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Uma exposição para olhar a morte de perto

Heiner Schmitz (26/11/1951-14/12/2003), primeiro retrato em 19/11/2003 Walter Schels

Durante um ano, a jornalista Beate Lakotta e o fotógrafo Walter Schels acompanharam doentes terminais em diversos hospitais de Hamburgo e Berlim.

O trabalho dos dois alemães resultou em fotografias e relatos emocionantes, exibidos agora em Berna, e que mostram um lado pouco conhecido do último tabu da humanidade: a morte.

As pessoas caminham em silêncio e observam cada detalhe com atenção. Algumas precisam retirar o lenço para secar discretamente algumas lágrimas que descem o rosto. Muitas passam minutos fixando as grandes imagens. O ambiente é de silêncio, reflexão e respeito.

De fato, o tema da exposição está muito mais próximo das pessoas do que elas gostariam. Intitulada “Viver mais uma vez antes da morte”, ela é um sucesso que já trouxe mais de 2.300 visitantes ao espaço cultural Kornhausforum, em Berna, desde que foi aberta ao público em 17 de outubro.

No grande salão são exibidos cinqüenta gigantescos retratos em preto-e-branco que contam a história de vinte e cinco doentes terminais, internados em hospitais de Berlim e Hamburgo entre 2003 e 2004. São sempre duas fotos: uma mostra a pessoa em vida e a outra, após o falecimento.

Tudo fica importante

Uma delas é a de Wolfgang Kotzahn, atingido por um fulminante câncer no pulmão e no último estágio da doença. “Hoje completo 57 anos. Nunca pensei que ficaria velho e que também poderia morrer tão cedo. Porém, a morte não conhece idade. Só me espanto de ter aceitado isso tão facilmente”, revelou. A resignação fez com que Kotzahn abrisse seus olhos para os mais ínfimos detalhes da vida. “Nunca havia dado atenção às nuvens. Agora vejo tudo com muita atenção: cada nuvem na janela e cada flor nos vasos. De uma só vez, tudo ficou importante.”

Alguns dos rostos transparecem paz e relaxamento. Outros não escondem a revolta. Para compreendê-los, é necessário ler cada descrição. “Os textos são uma ponte para as fotos”, explica o autor e fotógrafo alemão Walter Schels, nascido em 1936, conhecido também por suas caracterizações de personalidades.

Durante um ano, ele trabalhou junto com sua esposa, Beate Lakotta, uma premiada jornalista de 39 anos e redatora de ciência da revista Spiegel, para realizar todos os perfis. O local de trabalho foram os chamados “Hospizen”, instituições comuns em quase todos os países europeus e que, ao contrário dos hospitais, recebem apenas doentes terminais já desenganados pelos médicos. “Quem chega nelas tem a consciência de que o fim chegou”, diz Lakotta.

Deus é justo?

Heiner Schmitz, 52 anos, era executivo de uma grande agência de propaganda em Hamburgo quando os médicos lhe revelaram que o câncer que devorava seu cérebro não tinha mais cura. Foi apenas nesse momento que o autodenominado workaholic descobriu a fragilidade do próprio corpo.

Os detalhes anotados por Lakotta personalizam cada uma das situações, sem cair no piegas. “Os colegas da agência vinham sempre visitá-lo em dupla. Eles tinham medo de ficar sozinhos com Heiner. O que falar com alguém condenado à morte?”, conta. Ela também revela que Heiner até era capaz de ser sarcástico. “Eles me desejavam melhoras e diziam – ‘Ei Heiner, não se preocupe, pois você logo vai estar de pé’. Ninguém me perguntava como me sentia. O fato é que eu penso todos os segundos na morte. Eu vou morrer!”

Abaixar a cabeça e refletir. As imagens foram feitas com tanta proximidade, que seria até possível sentir a respiração dos retratados. As histórias que as acompanham reforçam ainda mais a impressão de estar envolvido nos dramas pessoais de cada um. A descoberta mais marcante é que todos fazem um balanço de vida. Uns aceitam com placidez, e até otimismo, a morte. Outros não escondem a frustração com uma vida mal concluída.

A última promessa

Silke Boehmfeld recusava-se a aceitar seu destino. Essa alemã tinha apenas 30 anos quando o câncer nos seios foi diagnosticado. Logo depois, os médicos descobriam em Jannick, seu filho de seis anos, um raro tumor.

