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“O livro também poderá encorajar mulheres na China”

Número estimado de homossexuais na China: entre 30 e 50 milhões. ©Patrick Zachmann / Magnum Photos

O livro de contos de Corinne Rufli sobre a vida de mulheres suíças lésbicas em meados do século passado será traduzido para o chinês. O livro irá provavelmente encorajar a discussão sobre homossexualidade na China. Mesmo que no “Império do Meio” a tolerância em relação aos homossexuais tenha aumentado nos últimos anos, as pessoas que não vivem de forma heteronormativa ainda enfrentam mais dificuldades do que no Ocidente.

Qi Mu (pseudônimo), a tradutora do livro com o título “Daquela noite em diante eu fiquei enfeitiçada” (tradução livre para o português do título em alemão) ficou encantada com o relato destas mulheres suíças com mais de 70 anos que contam suas histórias de vida e de amores por outras mulheres. “Apesar das diferenças concretas, a situação social das mulheres chinesas de hoje é relativamente semelhante à situação das protagonistas suíças dos anos 1950 e 1960. Suas experiências poderão proporcionar uma nova perspectiva para as leitoras e leitores chineses”, afirmou Qi Mu à swissinfo.ch.

O livro

No livro “Seit dieser Nacht war ich wie verzaubert. Frauenliebende Frauen über siebzig erzählenLink externo” (em tradução livre para o português “Daquela noite em diante eu fiquei enfeitiçada. Relatos de mulheres homoafetivas com mais de 70 anos”) de Corinne Rufli, lançado em 2015 pela editora “Hier und Jetzt”, onze mulheres da terceira idade fazem uma retrospectiva de suas vidas. 

Elas relatam como conduziam seus relacionamentos na estreita sociedade burguesa dos anos 1940 até os anos 1960, como se casaram com homens ou se apaixonaram por mulheres e como vivem atualmente. 

Suas histórias são cheias de vida, mas também mostram a segregação de mulheres que não quiseram se submeter ao ideal feminino de ser esposa e mãe. 

Com seu livro lançado no ano passado, a autora Corinne Rufli queria dar visibilidade à história de vida de mulheres lésbicas e com isso despertar uma sensibilidade em relação a fomas de vida diversas. Corinne, que é historiadora, queria que seu livro de contos mostrasse também que “existe muito mais do que a nossa ideia obtusa de feminilidade. Na sua opinião, estas mulheres “podem vir a ser um exemplo para a geração mais jovem”. A tradução do seu livro para o mercado chinês deixou-a surpresa e contente ao mesmo tempo.

swissinfo.ch: O seu livro deve ser lançado em breve em chinês. Como isso aconteceu?

Corinne Rufli: É incrível, foi um feliz acaso. Uma chinesa ouviu falar do meu livro e disse-me que este livro precisava ser traduzido sem falta para o chinês. Eu estava pensando em traduções para línguas mais “comuns”, como o inglês ou o espanhol. Mas chinês? Foi uma grande surpresa. 

Um outra chinesa traduziu o primeiro capítulo e algumas editoras chinesas mostraram interesse pelo livro. Para mim é uma aventura, pois não sei nada sobre o mercado de livros na China e não sei o quanto se pode escrever abertamente sobre mulheres lésbicas naquele país. Também acho interessante pensar como vão traduzir as palavras “lésbica” ou “mulher que ama outra mulher”. Como não entendo chinês, infelizmente nunca poderei ler esta versão do livro…

Corinne Rufli (1979) concluiu o mestrado em Germanística e História na Universidade de Zurique com uma dissertação sobre a história oral de mulheres suíças lésbicas na terceira idade. Paralelamente, trabalhou como redatora para revistas culturais, para o jornal de Aargau e para o jornal semanal ‘Schweiz am Sonntag’. Atualmente, como historiadora autônoma, ela pesquisa a história do homossexualismo feminino na Suíça e mora em Baden, perto de Zurique. Sandra Ardizzone

swissinfo.ch: O que você imagina e espera desta publicação do seu livro em mandarin?

C.R.: Ver meu livro ser lançado em chinês e tornar-se acessível às leitoras e leitores interessados daquele país certamente irá superar todas as minhas expectativas. O grande presente para mim seria se o livro pudesse encorajar algumas mulheres (e homens também).

O livro também poderá motivar jovens lésbicas a contarem a história da geração mais velha de mulheres homossexuais no seu país e com isso fomentar um diálogo entre as gerações. Isso também daria visibilidade à história de vida destas mulheres de uma geração mais velha.

swissinfo.ch: O que você sabe a respeito da vidas dos homossexuais na China?

C.R.: Sei muito pouco sobre a condição de vida dos homossexuais masculinos e femininos na China. Parece que não é raro haver repressão contra homossexuais. Mas também ouvi falar que existe na China cada vez mais pessoas se organizando, se conectando e exigindo mais direitos para os homossexuais. Também graças à internet.

As pessoas que vivem no interior da China, oriundas de famílias tradicionais – de estrutura patriarcal – e que sofrem um forte controle social têm grande dificuldade até de assumirem para si mesmo seus sentimentos e atração por pessoas do mesmo sexo. Para estas pessoas é mais difícil ainda conhecer outros homossexuais.

É inconcebível que as pessoas sejam oprimidas por amar. O governo poderia fazer campanhas por mais liberdade e tolerância.

swissinfo.ch: Você acha que as histórias das suas personagens poderiam alcançar um efeito universal, que poderiam servir de modelo para as lésbicas na China?

C.R.: Sim, posso imaginar. Mesmo que as personagens sejam suíças, mesmo que elas venham de uma cultura totalmente diversa e vivam em mundos distintos, todas as mulheres do meu livro de alguma forma lutaram pela felicidade. Apesar das condições desfavoráveis – seja na sociedade ou na família – elas assumiram seus sentimentos.

Elas assumiram seus amores, e a força deste gesto as ajudou a construir uma vida coerente com seus anseios, mesmo vivendo em uma sociedade misógina e homofóbica. Elas conseguiram ter um espaço. Nem todas as mulheres têm as mesmas possibilidades e chances. Mas o que é bonito é que todas as mulheres que aparecem no livro podem olhar para suas vidas hoje e se sentirem em paz. Por isso que o livro encoraja os leitores e leitoras. Ele passa a coragem de tomar a vida nas próprias mãos e assumir a responsabilidade pela própria felicidade. 

Estatísticas na China e na Suíça

Segundo dados das autoridades de Saúde da China, cerca de 30 milhões de chineses são homossexuais, 10 milhões destes são mulheres. Uma outra fonte menciona uma taxa de 4% de homossexuais em toda a população.

A explicação para o fato de aparentemente existirem mais homossexuais masculinos do que femininos talvez seja por vivermos em um sistema patriarcal, no qual os homens estejam mais inclinados a determinarem suas próprias vidas e sua própria sexualidade. As mulheres têm um papel mais submisso, acabam reprimindo também a sua sexualidade.

Na Suíça, especialistas estimam que de 4 a 10% da população adulta sejam homossexuais ou bissexuais. Nas cidades maiores, a percentagem de homossexuais é maior do que no interior. Isso ocorre provavelmente porque nas cidades há maior aceitação dos homossexuais e mais pessoas com opções sexuais semelhantes.  

As condições para homossexuais são boas no meu país? Dê a sua opinião.

Adaptação: Fabiana Macchi

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