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Uma vida muito simples nas pastagens de Loveignoz

Lise es-Borrat frente ao café de Loveignoz no vale d'Hérens. swissinfo.ch

Os fortes raios do sol matinal cortam lentamente a neblina até bater nos picos do massivo montanhoso de Aiguilles Rouges, no vale de Hérens, cantão do Valais.

No lado oposto do vale, Lise es-Borrat acordou bem cedo para preparar o café da manhã dos montanhistas que podem parar no seu café, localizado a 2.151 metros de altitude no pasto de Loveignoz, distante uma hora de caminhada da aldeia vizinha de Mase.

Ouve-se um ressoar suave de sinos quando Laurent, seu jovem vaqueiro originário de Diablerets (região nos Alpes do cantão de Vaud), surge com algumas das 85 vacas que vivem no local de meados de junho até a meados de setembro.

“É muito idílico aqui”, sorri ela. “Mas a vida nas montanhas também é bastante dura. Temos de ser realistas.”

Es-Borrat é uma das várias pessoas que se mudam para os pastos elevados nos Alpes suíços todos os verões para cuidar de rebanhos, fazer queijo e levar uma vida de muito esforço.

No cantão do Valais, sudoeste da Suíça, 20 mil vacas subiram este ano as montanhas para pastar nas terras verdejantes abaixo dos s picos. Cerca de 30% da renda obtida na agricultura de montanha vêm dos pastos alpinos, que correspondem também a um terço de todas as terras cultiváveis da Suíça.

Filha de um comerciante de gado de Blonay, no cantão de Vaud, Lise queria inicialmente ser enfermeira, mas rapidamente viu que sua vida estava nas montanhas, com as vacas.

Ao se casar com um agricultor do cantão do Valais, ela subiu pela primeira vez ao pasto de Loveignoz em 1978 com o marido, crianças e vacas e foi conquistada imediatamente pela sua mágica.

“Esse lugar é muito simbólico. É o lugar mais importante na minha vida”, diz. “Venho para cá recarregar minhas baterias através da natureza, o nascer e o pôr do sol, o cheiro das árvores, flores e o orvalho da manhã.”

Desde então ela retornou ao local todos os verões nos últimos 33 anos, seja com o rebanho de sua família ou, depois que seu marido faleceu em 1990, para cuidar dos animais de outros proprietários.

Em 2007, o médico disse que teria de frear um pouco seu ritmo de vida. Assim ela parou de fazer sozinha o queijo – uma tarefa que cumpriu nos últimos 30 anos – para delegar ao seu namorado, o ex-professor de escola Jean-Vincent.

“Mudei minha vida”

Apesar de tanto esforço no trabalho, a situação econômica continuou “muito difícil” e estava claro que cuidar das vacas no verão e fazer queijo não seriam suficientes para garantir a sobrevivência do pasto de Loveignoz a longo prazo.

Foi nessa época que o comitê de pastagem de Loveignoz – um grupo que é coproprietário das terras – propôs a ideia de construir um café alpino para diversificar as rendas da família. O investimento total foi de 250 mil francos (238 mil dólares), dos quais 30 mil francos foram cobertos pela Fundação Suíça de Ajuda ao Montanhês.

“Quando eles sugeriram a ideia, não fui muito a favor, pois achava que isso estaria mudando a alma da montanha”, justifica Es-Borrat.

Mas surpreendida pelos dois primeiros anos de sucesso, ela acabou sendo conquistada pelo desafio de pilotar um pequeno negócio, empregando quatro pessoas para cuidar dos animais, fazendo queijo de alta qualidade e oferecendo aos montanhistas comida e bebida.

“Está claro que isso mudou a minha vida”, confessa.

Caseiro

Dentro da casa encontramos a colega Josephine, que ajuda a administrar o café. Ela está cortando uma grande quantidade de batatas. Hoje o cardápio é gratinado de queijo com presunto e salada, acompanhado por torta caseira de limão. Para beber, suco de maça, chá ou um copo de um dos vinhos do Valais preferidos por Lise.

“Faço coisas simples. É feito em casa e, portanto, com muito coração”, reforça. “Mas se ninguém aparece, então não fico também chateada, pois tenho um monte de coisas para fazer. Tudo o que desejo é que as coisas funcionem, que eu seja capaz de pagar os funcionários e o resto siga o seu caminho.”

Hoje eles esperam alimentar cerca de vinte pessoas, inclusive vários clientes cativos. Mas Josephine explica que previsão de números nas montanhas pode ser bastante traiçoeira.

Com o leite das 85 vacas mantidas no local, Loveignoz produz cinco toneladas e meio de raclete e queijo tipo “tomme” por ano. A grande parte é vendida no local.

“Tenho clientes regulares que compram conosco há 30 anos, mas também novos clientes”, conta. “Cada vez temos mais pedidos de reserva. Se alguns turistas compram apenas um pequeno pedaço, a maior parte compra blocos inteiros para a suas famílias ou amigos, às vezes dez de uma vez quando é época da partilha em setembro.”

Sobrevivendo

De acordo com o Consórcio de Regiões Alpinas Suíças, a situação econômica dos Alpes está melhorando. Entre 2005 e 2008, o número de pessoas empregadas aumentou em 30 mil – ou 1,9% ao ano – totalizando agora 560 mil, com 8% delas envolvidas diretamente em atividades agrícolas.

No entanto, Es-Borrat é cética em relação a esses números.

“Há mais turistas, pessoas que desejam aproveitar as montanhas mas, do ponto de vista de mão de obra, está cada vez mais difícil encontrar gente para trabalhar nos pastos”, afirma. “Os que fazem esse trabalho, ficam por três meses e depois procuram outro trabalho.”

E apesar do sucesso do seu queijo, ela não conseguiu economizar muito dinheiro em todos esses anos de trabalho.

No restante do ano ela sobrevive graças à sua pensão de viúva, subsídios do governo e um estilo de vida muito simples. Apesar disso, continua sendo otimista em relação ao futuro.

“Tenho sorte de ser assim, o que me permite de ser feliz com o que tenho – não muito, as pessoas podem dizer – mas tenho um carro e comida na mesa todos os dias. Vez ou outra vou a um restaurante e tenho até a possibilidade de fazer reservas de comida guardando carne de porco ou de vaca para o inverno.”

“O gado, a natureza, algo para comer e beber – é tudo o que preciso para a vida.”

Simon Bradley, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)

A Fundação Suíça de Ajuda ao Montanhês apoiou no ano passado 500 projetos de subsistência nos Alpes suíços com um financiamento de 20 milhões de francos (18,9 milhões de dólares). Seu objetivo é garantir uma existência em condições duras no meio alpino.

Aproximadamente 60 mil pessoas vivem nas regiões alpinas da Suíça, nas quais 7.500 trabalham diretamente como agricultores.

Agricultores de montanha recebem aproximadamente 2,5 bilhões de francos em pagamentos diretos ou subsídios estatais a cada ano. Porém a fundação declara que a situação dessas pessoas é ainda bastante precária. A maior parte só sobrevive, pois tem uma segunda ocupação.

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