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Uma monarquia em apuros

Castelo no fundo e pessoas
Habitantes de Liechstenstein comemoram o Dia Nacional frente ao castelo, onde vive a família real, em 15 de agosto de 2018. KEYSTONE/PATRICK HUERLIMANN

Eleições parlamentares ocorridas no domingo (08/02) em Liechtenstein provocam uma reviravolta política e derrubam o atual governo do país vizinho à Suíça.

Em meio à crise econômica e às fortes pressões internacionais contra seu mercado financeiro, a pequena monarquia alpina e paraíso fiscal procura novos rumos. Em jogo está o próprio futuro daquele que ainda é um dos países mais ricos do mundo.

As vitrines das lojas de artigos de luxo e dos bancos continuam reluzindo. Quase todos os veículos trafegando nas suas ruas são da categoria de luxo para cima. Porém, por detrás da fachada de contos de fadas, o Principado de Liechtenstein está em ebulição. O medo e resignação dos agentes fiduciários e banqueiros já se espelha até nos mais simples cidadãos do microestado.

No último domingo a população de Liechstenstein elegeu o novo Parlamento. Com a participação recorde dos eleitores (90% do colégio eleitoral de 18.604 cidadãos), o resultado foi uma catástrofe para o Partido Desenvolvido dos Cidadãos (FBP, na sigla em alemão), que perdeu 5,2 pontos percentuais alcançando apenas 43,5% dos votos. Já a segunda maior agremiação política do país, o também conservador União Patriótica (VU), ganhou 9,4 pontos e chegou a 47,6% dos votos, conquistando a maioria parlamentar.

Logo após a publicação dos resultados, o atual chefe de governo, Otmar Hasler (FBP), anunciou sua renúncia. Seu vice, Klaus Tschütscher, membro do partido rival, será eleito pelo novo Parlamento, composto por 25 membros, o novo ministro-presidente de Liechstenstein. A nomeação deverá ser confirmada pelo príncipe regente Alois von und zu Liechtenstein.

Escândalo fiscal

Sem ter sido notada pela imprensa estrangeira, a campanha eleitoral no principado foi tão passional e exaltada como nos grandes países. Os principais temas foram a disputa fiscal entre Liechstenstein e a Alemanha, o recente acordo de cooperação fiscal com os EUA e a pressão crescente da União Européia contra o seu mercado financeiro. Em jogo: o futuro do principado.

A disputa com o grande vizinho teve seu começo no início de 2007, quando os serviços secretos alemães compraram, por cinco milhões de euros, um CD com dados de contas no banco LGT que estava em posse de um ex-funcionário. Logo depois as informações foram passadas e revendidas às autoridades fiscais de países interessados como Inglaterra e Estados Unidos. A bolacha continha dados detalhados de milhares de estrangeiros que tinham contas no maior banco do principado.

Na Alemanha a ação provocou um escândalo em 14 de fevereiro de 2008, quando o ex-presidente dos Correios Alemães, Klaus Zumwinkel, foi preso por sonegação fiscal. Com ajuda do LGT, ele havia desviado quatro milhões de euros para uma conta secreta. Logo depois as autoridades alemãs anunciavam que estavam investigando também outros milhares de cidadãos. Segundo os jornais, eles fariam parte do “crème de la crème” da elite do país.

Fim do segredo bancário?

Com o escândalo, a pressão contra Liechstenstein aumentou tremendamente. Em dezembro de 2008, o principado e os Estados Unidos assinaram um acordo, no qual as autoridades fiscais americanas ganham acesso às informações sobre o dinheiro depositado em Liechstenstein pelos seus cidadãos, caso haja suspeita concreta de evasão fiscal. Dessa forma aboliu-se na prática o segredo bancário e foi cimentada a cooperação na troca de dados em nível governamental, pelo menos para os EUA.

