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Democracia direta faz suíços votarem até sobre chifres de vacas

cow with horns
"Feliz do país que pode votar pelos chifres das vacas!", disse o sociólogo e etnólogo Bernard Crettaz © KEYSTONE / GAETAN BALLY

Os cidadãos suíços votaram neste domingo temas tão singulares como juízes estrangeiros, detetives particulares e vacas com chifres.

O sistema de democracia direta da Suíça, que leva os cidadãos às urnas quatro vezes por ano, permitiu que os suíços decidissem um pouco mais sobre a imagem que se tem fora do país: a de uma Suíça rural, com suas vaquinhas pastando tranquilamente em seus lindos pastos alpinos. Um país capaz de decidir sozinho o seu rumo sem a influência de seus vizinhos e onde cada cidadão pode ser vigiado a todo momento pelo interesse de suas inúmeras instituições de seguros.

Os cidadãos participaram, assim, de um plebiscito com três perguntas. A saber, se a constituição do país deve ter precedência sobre o direito internacional; se os agricultores devem receber uma ajuda financeira se deixarem suas vacas crescerem com os chifres, e se os detetives particulares podem espionar a vida de um assegurado.

Big Brother

O célebre dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt parece não ter se enganado quando comparava a Suíça a uma prisão e os suíços aos seus carcereiros. Quando questionados se as asseguradoras do país podem ter o direito de espionar a vida de seus assegurados – com detetives particulares e tudo – mais de 66% dos cidadãos que participaram do plebiscito deste domingo disseram que sim.

Uma modificação da lei vai permitir agora que os seguros sociais, bem como as inúmeras seguradoras de saúde do país, contratem um detetive particular para controlar eventuais abusos por parte do assegurado.

Na prática, um investigador poderá, por exemplo, espionar um beneficiário de uma pensão por invalidez para determinar se a pessoa é realmente incapaz de trabalhar. O detetive também poderá usar fotos ou gravações de voz para provar as alegações.

Algumas medidas de vigilância já foram utilizadas pela Suva, a seguradora dos acidentes de trabalho, e pelo seguro de invalidez para combater possíveis abusos. No entanto, essas instituições foram obrigadas a parar com a prática em outubro de 2016, após uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que considerou que as companhias de seguros não tinham bases jurídicas suficientes para isso. O governo e o Parlamento aprovaram uma adaptação da legislação em março de 2018.

Indignados, um pequeno grupo de cidadãos lançou um referendo contra a nova base jurídica para a observação do segurado. Embora ninguém contestasse a necessidade de lutar contra os abusos nos seguros sociais, os opositores acreditavam que essas medidas dão às seguradoras mais poderes do que a polícia. Políticos de esquerda criticaram fortemente a revisão adotada no Parlamento, que eles consideraram desproporcional e prejudicial para os direitos humanos e a privacidade das pessoas asseguradas.

+ detalhes sobre a questão dos “detetives sociais” 

“Juízes Estrangeiros”

Talvez uma decisão como esta do tribunal europeu tenha levado a proposta da “iniciativa pela autodeterminação”, uma questão que se não tivesse sido rejeitada por mais de 65% dos eleitores teria um enorme impacto nas relações internacionais da Suíça, uma vez que questionava a soberania do país.

O Partido Popular Suíço (SVP, na sigla em alemão) considera que o governo e o Parlamento não implementam escrupulosamente os resultados dos plebiscitos, e isso para evitar violações do direito internacional. Para que as decisões tomadas pelo cidadão suíço tenham precedência sobre o direito internacional, o maior partido da Suíça lançou a iniciativa popular “Lei suíça em vez de juízes estrangeiros (iniciativa pela autodeterminação)”. O texto pedia a inclusão na Constituição de um artigo estipulando que a Constituição suíça é a fonte suprema do direito suíço. Os autores da iniciativa afirmavam defender a democracia direta do país.

O governo, a maioria do Parlamento e dos partidos, bem como uma ampla aliança de opositores da sociedade civil, recomendaram a rejeição do texto. Eles temiam um enfraquecimento dos direitos humanos, o questionamento de tratados internacionais, uma instabilidade jurídica ou ainda uma ameaça para a economia do país.

+ sobre a iniciativa pela autodeterminação

Vacas chifrudas

“Feliz do país que pode votar pelos chifres das vacas!”, disse o sociólogo e etnólogo Bernard Crettaz em uma entrevista para swissinfo.ch. Se a questão levada ao voto federal no domingo fez sorrir, ela é, no entanto, bem séria, questionando o bem-estar animal e os limites de uma agricultura cada vez mais intensiva.

Os suíços custaram a aprovar a iniciativa popular “Pela dignidade dos animais de fazenda (Iniciativa pelas vacas com chifres)”, que acabou sendo rejeitada por mais de 57% dos votantes. Ela sugeria que o governo apoiasse financeiramente os agricultores que decidissem não tirar os chifres de seus animais.

Na origem do texto, o suíço Armin Capaul, um pequeno agricultor que luta contra a descorna quase sistemática de bovinos e caprinos. Capaul denunciava uma intervenção pesada e dolorosa; o broto do chifre é queimado por meio de um ferro quente. Para ele, os chifres desempenham um papel na comunicação, digestão, cuidado e regulação da temperatura corporal. Além disso, o agricultor acredita que é possível criar gado confinado com chifres, dando-lhe mais espaço para se mexer para evitar o risco de ferimentos.

+ sobre a iniciativa pelas vacas com chifres


Veja os resultados dos temas votados neste domingo na Suíça:

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