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Suíça numa classe à parte

A situação é essa. Mesmo se você afrontar o desafio de conhecer todos os restaurantes de Gstaad, você ainda permanece da classe média. Keystone

Todo o mundo na Suíça é classe média, segundo o autor do primeiro guia de etiqueta do país. Existem, porém, diferenças: entre os ostentadores, a ‘classe global’ que gosta de aparecer e os outros.

“Há muito poucas diferenças de classes na Suíça,” disse à swissinfo.ch Christoph Stokar, que escreveu ‘Der Schweizer Knigge’ (manual suíço de etiqueta).

“Há quem fale de uma ‘Suíça A” e de uma ‘Suíça B – abarcando a primeira empresas e pessoas que pensam e agem em escala global. Essa categoria A abrange muitos estrangeiros, que geralmente trabalham em grandes multinacionais, que consideram a Suíça como uma base de suas atividades. São pessoas muito preocupadas com status – compram carros, joias e exibem sua riqueza,” afirma Stokar.

“Os suíços ricos de famílias tradicionais não ostentam suas riquezas”, acrescenta. Há um ditado sobre os suíços: você pode ser um milionário mas não o mostre. Claro, essas pessoas também compram diamantes, não pelo tamanho, mas pela pureza da pedra. Buscam qualidade e não quantidade.”

A obra de Christoph Stokar – publicada neste ano de 2013 e disponível apenas em alemão – é um guia divertido, destinado a evitar que, em muitas circunstâncias, o leitor não se ridiculize na sociedade. Exemplos: o que vestir quando de uma entrevista para um emprego, de que modo agir como anfitrião ou participante de jantares para convidados, a maneira de comer alimentos complicados (ostras, são um deles) em restaurantes, dar gorjetas e mesmo navegar nos meios de comunicação sociais.

Os capítulos sempre terminam com ‘faça’ ou ‘não faça’ – “não obrigue os hóspedes a usarem chinelos”, é um exemplo – e inclui vários boxes sobre comportamento profissional. O livro aborda também possíveis dilemas sociais como: um homem deve abrir a porta para uma mulher? É vulgar dizer “saúde”, quando alguém espirra (Veja box).

O homem deve abrir uma porta para a mulher? Segundo Christoph Stokar, a Suíça está mais influenciada pela escola alemã que a escola francesa, “assim, quando um casal entra num território desconhecido – como um restaurante – o homem entra primeiro, no sentido de verificar se tudo está como deve ser. Nos velhos tempos costumava haver bastantes brigas nas tabernas…”

Na França, os restaurantes são considerados mais acolhedores e a mulher entra primeiro. “Sem dúvida, no mundo dos negócios esse comportamento cavalheiresco é um tanto desaprovado – muitas mulheres procedem de maneira quase hostil em tais circunstâncias: dispensam um tratamento preferencial.”

E o que acha de dizer “saúde” quando alguém espirra? Seria vulgar como se considera o “bless you” na Grã-Bretanha?

“Na Suíça praticamos um monte de amabilidades, e achamos ser simpático dizer “saúde” ou “bom apetite.” Mas brindar alguém é bastante complicado. Quando há umas 15 pessoas sentadas à mesa e se decide dirigir um brinde a uma delas, todas têm que se levantar para tocar os copos um por um – é uma complicação dos diabos. Mas tudo isto se explica por esse sentimento de harmonia: você é um de nós, formamos uma nação e pensamos da mesma maneira.”

“Com o ‘saúde’, minha propensão é de que funções corporais não devam ser comentadas – quando alguém emite ventosidade, por exemplo, não dizemos nada! Mas se o Joãozinho espirrasse estrondosamente no ônibus, acho que até eu diria alguma coisa.”

Sem sangue azul

Stokar, 53 anos, que se formou na Escola Hoteleira de Lausanne, antes de se tornar autor, manifestou espanto com o fato de seu livro ser o primeiro do gênero na Suíça, pois na Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos, as prateleiras das livrarias vergam com o peso dos livros de etiqueta.

“Daria para dizer que os suíços são tão bem comportados que não precisam deles”, diz, apontando, entretanto, vários motivos para essa lacuna no mercado.

Um deles, é que as multinacionais, por exemplo, os grandes bancos, ou grandes empresas industriais de serviços, na Suíça, geralmente oferecem a seu pessoal cursos de boas maneiras. O modo de comportar-se faz, então, parte do treinamento.

Ele realça também a falta de aristocracia na Suíça. “Afinal a cortesia vem da corte real, e, no país, nunca tivemos uma realeza. Se você for uma pessoa boa, decente, pode viver a vida toda sem um manual como este”, diz

“Isto já não ocorre na Inglaterra. Se você for convidado para um chá com a Rainha, você precisa saber como tratá-la. Mas se você se sentar ao lado de um ministro do governo suíço – digamos o atual ministro da Economia – você não seria considerado mal-educado ou arrogante se se dirigisse a ele como ‘Sr. Schneider-Ammann’ (atualmente em função). A falta de um passado explica muita coisa.

