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Suíços em Moçambique desde 1730

Emil Abegg faz o descanso do meio-dia (foto: Emil Abegg, 1909/1917) swissinfo.ch

Suíços já viviam em Moçambique no século XVIII. Os comerciantes trabalhavam para a Companhia Holandesa das Índias Orientais.

Comerciantes, missionários, empresários, agricultores, caçadores e aventureiros: o continente negro sempre atraiu suíços.

O livro é um projeto de vida. Seu autor, o suíço do estrangeiro Adolphe Linder nasceu em 1923 em Chinde, província da Zambézia em Moçambique.

Apesar de ter trabalhado grande parte da vida como engenheiro agrimensor na África do Sul, sua paixão era a história. Depois de pesquisar em arquivos europeus e africanos, ele publicou em 1998 a obra intitulada “Os suíços em Moçambique”. A presente reportagem resume um pouco essa pesquisa, que é uma das mais completas já feitas sobre a presença helvética no país africano.

O primeiro registro fala da chegada dos pioneiros: – “Haviam dois suíços e dois cidadãos do Liechtenstein em Moçambique por volta de 1730. Estavam a serviço da Companhia Unida Holandesa das Índias Orientais, que mantinha entre 1721 e 1730 uma povoação e fortaleza na Baía da Lagoa e uma guarnição maioritariamente composta por alemães e holandeses.”

Amendoim e marfim

Melhor documentada é a presença suíça a partir do século XIX. Em grande parte comerciantes, eles chegavam em Moçambique para representar casas comerciais de Marselha. Na época, elas ofereciam bons salários e o continente era considerado promissor.

Enquanto a revolução industrial transformava países como a Inglaterra e Alemanha, Portugal não possuía uma frota mercante considerável ou indústria. Assim o comércio ultramarino era dominado por franceses e holandeses, que empregavam de bom grado os disciplinados cidadãos de um país neutro como a Suíça. Os principais produtos de comércio era o amendoim, borracha, cera e marfim.

“O primeiro suíço conhecido por nós na costa oriental foi Gottfried Höhn, de Zurique, representante da firma Fabre em Quelimane”, conta o livro. “Em 1872 ele recebeu a visita do amigo e aventureiro, o alemão Carl Mauch, que em poucas semanas de estadia chegou a ter quatro ataques de febre.”

Esse entreposto comercial na metade do século XIX era, apesar da importância, um lugar pobre e insalubre, onde alguns soldados portugueses dividiam as poucas casas com comerciantes europeus e indianos. Os africanos viviam em pequenas aldeias ao redor da cidade.

Missionários na capital

A localidade de Lourenço Marques, o antigo nome de Maputo, foi elevada a cidade em 1887. Um ano mais tarde foi inaugurada a iluminação pública com candeeiros a gás.

Além dos comerciantes suíços que já viviam no país, nesse ano aparece um novo tipo de migrante helvético: os missionários. Os primeiros foram o casal Paul e Ruth Berthoud, que chegaram a Moçambique em cinco de julho de 1887 depois de terem viajado semanas em carros de boi a partir de Lesoto, onde já atuavam numa missão.

Paul Berthoud havia perdido toda a sua família nos primeiros anos passados na África devido às doenças e outras adversidades, mas via no seu trabalho uma missão de vida. Nesse período ele chegou a escrever o primeiro livro de alfabetização e também a primeira bíblia em língua tsonga.

Casado com sua segunda esposa, ele não tinha medo de Lourenço Marques que, nessa época, tinha a fama de ser a “sepultura dos brancos” devido ao seu clima pouco saudável para os estrangeiros. Mais de dois mil habitantes viviam por lá.

Três anos depois da chegada, o casal comprou um terreno e construiu uma igreja de madeira e folha de zinco com capacidade para 600 pessoas. Começava então a saga da Missão Suíça no país, que não se limitaria mais a pregação da Bíblia, mas também abriria escolas, quebrando a política segregacionista dos portugueses em relação à educação dos povos colonizados.

