade morreram de coqueluche porque a Funasa nos dois anos anteriores simplesmente se esqueceu de vacinar essas crianças”, relatou ao jornal.

Huber declarou ainda que a Atini e o deputado Henrique Afonso “não estão exclusivamente interessados nos indivíduos a serem salvos e sim em diabolizar as culturas indígenas, para assim legitimar o proselitismo cristão-evangélico, proibido pela Constituição do Brasil”.

De acordo com a proposta de Afonso, “qualquer etnólogo, missionário ou funcionário público que tenha a ver com os indígenas pode ser processado e expulso das áreas indígenas. Sobretudo, crianças podem ser retiradas contra a vontade de suas famílias”, afirmou Huber.

Quebrando um tabu?

Não é a primeira vez que o filme Hakani e o projeto de lei contra o infanticídio de índios (PL 1057, de 2007) são notícia na Europa. Em março passado, a Survival Internacional – ONG sediada em Londres – acusou os autores do filme de “incitar o ódio racial contra os índios brasileiros” (veja link à direita).

A Atani rebate essas acusações. “Os esforços na prevenção do infaticídio realizados pelo projeto Hakani continuam sob ataques de ativistas da Survival International”, afirma a ONG.

O autor de um dos textos do NZZ lembra em seu blog, porém, que “não foram poucos os políticos e as ONGs da Europa que calaram, durante décadas, sobre o assassinato de inúmeras crianças indígenas no Brasil e transformaram esse tema em tabu”.

Ele acredita que, graças ao engajamento do deputado federal Henrique Afonso e após uma série de textos publicados, entre outros, em seu próprio blog – Klaus Hart Brasilientexte–, “o bloqueio de informações foi rompido na Europa e humanistas sensíveis se interessam pelo escândalo.”

swissinfo, Geraldo Hoffmann (com informações dos sites citados)

Segundo a ONG Atini, o filme Hakani foi feito em cooperação com dez povos indígenas diferentes.

A ONG explica em seu site: “A maioria das crianças que atuam no filme são vítimas que foram resgatadas. Algumas das quais foram literalmente desenterradas por parentes ou vizinhos.

Os adultos que atuam no filme ou são sobreviventes de infanticídio, ou indígenas que salvaram alguma criança que estava destinada à morte.

As cenas de enterro, apesar de parecerem reais, foram feitas com truques cinematográficos de Hollywood. O diretor do filme, David L. Cunningham, utilizou bolo de chocolate esfarelado para parecer terra.”

A ONG Survival Internacional criticou o filme por “tratar como sendo verídica a história de uma criança índia brasileira enterrada viva pelo seu povo”.

A Survival afirma que o filme é uma encenação e que David Cunningham é filho do fundador de uma organização missionária fundamentalista americana, chamada “Jovens Com Uma Missão”, que tem um ramo no Brasil conhecido como Jocum.

O projeto de lei (PL 1057), também chamado de Lei Muwaji, foi apresentado pelo deputado Henrique Afonso (PT-AM) em 2007.

Segundo seus defensores, “se for aprovada, a Lei Muwaji vai garantir que os direitos das crianças indígenas sejam protegidos com prioridade absoluta, como preconiza a Constituição Brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente e todos os acordos internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário.”

Mais informações nos sites www.hakani.org e www.atini.org.

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