Nivelador social

Elitismo é um conceito estranho num país onde funciona o consenso e a harmonia. “Não queremos focalizar diferenças; queremos evidenciar similitudes”, diz Stokar.

Na Suíça, não há equivalência de instituições elitistas como as ‘public schools’ britânicas, as ‘grandes écoles’ francesas ou ‘Ivy League Universities’ dos Estados Unidos (grupo de 8 universidades privadas, antigas e prestigiosas). Ele admite, porém, que a situação começa a mudar.  

“Nos velhos tempos, todo o mundo mandava os filhos para escolas públicas para que encontrassem outras pessoas. Mas os que têm uma sensibilidade global preferem enviá-los a escolas bilíngues para aprender chinês ou russo ou o que seja”.

Na Suíça, o maior nivelador social, no entanto, tem sido – pelo menos para os homens – o serviço militar obrigatório.

“O Exército é onde as classes realmente se integram. Não existe uma escola de oficiais em que alguém se torne oficial não tendo sido um soldado e todos têm que seguir as etapas da graduação. Filhos de banqueiros confraternizam-se com filhos de camponeses (caso do atual presidente suíço Ueli Maurer, que vem do meio rural)”.

“Eu mesmo me encontrei com pessoas que normalmente não teria nem conhecido. Foi uma boa experiência. Mas isso também está evoluindo: agora é mais fácil evitar o serviço militar. Anteriormente era realmente complicado livrar-se desse dever.

Adolf Freiherr Knigge (1752 – 1796) era um aristocrata e escritor alemão.

Seu livro mais famoso, escrito em 1788, é ‘Über den Umgang mit Menschen’ (Sobre as Relações Humanas, literalmente).

Sua obra é influenciada pelo pensamento iluminista e é mais um tratado sociológico e filosófico sobre as bases das relações humanas do que a maneira de se comportar nas questões de civilidade e etiqueta. Ela enfoca a conduta apropriada entre as diferentes classes.

No entanto, em alemão, um Knigge (com o g soando como k) tornou-se um vocábulo, com o significado de guia de boas maneiras e etiqueta.

Divisões linguísticas

“Para um inglês é impossível abrir a boca sem fazer que outros ingleses o detestem ou o desprezem”, escreveu o escritor irlandês George Bernard Shaw, há um século. Aparentemente, isso não ocorre na Suíça.

“Podemos zombar das pessoas do cantão do Valais porque não conseguimos entendê-las – e imediatamente reparar em alguém de St Gallen porque o acento dele, para nós de Zurique, pode não ser muito sexy,” diz Stokar.

Ele está consciente, porém, que, se encontrar com uma pessoa numa festa, não consegue, em poucos minutos, saber se ela vem de uma tradicional família suíça rica. “Não pelo que se conversa”.

 Da mesma forma, na Suíça, não há palavras que denunciem a classe social – diferentemente do Reino Unido, onde a classe alta tradicionalmente referindo-se a guardanapos, sofás e toilete, falam, por exemplo, de  ‘napkins’, ‘sofas’ e ‘loos’, enquanto a classe média utiliza ‘serviettes’, ‘settees’ e ‘toilets’.

“Em Basileia e Berna, há famílias tradicionais que podem usar uma antiga forma de dirigir-se às pessoas – um pouco como “Alguém gostaria de um café?” Mas uma verdadeira classe alta, como tal, inexiste.”

A classe dos “cheguei!”

Uma sociedade sem classe significa, então, a morte do esnobismo? Stokar, que nasceu em Zurique – que tem a fama entre os suíços de ser um centro de esnobes – dá risada.

“Não há um esnobismo comparável ao da Grã-Bretanha. Mas esse sentimento de superioridade, ou admiração ao que está em voga, pode ser demonstrado através de produtos”, diz ele.

“Se você comprar um carro dispendioso, na Alemanha está ‘na cara’ que é de oito ou doze cilindros, ou seja o que for. Todo mundo sabe quão possante é seu carro. Mas na Suíça, mais que em outros países, certas pessoas disfarçam esses sinais exteriores no veículo.”

“O sistema é muito igualitário. Na realidade, você pode dividir a Suíça somente entre as pessoas muito abastadas, que usam casacos de pele e ostentam suas riquezas, e as pessoas ‘normais’. Na verdade, mesmo os ricos são classe média.”

Bom, todos são classe media, mas alguns são mais classe média que outros!

Adaptação: J.Gabriel Barbosa

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