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“Acordos não funcionam se os cientistas não se conhecem”

Patrick Aebischer, presidente da Escola Politécnica Federal de Lausanne. Keystone

Um ilustre membro da delegação que acompanha o ministro suíço do Interior, Didier Burkalter no Brasil é Patrick Aebischer, presidente da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL).

Em entrevista à swissinfo, o professor de neurociência fala da doação de um supercomputador a um centro de pesquisas em Natal e as potencialidades na cooperação científica entre os dois países.

Patrick Aebischer não esconde seu espanto com o Brasil. Em visita ontem (27 de agosto) à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ele foi levado pelos diretores para conhecer o campus de 800 mil metros quadrados no bairro de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro, e os laboratórios recém-criados da instituição. Ela confessa saber pouco sobre as dimensões da produção de vacinas e medicamentos no país.

Porém o presidente da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL) – primeira universidade não americana no ranking das melhores do mundo no setor de engenharia, tecnologia e informática – já se sente “em casa” no Brasil, sobretudo graças aos contatos com pesquisadores brasileiros e a um grande amigo suíço, Pierre Landolt, que largou quase tudo para ser fazendeiro no Nordeste.

swissinfo.ch: Professor Aebischer, essa não é sua primeira estadia no Brasil. Como iniciou esse contato com o país?

Patrick Aebischer: Eu já vim várias vezes ao Brasil. Meus primeiros contatos ocorreram em duas ocasiões. Em primeiro lugar, através do professor Miguel Nicolelis, que é um grande neurofisiólogo brasileiro atuando nos EUA e que trabalha também na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL). Ele montou um centro de pesquisa em Natal e me convidou a participar de um congresso. Assim comecei a descobrir e apreciar o país. Em segundo, foi através do meu amigo Pierre Landolt, um suíço que vive há 30 anos no semiárido nordestino e que se engajou na agricultura biológica. Eu gostei realmente do Brasil.

swissinfo.ch: Em que nível estão as relações entre o Brasil e a Suíça no seio da EPFL?

P.A.: Temos, de fato, uma relação com o Brasil, mas ela não tem a dimensão que deveria ter, a meu ver. Hoje em dia temos 23 estudantes brasileiros, um número razoável, mas gostaríamos de ter mais. Em primeiro lugar porque somos latinos, estamos na parte francófona da Suíça. Existe uma proximidade da língua e de cultura. Mas nós negligenciamos por muito tempo a América Latina, talvez pelo fato de termos sempre olhado para a América do Norte, onde também quase todos nós fomos formados. Uma das razões dessa viagem é exatamente de reforçar essas ligações, que são bastante naturais. Eu estou muito impressionado com o que vejo aqui e também com a vontade política de se engajar na ciência e na tecnologia.

swissinfo.ch: E quais são os projetos bilaterais concretos que ocorrem atualmente na EPFL?

P.A.: Atualmente mantemos acordos de cooperação com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Campinas (UNICAMP) no intercâmbio de estudantes. Temos também esse centro de neurociências em Natal, Edmond e Lily Safra (n.r.: o Instituto Internacional de Neurociências de Natal – IINN-ELS), onde desenvolvemos um grande projeto na área de pesquisa do cérebro. Para eles estamos doando um supercomputador, o chamado “Blue Gene/L”, que já havíamos utilizado antes da troca por outro mais possante. Em todo caso, esse já é um aparelho muito potente, que será transferido ao Brasil através do meu amigo Nicolelis. Seu centro será algo de único no mundo. Estou feliz de ter feito isso pelo Brasil.

swissinfo.ch: O que representa essa doação para um país como o Brasil?

P.A.: O aparelho possibilitará simular as funções do cérebro. Nicolelis é um dos mais importantes neurofisiólogos do mundo. Ele consegue registrar um número incrível de células cerebrais e, por isso, necessita de um supercomputador para poder integrar os dados que são gerados pelos seus eletrodos. Mas esse supercomputador pode ser utilizado em outras funções como simulação climática. É o que faz a pesquisa baseada na simulação, que se tornará, no meu ponto de vista, uma área importante da ciência. E por isso é que um país no Hemisfério Sul como o Brasil, com seu grande número de bons pesquisadores em áreas teóricas como matemática e física, poderá empregar as novas capacidades desse aparelho.

swissinfo.ch: Qual o valor do “Blue Gene/L” e o que essa máquina é capaz?

