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As empresas devem se responsabilizar por seus atos

Carlos E. Represas
"Eu valorizo o espírito de trabalho e o gosto pelas coisas bem-feitas da Suíça, do México, a criatividade e lealdade de seu povo", diz Carlos E. Represas swissinfo.ch

Mexicano nascido no Brasil, mas desde seus primeiros meses de vida estabelecido no cantão de Vaud, Carlos Eduardo Represas sempre teve sua trajetória de vida ligada à Suíça.

Homem-chave da Nestlé durante 42 anos, onde ocupou cargos como a presidência das Américas (do Alasca à Patagônia), ele destaca nesta entrevista para swissinfo.ch que as “pequenas economias” (os pequenos países) são tão importantes quanto as grandes.

swissinfo.ch: Sua mãe é brasileira e seu pai é mexicano, mas a Suíça foi a grande constante em sua vida…

Carlos Represas (C.R.): De fato eu nasci no Brasil, mas antes de completar um ano fomos morar em Tour de Peils, no cantão de Vaud, onde ficamos até os meus quatro anos de idade. Era a época do pós-guerra. Depois, por razões familiares, nos mudamos para o Brasil por dois anos e mais tarde para o México, onde fiz a maioria dos meus estudos e concluí a graduação em Economia na Universidade Nacional Autônoma do México, a UNAM.

swissinfo.ch: E foi nesta etapa que o acaso o levou novamente às terras helvéticas?

C.R.: Enquanto cursava a universidade eu também trabalhava no Ministério das Finanças do México. E lá recebi uma oferta do governo para participar de uma bolsa de estudos das Nações Unidas na London School of Economics. Era uma grande oportunidade. Porém, simultaneamente, o Sr. Andrés Müller me convidou a trabalhar para a Nestlé nos Estados Unidos. Eu não podia trabalhar para a Nestlé México porque meu pai trabalhava lá, mas ele queria que eu fizesse parte do time Nestlé. Então tive que decidir se ia para o serviço público ou para a iniciativa privada.

Quem é Carlos E. Represas?

Se formou como economista na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e fez pós-graduação no Instituto de Métodos de Gestão de Empresas (IMEDE) de Lausanne, entre outras instituições internacionais. Sua carreira na Nestlé começou em 1968 em Nova York e durou mais de quatro décadas. Trabalhou para a gigante suíça em países como Brasil, Espanha, Equador, Venezuela e México e também em território helvético. Atualmente, preside o Capítulo México na Câmara de Comércio Latino-Americana de Zurique, é conselheiro da Swiss Re e membro do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL), entre outros cargos.

swissinfo.ch: E escolheu a Nestlé…

C.R.: Eu dediquei um fim de semana inteiro para refletir sobre o assunto. Em um caderno desenhei uma linha vertical e de cada lado escrevi os prós e contras do setor público. E fiz o mesmo com o setor privado. Decidi aceitar o convite da Nestlé porque eu sabia que no setor público a minha dedicação e esforço me permitiriam chegar a um certo nível, mas depois seriam outros os fatores que passariam a determinar o meu progresso. No privado havia mais oportunidades de ser o arquiteto da minha vida. Propus então casamento à minha namorada, nos casamos e mudamos para Nova York. Ficamos lá por dois anos. Regressamos ao México 16 anos depois, já com três filhos e a experiência de trabalho para a Nestlé no Brasil, Estados Unidos, Espanha, Equador e Venezuela.

swissinfo.ch: Você retornou ao México em 1983 para assumir a Presidência e a Gerência Geral do Conselho de Diretores. Foi seu pai quem lhe passou o cargo, certo?

C.R. : Sim, meu pai havia se aposentado da Direção-Geral em 1976 e ainda estava na presidência do Conselho. E eu assumi a posição que ele ocupava. Foi a única vez na história da Nestlé que um pai entregou uma posição a seu filho. Eu exerci as duas responsabilidades por 11 anos. E, em 1994, me mudei para a Suíça quando a Nestlé decidiu agrupar sob um mesmo comando a região da América do Norte e da América Latina, através da Presidência das Américas, cargo que tive até 2004. Essa década me permitiu fortalecer muito os meus laços com a Suíça.

swissinfo.ch: Você permaneceu na Nestlé até 2010 e hoje segue ativo como consultor e membro dos conselhos de administração de diferentes empresas. O que você mais valoriza no ambiente de trabalho suíço?

