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“A pobreza é um verdadeiro problema na Suíça”

Hugo Fasel diz que a educação é fundamental na luta contra a pobreza Keystone

A primeira conferência nacional sobre a pobreza destaca o que deve ser feito para combater o problema na Suíça.

Em entrevista à swissinfo.ch, Hugo Fasel, diretor da ONG Caritas, diz que mais de 20% das crianças suíças vivem abaixo da linha de pobreza e que a educação é a única forma de solucionar o problema.

A conferência realizada dia 09 de novembro destacou um problema geralmente não associado à Suíça.

Fasel argumenta que a política familiar da Suíça está bem atrás às dos países nórdicos e que a pobreza pode se tronar um problema no futuro.

Um relatório divulgado pelo Ministério do Interior em agosto, chamado “Estratégias Globais de Luta contra a Pobreza na Suíça”, demonstrou que várias medidas foram pensadas para prevenir e combater a situação. O governo prevê três frentes de combate à pobreza: melhoria das questões de igualdade, melhoria do acesso à formação profissional e ao mercado de trabalho e combate à pobreza a nível familiar.

swissinfo.ch: Na conferência sobre a pobreza, ouvimos principalmente pessoas que nunca vivenciaram realmente o problema. A declaração de encerramento pode ser mesmo levada à sério?

Hugo Fasel: A declaração final é o início de um processo. O importante é notar que o governo suíço está pronto para enfrentar a questão da pobreza.

Até agora, essa questão era tratada pelos cantões e municípios. Agora, o governo federal percebeu que precisa assumir um papel de coordenação e chefia – especialmente no mercado de trabalho.

É importante que as pessoas consigam um emprego ao invés de serem postas simplesmente à margem do mercado. Todo mês duras mil pessoas perdem o subsídio desemprego e, consequentemente, a garantia mínima de seu bem-estar.

Esta foi a primeira conferência sobre a questão na Suíça. Há espaço para melhorias, por exemplo, na integração das pessoas afetadas pela pobreza. É certamente um processo de aprendizagem.

swissinfo.ch: Por que a pobreza ainda é um problema em um país tão rico como a Suíça?

HF: Há tempo que ninguém nem pensava na questão. As pessoas não querem falar sobre o fato de que uma em cada dez na Suíça é pobre. Esta conferência sobre a pobreza confirmou que a Suíça tem um problema de pobreza real.

swissinfo.ch: Como lidar com a pobreza na Suíça em comparação com outros países?

HF: Comparações internacionais são extremamente difíceis. Quando se trata de política familiar, os países nórdicos estão bem mais na frente do que nós. Aqui na Suíça temos 260 mil crianças que vivem na pobreza. Em outras áreas ainda é mais difícil fazer comparações.

swissinfo.ch: Muitas pessoas na Suíça têm vergonha de pedir ajuda. Outras abusam do sistema. O sistema é justo?

HF: Em geral, são poucos os casos de abuso na Suíça. A discussão sobre a pobreza não é para criar novos serviços sociais, mas sim para a prevenção da pobreza.

Queremos oferecer aos jovens a oportunidade de uma formação profissional que dê a garantia de bons salários ao invés de uma simples ajuda para compensar a baixa renda. Ao invés de dar ajuda às famílias com muitos filhos, queremos aumentar os benefícios por criança para que elas possam ter uma boa educação ao invés de acabar na miséria.

swissinfo.ch: Então, a educação é fundamental na luta contra a pobreza?

H.F.: Educação é um dos pontos centrais. Jovens sem boa formação têm dificuldade em obter uma posição no mercado de trabalho. Por outro lado, os trabalhadores mais velhos que não puderam seguir uma formação contínua também estão em desvantagem, porque não atendem aos padrões atuais do mercado. Isso significa que a formação contínua é também um ponto chave.

swissinfo.ch: as pessoas pobres não têm acesso às novas tecnologias, como a Internet. O abismo digital também é um problema?

HF: Nós estamos apenas começando a resolver todas essas questões. A pobreza está relacionada a uma série de assuntos, incluindo educação, aptidões linguísticas, número de filhos e origem social.

Isso significa que é preciso aplicar diversas ferramentas para as diferentes causas da pobreza. Se os pais eram pobres, então os filhos provavelmente também serão – talvez porque eles não têm o equipamento eletrônico necessário.

As crianças sem computador em casa acabam ficando atrás das outras. Esse é um exemplo da falta de igualdade de oportunidades.

swissinfo.ch: Segundo um recente estudo, 3% da população controla metade da riqueza da Suíça. Nos últimos tempos, a diferença entre a ricos e pobres na Suíça tem sido crescente. Por quê?

HF: Na verdade, o problema é que a divisão da riqueza na Suíça está cada vez mais injusta. Financeiramente, não há “necessidade” de pobreza na Suíça. O dinheiro está aí – é apenas uma questão da distribuição.

É por isso que temos que incentivar o acesso aos bons salários. Uma família, na Suíça, não consegue viver com três mil dólares por mês. Não podemos oferecer postos de trabalho que não garantam o mínimo vital às pessoas, senão elas serão condenadas a viver para sempre às custas dos serviços sociais.

swissinfo.ch: a pobreza com relação a idade não foi um ponto que teve muita atenção na conferência. Por que não?

HF: Em um evento tão grande, alguns temas acabam sempre em segundo plano. Os efeitos da pobreza sobre a saúde também não foram discutidos. Sabemos que as pessoas pobres não vivem tanto tempo, e isso também não foi mencionado.

É por isso que eu já estou satisfeito que o governo planeje essa conferência pelo menos a cada dois anos, para tentar responder essas questões que ficaram em suspenso. Como diretor da Caritas, eu pretendo manter o tema à tona.

Um relatório sobre a pobreza em cada cantão. Para criar boas políticas, os avanços precisam ser conhecidos.

Reforço das medidas de integração no mercado de trabalho. Hoje há uma série de ferramentas de integração, mas elas não são compatíveis entre si.

Mais responsabilidade do sistema econômico. As empresas devem pagar salários descentes.

Mais empresas sociais. As pessoas atingidas pelo desemprego devem ter a oportunidade de trabalhar novamente.

9,3% das crianças suíças vivem em pobreza relativa, segundo a OCDE.

12% dos aposentados precisam de um auxílio para as despesas e até um terço deles – 45.000 – ainda vivem na pobreza, apesar dessa assistência.

10% das famílias monoparentais são formadas de “trabalhadores pobres”, que permanecem na pobreza apesar de terem trabalho.
Em 2006, 18% das famílias monoparentais receberam auxílio social.

No final de março, o governo publicou um importante relatório sobre a pobreza na Suíça. O documento chama a atenção para a igualdade de oportunidades na educação, melhoria na reinserção no mercado de trabalho e medidas de combate à pobreza familiar.

O governo também recomenda que as autoridades cantonais e locais concedam pagamentos adicionais de auxílio às famílias necessitadas.

Caritas estima que este ano 900.000 pessoas – 12% da população suíça – necessitarão de auxílio social. No entanto, o valor foi contestado por outras organizações e instituições.

Caritas apresentou em 2010, como parte do Ano Europeu do combate à pobreza e à exclusão sócia,l medidas para reduzir a pobreza na Suíça até 2020.

(Adaptação: Fernando Hirschy)

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