P.A.: Ele faz mais de 24 teraflops (n.r.: “flops” significa operações de ponto flutuante por segundo), ou seja, 24 trilhões de cálculos por segundo. É algo que não se pode comprar. Ele foi desenvolvido através da IBM como um computador experimental e, portanto, sem um valor comercial. Na época pagamos por ele 10 milhões de francos. Mas o importante é colocá-lo à disposição de um bom projeto e em pais com o qual queremos reforçar a cooperação.

swissinfo.ch: Esse anúncio dá a impressão que o contato pessoal entre os pesquisadores é muito mais importante do que acordos de cooperação científica firmados entre os governos. Não é esse o caso da sua amizade com o cientista brasileiro Miguel Nicolelis?

P.A.: Os governos podem assinar acordos gerais, mas eles não funcionam se os cientistas não se conhecem. Agora já temos esses acordos, ou seja, dez projetos de pesquisa nos quais trabalham em conjunto pesquisadores da Suíça e do Brasil. Nesse contexto iremos receber brasileiros na EPFL, por exemplo, e os suíços virão aqui estudar. Eles serão os melhores embaixadores possíveis. Esses pequenos projetos, onde as informações passam de boca em boca, permitem o conhecimento mútuo. Por isso é importante ter esses programas, pois lançam essas colaborações. E quando elas se desenvolvem, passam a ser autossustentáveis e crescem. Eu estou impressionado pela potencialidade do Brasil. Aqui existem coisas que são pouco conhecidas na Europa, mas que no ponto de vista tecnológico – seja no setor de biocombustíveis, na aviação com a Embraer, na área energética, na agricultura – existem coisas marcantes feitas neste país. Nós podemos ser bem complementares, graças ao que temos na Suíça e ao que encontramos no Brasil.

swissinfo.ch: Geralmente é o Brasil que aprende com os países desenvolvidos. Mas a Suíça também pode aprender com o Brasil?

P.A.: Existem muitas coisas que podemos aprender. No setor do biocombustível, por exemplo, o Brasil é número um. Na Suíça temos uma boa biotecnologia, que poderá ser utilizada para ajudar a desenvolver ainda mais essas tecnologias. Se pegarmos também a biodiversidade, o Brasil tem algo extraordinário com as suas matas virgens: vocês têm todo um trabalho relativo a essa biodiversidade. Existem, por exemplo, frutos exóticos com virtudes especiais, ou seja, que serão no futuro os “alicamentos”, os medicamentos do amanhã para a prevenção de enfermidades. Existe uma série de pontos, nos quais os pesquisadores suíços se beneficiariam em vir ao Brasil.

swissinfo.ch: Quais foram suas impressões no contato com o ministro brasileiro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Machado Rezende?

P.A.: Eu tive a sorte de tê-lo encontrado quando ele estava na Suíça em setembro de 2009. Foi um grande prazer revê-lo. O Brasil tem a sorte de ter um ministro que é um bom cientista, ainda ativo na pesquisa e respeitado pelo mundo científico. Eu me espanto ao ver que, em de menos de um ano, dez projetos de pesquisa foram selecionados através desse programa. Isso é bastante rápido para o mundo da ciência, mostrando que os dois países têm realmente vontade de colaborar. Essa visita é mais um segundo impulso que damos a essa colaboração.

swissinfo.ch: Durante os encontros em Brasília, o ministro suíço do Interior, Didier Burkhalter, falou em um segundo programa de seleção de projetos científicos conjuntos. Que dimensões ele terá?

P.A.: Sim, estamos muito satisfeitos com a ideia de ter uma segunda licitação. Agora, durante a nossa atual visita, podemos concretizar esse segundo programa especificamente para os setores de energia, meio ambiente e alimentos funcionais, por exemplo. Os dois ministros (n.r.: Resende e Burkhalter) têm a vontade política de realizar essa ideia e não ficar limitado ao primeiro intercâmbio, colocando fundos para desenvolver o programa. Para a Suíça, o Brasil se tornou verdadeiramente um importante parceiro no domínio da ciência e tecnologia.

Alexander Thoele, Rio de Janeiro, swissinfo.ch

Estudou medicina e neurociências nas Universidades de Friburgo e Genebra

1984–1992: professor assistente no departamento de neurociências e órgãos artificiais da Universidade de Brown (EUA)

1992: nomeado professor na Universidade de Lausanne e chefe da divisão autônoma de pesquisa cirúrgica (DARC) e do Centro de Terapia Genética do Hospital Universitário do Cantão de Vaud em Lausanne (oeste).

Desde março de 2000 é presidente da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL). Paralelamente continua pesquisas na área de neurociências.

Membro de diversos grêmios de pesquisadores na Europa e nos EUA, especialmente na Academia Suíça de Ciências Medicas e do Instituto Americano de Engenharia Medica e Biológica.

Fundador de duas empresas na área de biotecnologia.

Desde 2004, membro do conselho das Escolas Politécnicas Suíças. (Fonte: EPFL)

Patrick Aebischer nasceu em 22 de novembro de 1954 em Friburgo, Suíça.

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