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Quando poucas gotas de saliva podem mudar a sua vida

Uma boca aberta e uma mão com uma paleta para recolher amostras
Uma amostra de saliva é suficiente para detectar a origem ou predisposição a doenças. Keystone

As análises genéticas estão na moda, no mundo e na Suíça. Elas são usadas para descobrir as próprias origens, reencontrar os familiares, diagnosticar doenças ou programar dietas e atividades físicas personalizadas. Os testes de DNA prometem fornecer muitas respostas. Ao mesmo tempo, os exames provocam tantas outras interrogações.

“Fazia tempo que eu esperava por esta mensagem! Finalmente, tenho a resposta de um enigma que me acompanhou por toda a vida”. Quando Damien* encontrou esta mensagem na caixa postal eletrônica ficou petrificado. Não tinha imaginado que essa ‘brincadeira’ marcaria a sua existência. “Descobri um segredo de família”, confessa o especialista suíço de segurança informática. Por motivos de discrição, ele prefere manter o anonimato.

Quem é mais “neanderitaliano”?

“Tudo começou com uma aposta contra a minha mulher. Queríamos saber quem estava mais próximo do Homem de Neanderthal. Quem perdesse ofereceria uma bisteca ao outro”, conta Damien.

O casal de Lausanne procurou a americana 23andMe, uma das principais empresas especializadas em análises de DNA. “Recebemos o kit pelos correios. O teste é muito simples: basta esfregar um cotonete dentro da boca. Depois, enviamos a saliva coletada aos Estados Unidos. Tudo ao custo de 300 francos suíços”, explica ele.

Como Damien e a mulher, existem muitas pessoas que se submetem ao exame de DNA. De acordo com estimativas do setor, os testes genéticos vendidos ao consumidor (‘direct-to-consumer’) mais do que dobraram e superaram os 12 milhões.

Os testes genéticos tornaram-se uma fonte de negócios, na Suíça e no estrangeiro. Tudo isso graças aos progressos tecnológicos, às melhorias da qualidade dos resultados e, principalmente, a uma evidente redução de custos do mapeamento da sequência do DNA. 

O maior banco de dados do mundo

“Sem dúvida alguma, estamos diante de um fenômeno de moda, em crescimento. Por outro lado, saber de onde viemos é uma necessidade humana”, nos diz Caroline Barkan, especialista em genética do DNA, no iGENEALink externo, uma empresa com sede em Baar (cantão Zurique) e que propõe os testes para descobrir as próprias origens. Ela informa ainda que, se quiser, o cliente pode também comparar o seu genoma com aquele de personagens famosos, com Napoleão ou Tutancâmon.

Teste de DNA na Suíça

Na Suíça, existem 14 empresas ativas no mercado dos exames genéticos. As principais são ProGenom (fitness/alimentação), Soledor (fitness/alimentação) e iGENEA (genealogia).

As empresas estrangeiras que oferecem os seus serviços (online) aos clientes suíços somam 400.

Anualmente, iGENEA vende cerca de 3.500 exames. O preço de uma análise vai de 240 a 1.400 francos. Em linha de máxima, o valor do “business” gira em torno dos 5 milhões de francos.

Fonte: Análise de mercado realizada em 2015 pelo escritório de consultoria BSS-BASEL.

Os testes são realizados num laboratório nos Estados Unidos. “As análises autossomas (ou seja, exames de cromossomos não sexuais) exigem aparelhos especiais. Não creio que existam laboratórios equipados assim, aqui na Europa”, diz.

A clientela é variada. “Pessoas adotadas, órfãos ou simplesmente gente que quer completar a árvore genealógica da família”, indica Barkan, sem, entretanto, fornecer estatísticas sobre o número de pedidos.

A única cifra revelada indica os perfis cadastrados no banco de dados de iGENEA, administrado junto com outras empresas e a National Geographic Society: “Existem cerca de 700 mil. Trata-se do maior banco mundial de dados por perfis genéticos” afirma Barkan.

21,9% que reviraram a existência

O teste de Damien chegou depois um mês de expectativa. Incrédulo, ele descobriu que a sua família, inesperadamente, tinha aumentado muito. “Existiam 1.033 pessoas que compartilhavam, pelo menos, 0,5% dos meus genes. Em teoria, elas seriam meus primos de quarto ou quinto grau”, conta.

Em particular, um dado chamou a atenção. “No topo da lista, tinha um homem que vivia nos Estados Unidos, um tal de Jake, com quem a semelhança alcançava 21,9%. Segundo 23andMe, tratava-se do meu avô paterno. Mas eu o tinha conhecido e estava morto. Pensei que o teste fosse suspeito ou que tivesse havido uma contaminação”.

Damien convenceu-se que tinha jogado dinheiro fora. Mas contatou o “avô” Jake e perguntou-lhe se tinha alguma relação com a Suíça. Dois dias depois, ele receberia a mensagem indicada no começo deste artigo.

“Me contou que tinha sido adotado assim que nasceu. Por anos a fio, brigou com o estado de Ohio para ter acesso à sua certidão de nascimento original. Assim que conseguiu ter o documento, foi atrás da mãe biológica, em vão. A única coisa que sabia era que a mãe (biológica) tinha sido casada com um homem de negócios suíço. E este homem eu conhecia muito bem:  era o meu pai!”, conta Damien, ainda sem acreditar de ter encontrado, do outro lado do mundo, um irmão de quem ignorava a existência.