Empresas suíças

Segundo o censo populacional, oito suíços viviam em Lourenço Marques em 1894. A abertura do tráfego ferroviário com a província sul-africana do Transvall e a elevação da cidade a capital de Moçambique em 1898 acelerou o processo de desenvolvimento. Um ano depois, 2.236 europeus eram contados na população. Desses, 18 eram suíços e grande parte comerciantes.

Dezenas de empresas helvéticas chegaram e se instalaram em várias cidades de Moçambique. Algumas atuaram no país até a proclamação da independência em 1975. Outras marcaram a história moçambicana pela dimensão que tomaram.

Uma delas é a Companhia do Boror, que foi criada em 1892 pelo suíço Joseph Emile Stucky de Quay para ajudar os portugueses a colonizar o país e que chegou, nos seus anos áureos em 1929, a ter uma área plantada de 14 mil quilômetros quadrados, dois milhões de coqueiros plantados, 600 árvores de borracha e algumas plantações de sisal.

Como uma das maiores empresas privadas de Moçambique, a Companhia do Boror terminou sendo nacionalizada nos anos que seguiram a independência.

O vôo do “Switzerland II”

Em 20 de novembro de 1926, o aviador Walter Mittelholzer chegou a Quelimane pilotando um hidroavião batizado com o sugestivo nome de “Switzerland II”. A viagem começou em Zurique, passado pelo Cairo, no Egito e fez uma parada em Moçambique. O destino final era a Cidade do Cabo, na África do Sul.

A viagem conseguiu ser feita em 22 etapas. Ela durou de 6 de dezembro de 1926 a 21 de fevereiro de 1927. Um dos objetivos era conseguir realizar uma travessia da Europa à África pousando em pistas de terra não preparadas.

No banco de passageiros foram outros dois suíços: Hans Hartmann, mecânico-chefe da companhia aérea suíça Ad Astra (mais tarde Swissair) e Albert Heim, cientista naturalista da Escola Politécnica de Zurique.

Os cronistas da época não poupam os adjetivos para descrever a chegada: – “Na manhã seguinte chegaram à Beira depois de um vôo de apenas 55 minutos”. Deram duas voltas de honra antes da aterragem, durante as quais as estradas se encheram de pessoas e aterraram no cais. Na margem tinham se juntado mil espectadores, os quais gritavam vivas à tripulação.

Também Mittelholzer se sentiu como um herói: – “Durante a nossa estadia em Moçambique fomos inundados por convites e festas sem paragem. As autoridades portuguesas e os nossos compatriotas excediam-se neste aspecto”.

Provavelmente o Switzerland II era o primeiro avião a aterrar nas três cidades portuárias de Beira, Inhambane e Lourenço Marques.

Escolas da Missão Suíça

Além da evangelização, uma das principais tarefas dos missionários suíços era ensinar jovens e idosos a ler e escrever na própria língua. O trabalho se justificava por uma questão prática:

– “Quem pensa em missões, pensa também em escolas. Uma das prioridades do missionário, após chegar no seu destino, é juntar as crianças e adultos para os ensinar a palavra de Deus, a Bíblia. Por isso tem de aprender a ler e escrever”, escrevia o suíço Pierre Loze em 1922.

Em 1907, as autoridades coloniais portuguesas restrigiram o ensino das línguas locais aos primeiros três anos escolares. Depois o único idioma permitido na escola era o português. A partir desse momento, o conflito entre os missionários e o Estado virou uma constante.

A gota d’água ocorreu em 1929. Nesse ano, uma denúncia feita na Sociedade das Nações em Genebra (a ONU atual) contra Portugal, afirmando que o país praticava uma espécie de escravatura com suas leis de trabalho forçado, provocou a reação imediata das autoridades. Uma grande parte das escolas mantidas por estrangeiros, incluído as 100 da Missão Suíça em Moçambique, foi obrigada a fechar.