Segundo os analistas políticos, um dos motivos da derrota de Otmar Hasler foi a concessão feita aos americanos. Seu oponente e futuro chefe de governo, Klaus Tschütscher, havia criticado publicamente o chefe do governo e prometido se esforçar mais para defender o mercado financeiro do país.

O clima geral no principado ficou tão envenenado que até mesmo os membros da Lista Livre (FL), o terceiro e menor partido, chegaram a ser acusados de serem “traidores” por estar sujando a imagem de Liechstenstein. Através de anúncios anônimos publicados nos dois jornais locais poucos dias antes das eleições, seus autores faziam referência à declaração feita por um dos seus representantes, o parlamentar Paul Vogt, para um jornal alemão, no qual ele dizia “entender os métodos não convencionais empregados pelos alemães na caça dos sonegadores”.

Na recente eleição, o pequeno partido de esquerda foi penalizado e perdeu dois dos três mandatos que tinha no Parlamento. Vogt, que não se apresentou para a reeleição, não esconde a frustração. “Acho que a campanha da imprensa prejudicou nosso partido”, explica. Porém acredita que a oposição – por muitas vezes difícil em um pequeno país – valeu a pena. “Por muitos anos os bancos nos chamavam de inocentes quando pedíamos mais controles do mercado financeiro. Agora, com a pressão internacional, essas mudanças estão sendo feitas à força”, explica.

Futuro incerto

Muitos cidadãos do principado já se perguntam se a era de bonança terminou. O sucesso do mercado financeiro fez com que o país se tornasse um dos mais ricos do mundo. “Se perdermos todos os atrativos, o que será dos bancos de Liechstenstein”, pergunta-se Doris Frommelt. “Bem ou mal, boa parte da nossa economia depende do setor”.

A política recém-reeleita pelo partido FBP explica que a população está na expectativa. Também Vogt acredita que Liechstenstein chegou a um impasse: “Estamos agora na escuridão total”.

O fato é que os últimos escândalos trouxeram prejuízos concretos para o país, como revelou o príncipe Max von und zu Liechtenstein durante uma entrevista dada à imprensa alemã no início do mês. O chefe do banco LGT confessou que sua instituição perdeu “muitos bilhões” em fortunas retiradas por clientes estrangeiros. Também agentes fiduciários – são mais de dois mil no pequeno país – anunciam que o negócio de abertura de fundações, uma das formas mais atraentes para clientes estrangeiros de guardar seu dinheiro, praticamente morreu.

Ao problema de imagem soma-se também à crise mundial financeira e econômica. O fabricante de máquinas Hilti, o maior empregador industrial do pequeno país, decretou férias coletivas para seus funcionários antes do natal.

Mas a esperança é a última que morre. Os bancos do principado reagiram e já prometeram um novo código de conduta. Com ele, as instituições se comprometem a só receber dinheiro que foi declarado no país originário dos clientes. O código deve entrar em vigor a partir de março de 2009. Também o governo preparou uma revisão da Lei de impostos que agora entra em debate no novo Parlamento.

Ao mesmo tempo o país negocia com a União Européia um acordo de combate à sonegação. Liechtenstein promete colaborar mais estreitamente com as autoridades fiscais dos países vizinhos, incluindo até a supressão do segredo bancário, mas quer em troca um acordo de dupla imposição fiscal. Com ele, o principado pode manter sua condição de paraíso fiscal legal com impostos reduzidos como no modelo da Irlanda ou de vários cantões suíços. Por enquanto a proposta não convenceu a UE e, sobretudo, países como a Alemanha e a França têm feito forte pressão por mais concessões ao microestado.

swissinfo, Alexander Thoele

Apesar de ser pequeno na área geográfica e de possuir limitados recursos, o Liechtenstein é um dos estados mais ricos do mundo.

Quarto menor país europeu. Área: 160 km2.
População: 35.356
PIB: 4,6 bilhões de francos
PIB por habitante: 112 mil francos

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) qualifica Mônaco, Liechtenstein e Andorra como “paraísos fiscais” pouco cooperadores na luta contra a evasão fiscal.

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