C.R.: Valorizo profundamente o espírito do trabalho helvético, a dedicação, honestidade e respeito pelo outro, e também o gosto pelo bem feito. Não é por acaso que são os melhores relojoeiros. Eu também valorizo a beleza das suas paisagens e a sua qualidade de vida. Este último ponto é importante porque padrão e qualidade de vida são coisas distintas. E a Suíça tem ambos. O padrão está relacionado ao fator econômico. Já a qualidade se vincula, por exemplo, à pureza do ar que você respira, ao respeito ao próximo ou à sensação de segurança.

swissinfo.ch: E nessa fusão de culturas o que você mais valoriza no México e na América Latina, no aspecto profissional e no pessoal?

C.R.: O calor do povo, o sentimento de amizade, o conceito de família. Este último muito mais sólido e enraizado do que na Suíça. No México, por exemplo, há lealdade familiar, social, política e religiosa. São valores extraordinários. Em termos de trabalho, o mexicano é criativo por natureza e tem uma habilidade manual impressionante.

swissinfo.ch: O que a América Latina pode aprender com a maneira de trabalhar e fazer negócios da Suíça?

C.R.: O conceito de transparência. A América Latina deve trabalhar nisso e também podemos aprender a perseverar. Na Suíça tem um ditado que diz que você não precisa ser o melhor em nada, mas simplesmente ser um pouco melhor a cada dia. Isso é tudo. A visão de longo prazo é outro ponto. Na América Latina ela tende a ser de curto prazo.

swissinfo.ch: Para a Secretaria de Estado da Economia (Seco), o México e o Brasil são os países com maior potencial econômico para as empresas suíças. Concorda com esta visão?

C.R: Sem dúvida o México e o Brasil oferecem o maior potencial. Entre outras coisas, porque juntos representam 70% do PIB latino-americano. Mas jamais devemos esquecer dos outros países, por menores que sejam, e isso também aprendi na Suíça. Quando estava na Nestlé Equador eu entendi que os suíços tem muito claro que frequentemente a importância é inversamente proporcional ao tamanho de um país. O fato de ser pequeno não o torna menos importante.

swissinfo.ch: Você também trabalhou muito em questões de governança, uma qualidade que faz falta na América Latina. O quanto avançamos e onde devemos redobrar nossos esforços?

C.R: Se avançou muito na governança corporativa em nível global. Mas há que se continuar trabalhando. A existência do chamado acionista ativista reflete a falta de ouvidos e de visão dos conselhos de administração e diretorias gerais das empresas. Quanto mais você ouvir os acionistas, grandes e pequenos, e refletir sobre suas contribuições, colherá melhores resultados.

swissinfo.ch: E falando em governança corporativa e prestação de contas, qual a sua opinião sobre empresas nem sempre assumirem a responsabilidade por decisões erradas que tomam?

C. R.: É uma matéria sempre delicada, mas acredito firmemente que, independentemente do setor que se trate, são sempre as empresas que devem viver as consequências das decisões de seu corpo diretivo e conselho de administração. Certamente o setor financeiro é parte de um quadro diferente. É o depositário da poupança das pessoas e se você viver as consequências dos seus erros seriam os poupadores que pagariam, o que poderia causar uma hecatombe em um país ou em vários. Daí, os resgates das autoridades monetárias. Mas o que deve ser feito é trabalhar na prevenção, evitar correr riscos desnecessários. A Lei Dodd-Frank buscava esse objetivo. Agora o presidente Trump quer desmantelá-la. O desafio é encontrar um equilíbrio entre evitar o excesso de regulação nociva e obrigar as empresas a não assumir riscos extras, porque isso permitirá construir economias mais saudáveis, independentemente de seu tamanho.

Adaptação: Tom Belmonte

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