Para contrapor o clima pouco favorável ao ensino em Moçambique, a Missão Suíça criou no mesmo ano os chamados “Ntlawa”, grupos jovens que se reuniam para discutir, ler em conjunto ou escutar palestras. Esse e outros projetos educacionais dos religiosos suíços terminou por influenciar uma geração de moçambicanos. O mais conhecido deles foi Eduardo Mondlane, fundador histórico da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e assassinado por uma carta-bomba em 1969.

Depois de ter estudado em escolas de missionários suíços em Mausse, ele chegou a ser chefe dos ntlawas de Lourenço Marques em 1938. Ele também recebeu ajuda financeira da Missão para realizar uma parte dos estudos, assim como outros moçambicanos da sua época.

Médicos

Desde o início das suas ações na África, a Missão Suíça atuou no setor de saúde. O primeiro médico enviado foi o Dr. Georges Liengme, que em 1892 inaugurou um posto de saúde e evangelista em Ngungunyane.

Apesar do bom relacionamento com os moçambicanos e as autoridades portuguesas, seu trabalho acabou sendo influenciado por uma guerra tribal. Depois que ela terminou com a prisão de um chefe local, os portugueses acharam que os suíços haviam fornecido armas aos revoltosos. Assim eles expulsaram o Dr. Liengme, que abriu em Transvaal o conhecido hospital missionário de Elim em 1899.

Outro exemplo do trabalho da missão foi a campanha da Cruz Azul, lançada em 1917 pelo missionário suíço Georges de Tribolet. Seu principal objetivo era combater o alcoolismo, um problema que se tornava cada vez mais grave na sociedade devido à comercialização crescente de vinho e aguardente por parte de comerciantes estrangeiros.

Durante 110 anos, de 1887 a 1997, 17 médicos missionários, 44 enfermeiras e 11 enfermeiros foram enviados para Moçambique. Em 1960, a Missão Suíça tinha dois grandes hospitais: um em Lourenço Marques, construído em 1941, e outro em Chichumbane. Em 1967 a enfermeira suíça Marianne Gay abriu uma escola de enfermagem em Chicuque, próximo a Inhambane.

Cooperantes

A guerra pela libertação de Moçambique durou de 1964, quando os primeiros combatentes da FRELIMO entraram no país a partir da Tanzânia, até 1974, quando um governo de coligação assumiu a administração do país. Um ano depois o país declarou sua independência.

Com a introdução do comunismo, grande parte dos estrangeiros e empresários abandonou Moçambique. Dos missionários suíços, apenas 16 permaneceram, dentre eles o conhecido Dr. Gagnaux, que nos últimos anos da guerra civil foi assassinado e depois condecorado como herói nacional (ver reportagem: “Uma família quase moçambicana”).

Porém a presença suíça não morreu nessa época. No lugar dos missionários, chegaram os chamados “cooperantes internacionalistas”. Mais de 40 vieram voluntariamente para trabalhar em diversas profissões, uma grande parte da Basiléia como o gráfico Hans Schilt (ver reportagem “Eles confiavam em mim”). Isso se deve à atuação das várias associações de amizade a Moçambique que atuavam nessa cidade e ao bom contato com o ministro da Saúde da Frelimo, Hélder Martins, que viveu durante muito tempo por lá como refugiado.

Com o fim da guerra civil após a assinatura do tratado de paz em 1992, a presença helvética no país começou se normalizar. Funcionários suíços da Cruz Vermelha Internacional, Cooperação Suíça e outras ONGs atuam hoje em dia em diversos projetos pelo país. Ao mesmo tempo, outros representantes do país dos Alpes escolheram Moçambique como local de investimento ou trabalho (ver reportagem “Todo dia é pôr-do-sol”). As últimas estatísticas oficiais da embaixada suíça mostram que 143 cidadãos estão vivendo no país. “Mas eu acho que esse número é muito maior”, afirma uma funcionária do consulado.

swissinfo, Alexander Thoele

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