Lei pouco clara

Os exames genéticos não se limitam a fornecer indicações sobre a própria identidade e as relações entre parentes. Nos últimos anos, cada vez mais empresas propõem os testes para fins diferentes como a descoberta da dieta ideal ou a atividade física mais adaptada e, ainda, à propensão de infortúnios. Esses testes são chamados de exames “lifestyle” e que, na Suíça, podem ser comprados nas farmácias ou nos centros de estética. 

Entretanto, mais do que levantar interrogações sobre a confiabilidade – que alguns médicos comparam àquela de um horóscopo- esses testes preocupam as autoridades.

A lei federal sobre os exames genéticos em seres humanos (LEGU), em vigor desde 2007, envelheceu diante da situação atual, revelou o governo suíço. Por exemplo, ela não disciplina, de maneira suficiente, o uso comercial dos exames de DNA, em particular, quando eles são oferecidos por empresas estrangeiras. 

Mais ainda: a lei não faz uma clara distinção entre os testes de “lifestyle” e aqueles no âmbito médico, em casos de doença hereditária, síndromes ou predisposição a algumas patologias, como um tumor.

Privacidade e ética

Para “prevenir os abusos e garantir a proteção da personalidade”, o governo apresentou um novo projeto de leiLink externo. Atualmente, ele está sob avaliação do Parlamento (ver detalhes ao final da reportagem).

Um primeiro e significativo sinal chegou em fevereiro deste ano do Conselho Nacional (Câmara dos Deputados). Ela aceitou a revisão com uma ampla maioria. Em particular e na direção oposta àquela indicada pela comissão competente, estabeleceu-se que as seguradoras proponentes de apólices de vida inferiores aos 400 mil francos não devem ter acesso aos resultados dos testes que revelam a predisposição ou os riscos de contrair determinadas doenças.

Joëlle Michaud, diretora científica de Gene Predictis, um laboratório especializado em exames genéticos e reconhecido pelo Ministério da Saúde, afirma que os dados estão bem protegidos se os testes são realizados na Suíça. “Os resultados devem ser transmitidos apenas ao médico que pediu o exame. Ele é quem deve comunicar ao paciente. Não existem bancos de dados comuns ou federais para estes testes”, diz para a swissinfo.ch.

Porém, estas considerações são insuficientes para eliminar as dúvidas de quem se preocupa com a privacidade ou as questões éticas. A associação suíça BiorespectLink externo pretende dar aos cidadãos informações sobre os aspectos críticos das análises genéticas. Por exemplo, ela alerta que a lei sobre a proteção dos dados contempla o tratamento das informações genéticas apenas de maneira “muito superficial”.

Por sua vez, Ruth Baumann-Hölzle, diretora do instituto Dialog EthikLink externo, recorda os riscos expostos às pessoas que se submetem ao exame genético. Descobrir de ser portador de uma doença pode aumentar o índice de suicídio, explicou em uma entrevista dada ao canal de televisão SRF.

Preparar-se para imprevistos

Damien está consciente dos riscos. “Eu ponderei. Não me agradava a ideia de que o meu genoma fosse colocado à disposição de um banco de dados. Não existe nada mais privado do que um código genético”, observa o especialista em segurança informática.

O conselho que pode dar aos potenciais interessados, porém, tem a ver com o campo emocional. “A descoberta do irmão me deu, claro, muito prazer. Mas foi um choque. Meu pai já tinha morrido fazia tempo. Mas como seria se ele ainda estivesse vivo? Então, sugiro que uma pessoa deva preparar-se para qualquer eventualidade”.

No caso dele, tudo “deu certo”, observa. Quase todos os dias, ele fala com Jake e, talvez, neste verão, ambos irão se encontrar pela primeira vez. “Ao final…ganhei um irmão e uma bisteca”, diz. Sim, porque ele venceu a aposta. No casal, foi a mulher quem mais resultou ‘neandertaliana’.

*identidade conhecida pela redação

O que diz a nova lei?

A revisãoLink externo da Lei federal sobre exames genéticos em seres humanos (LEGU) deve regulamentar todos os exames genéticos, ou seja, também aqueles realizados sem indicações médicas.

Como princípio básico, os testes de DNA em contexto ambulatorial, continuarão a ser prescritos apenas pelos médicos. Entre as novidades, está a regulamentação da gestão das informações em excesso: a pessoa vai poder indicar quais dados devem ser comunicados. E vai ser proibido transmitir às companhias de seguro os resultados de exames genéticos realizados anteriormente e informar aos pais o sexo do feto, antes do fim da 12° semana de gravidez.

Já os exames genéticos poderão ser oferecidos diretamente aos consumidores, mesmo através de Internet, se não apresentam um potencial abuso ou discriminação como, por exemplo, o teste sobre a estrutura dos cabelos. Em caso contrário, por exemplo, os exames sobre atividades esportivas deverão ser prescritos por profissionais ligados à saúde. Nem o patrão e nem a companhia de seguros poderão exigir ou usar os dados genéticos.

Adaptação: Guilherme Aquino

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