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A paixão pela natureza que é veículo de integração

Os jardins são compostos por uma área livre para plantio e uma "casinha", que abriga ferramentas e os utensílios de lazer das famílias. Guido Schärli

Um refúgio verde em plena cidade: assim são as hortas e jardins familiares que pontuam as paisagens urbanas da Suíça. Os pequenos terrenos são carinhosamente cuidados pelas famílias, que desfrutam desse espaço nas horas livres.

Entre a comunidade estrangeira, em especial a lusófona, as hortas são também um meio de integração, onde trabalhadores encontram um local para socializar e retomar o contato com a natureza, muitas vezes perdido em meio à correria da rotina.

A paisagem é por vezes atípica para os turistas que não conhecem o conceito. Tratam-se de grandes terrenos em áreas predominantemente centrais subdivididos em lotes de cerca de 200 metros quadrados, cada um contendo uma cabaninha e espaço livre para o arrendador plantar frutas, flores e legumes, conforme lhe aprouver.

De acordo com a Associação Suíça de Jardins Familiares, no país há mais de 23 mil pessoas engajadas na cultura desses jardins, um estilo de vida que propõe não apenas deixar a paisagem mais verdejante, mas também promover o saudável contato com a natureza e outras pessoas. O hábito estimula “a biodiversidade nos aglomerados” urbanos e “propicia a camaradagem, contribuindo grandemente para a integração dos cidadãos estrangeiros”, afirma a associação.

Espaço dos homens

 O professor Delay afirma que as hortas familiares são, antes de mais nada, um espaço dos homens, onde eles podem reconquistar sua liberdade e recarregar suas energias. “Ao fim do dia de trabalho, muitos homens vão com os amigos ao jardim e tomam uma cerveja, ou uma taça de vinho, enquanto conversam. É o lugar onde eles se recompõem para o dia seguinte”, explica. O ambiente dos jardins contribui para essa mística masculina do trabalhador, onde há o esforço manual e a recompensa do descanso.

Ferreira concorda. “Esse espaço é nosso. Aqui fazemos as nossas festas e temos a nossa liberdade. Os meus filhos de 19 e 17 anos também vem aqui. Eu empresto a chave, eles aproveitam. Cuidam do jardim e relaxam com os amigos”.  

Cristoforo Crivelli é o representante da associação no cantão de Basiléia-Cidade. “Eu escuto falar que em toda a Suíça é assim: quando as pessoas querem se integrar, os jardins são um bom meio para isso. E não apenas para a integração entre as próprias comunidades – portugueses entre portugueses – mas entre todas as diversas nacionalidades”, disse à Swissinfo.ch.

O professor da Escola de Estudos Sociais e Pedagógicos de Lausanne, Christophe Delay pesquisou o assunto em parceria com Arnaud Frauenfelder e Laure Scalambrin. Delay conta que o perfil típico das famílias que alugam os jardins é de trabalhadores e essa afinidade social facilita a identificação entre suíços e estrangeiros, construindo um tecido social ao redor desses espaços.

“A integração se dá pela proximidade nos jardins. Os vizinhos de lote colaboram uns com os outros e isso fortalece o convívio”, explica. A camaradagem também ocorre entre jovens e velhos que buscam se ajudar mutuamente. “É um espaço importante de solidariedade”, define Delay.

Naturalmente, também ocorrem pequenos conflitos, mas eles têm menos importância. “Nossos entrevistados contaram que às vezes se incomodam com o barulho das músicas, ou o cheiro das comidas, mas isso faz parte quando se está fisicamente tão próximo”.

Estrangeiros

O diretor de Espaços Verdes do cantão de Basiléia-Cidade, Emanuel Trueb, estima que 40% dos espaços estejam sob o cuidado de famílias estrangeiras. “Ter um jardim tem a ver com a origem das pessoas. É uma sabedoria de ligação com a terra. Muitas vezes os imigrantes vêm de origens rurais e sabem cultivar as coisas”, explica.

Trueb é ele mesmo um lusófono. O suíço, filho de mãe portuguesa, aprendeu em casa o idioma e graduou-se em agronomia. Há mais de 25 anos trabalha na prefeitura coordenando os espaços verdes da cidade. Ele explica que o hobby é importante para ajudar os estrangeiros a mitigar a saudade. “O imigrante quando tem a sua horta, o seu jardim, consegue produzir os alimentos do seu costume, para poder comer à maneira deles” ressalta.

A cidade oferece mais de 5800 jardins distribuídos em 36 áreas. Cada uma dessas áreas acomoda de 30 a até 500 jardins. Quem tem interesse em alugar um desses lotes, deve se comunicar com o governo e escolher uma vaga entre as opções disponíveis. Quando um lote fica em aberto, o local é visitado por inspetores municipais que determinam o preço do jardim. “Avalia-se a casinha, a infraestrutura, as árvores frutíferas e tudo o que se encontra no local”, explica Trueb. Esse montante então é pago pelo novo locatário aos antigos ocupantes. Além do valor da “compra”, os custos incluem uma taxa anual de 200 Francos, que é paga ao governo.

José Ferreira é um imigrante português que trabalha na construção civil suíça há mais de duas décadas. Ele divide com outros dois amigos uma horta que é o refúgio de lazer das famílias. “Nos fins de semana estamos sempre aqui a grelhar, a rir e a compartilhar bons momentos”. Ferreira fala com orgulho do espaço e das habilidades que desempenha ali. Ele fica encarregado de assar o churrasco, enquanto que seu colega Pinto cuida da manutenção das plantas. As mulheres participam dos eventos como “convidadas”, pois o espaço é o xodó dos homens. “Aqui elas vêm para aproveitar, nós é que fazemos tudo”, brinca.

Urban gardening

A moda de ter um jardim tem sido cada vez mais divulgada entre os jovens, especialmente nas redes sociais entre os moderninhos, ou hipsters. Apesar da onda, ou hype, do Urban Gardening, na prática a popularização dessa cultura ainda enfrenta barreiras para se expandir, avalia Trueb. 

“Atualmente temos muitos jardins vagos em Basiléia e é por falta de conhecimento”. Os jovens, acredita Trueb, têm uma opinião volúvel e por vezes não conseguem corresponder às responsabilidades do cultivo. “Há rendeiros que depois de um certo tempo cansam-se, perdem o interesse, não fazem mais nada. Crescem as ervas, o jardim fica feio e precisamos pedira a área de volta”. 

“As pessoas hoje em dia não são tão estáveis como antigamente”. “Tenho a impressão de que esses 5800 jardins são um excesso. Daqui há uns poucos anos não vamos conseguir arrendar todos”, lamenta Trueb. 

Além do desinteresse, a pressão imobiliária também ameaça as áreas verdes. Muitos especuladores gostariam de ter acesso aos terrenos urbanos para desenvolver lucrativos projetos. Em Basiléia, entretanto, está acordado que 80% dos terrenos que hoje são jardins deverão permanecer livres.

Já no cantão de Genebra a especulação imobiliária também é perceptível, entretanto, a procura pelos jardins mantêm-se grande e conta até com fila de espera, afirma o professor Delay. “É como uma casa do povo trabalhador. Precisamos garantir a eles esse espaço, para que se sintam vivos. Eles não têm os meios para possuir uma propriedade, então isso é ainda mais importante para eles”, conclui. 

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