Às vezes, ela perguntava por que Deus cometia uma injustiça tão grande de querer levar, de uma só vez, dois membros da mesma família. Em outros dias, ela juntava forças para cumprir sua promessa: morrer só depois do filho. A luta dos dois foi inglória, mas ela ainda conseguiu sobreviver quatro meses ao falecimento de Jannik.

Também os pais da pequena Elmira Sang Bastian, um bebê de apenas 17 meses, não compreendiam a lógica divina. “Isso é uma prova? Eu sempre tentei ser uma pessoa boa. Leio todos os dias o Corão e procuro respostas. Ninguém me pode fornecê-las?”, perguntava-se a mãe de Elmira.

Ela não compreendia porque a filha nasceu com um tumor enquanto a irmã gêmea era saudável. “Deus me deu duas crianças e agora retira uma de mim?” Quando o bebê parou de respirar, seus pais pareciam conformar-se com o destino. “Pelo menos ela pôde viver”, disseram antes de ler a 36ª sura do Corão, a que fala sobre a ressurreição dos mortos, para a filha sobrevivente.

Já Ursula Appeldorn, 57 anos, outra das retratadas, via a situação com outros olhos. Talvez devido à sua avançada demência, ela não percebia que o Hospiz era a última etapa. Depois de ajeitar as bonecas na cômoda do quarto, ela mostrou à jornalista que se sentia em casa. “Antes era doente, mas agora que comecei a tomar medicamentos já estou completamente saudável. Você se incomoda se eu fumar?”

A morte já foi algo natural

Pelo trabalho realizado, Schels e Lakotta ganharam o Prêmio “Hansel-Mieth” para reportagens engajadas e também o Prêmio Social Alemão. Os retratos também receberam o segundo prêmio no concurso “World Press Photo” de 2004, o Lead Award 2004 e uma medalha de ouro do Clube de Diretores de Arte.

Mais do que o reconhecimento, Beate Lakotta vê na exposição uma contribuição cultural. “Antes a morte era algo comum que ocorria no seio da família. As pessoas vivenciavam-na no seu cotidiano, nas suas casas. Hoje ela ocorre distante dos nossos olhos, nos hospitais ou outras instituições especializadas.”

Em sua opinião, esse isolamento faz com que as pessoas tenham medo de algo que é a conseqüência natural da vida. “As pessoas acham hoje em dia que a morte é algo de perigoso, que traz medo, e que deve estar longe delas. Ninguém sabe mais como se morre”, explica.

Lakotta até cita um caso concreto. “Um médico me contou que acompanhava o falecimento de uma idosa e percebeu o transtorno que isso causava nos seus oito filhos. Ele percebeu que nenhum deles tinha visto na vida alguém morrer.”

A jornalista revela também que, apesar de um receio inicial, não teve dificuldade para convencer os doentes a posar para seu marido e contar-lhe suas histórias. “Depois da surpresa inicial, a maioria se oferecia sem problemas. Eles até ficavam aliviados de poder falar sobre o que é estar morrendo, algo que ninguém das suas famílias estava preparado para escutar.”

swissinfo, Alexander Thoele

Entre 17 de outubro (data de abertura) até 2 de novembro, 2.392 pessoas visitaram a exposição “Viver mais uma vez antes da morte” no espaço Kornhausforum, em Berna.

Ela permanece aberta até 16 de novembro de 2008 na capital suíça, devendo ir posteriormente para Innsbruck e Viena, Áustria.

KORNHAUSFORUM
Kornhausplatz 18
CH-3011 Bern
Fon ++41 31 312 91 10
Fax ++41 31 312 91 13
info@kornhausforum.ch

Walter Schels nasceu em 1936 em Landshut, Alemanha. Ele trabalhou como decorador de vitrines em Genebra, Barcelona e Canadá, até descobrir a fotografia como paixão. Em 1966, foi à Nova York fazer um curso profissionalizante e retornou à Alemanha em 1970, onde iniciou seus primeiros trabalhos fotográficos em revistas de moda, semanários e na propaganda. Schels tornou-se conhecido através dos perfis de artistas, políticos e outras celebridades.

Beate Lakotta nasceu em 1965, em Kassel, na Alemanha. Ela estudou Alemão e Ciências Políticas em Heidelberg. Desde 1999, trabalha como redatora da editoria de ciência da revista Spiegel. Ela já recebeu diversos prêmios por reportagens publicadas no semanário alemão.

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