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“Alimentação é um direito inviolável”

Muitas vezes a causa da fome são as guerras: criança de um ano é pesada por organizações humanitárias na Libéria, em julho de 2003. Keystone

842 milhões de pessoas no mundo sofrem de desnutrição crônica. Direitos Humanos devem incluir o direito à comida. "Fome Zero" do Brasil como modelo no combate mundial à fome.

Especialistas reúnem-se em Berna para debater o problema que mata mais do que guerras e epidemias.

A ministra das Relações Exteriores da Suíça, Micheline Calmy-Rey foi sucinta na abertura do evento: – “A fome é a principal causa de doenças no mundo”.

Não só o vazio no prato de comida mata mais pessoas no mundo do que guerras e epidemias, como também o problema está longe de ser solucionado.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 842 milhões de pessoas no mundo sofriam de desnutrição crônica entre 1999 e 2001, anos cujas estatísticas são as mais recentes. O número representa um acréscimo de 18 milhões de pessoas, em relação à situação da metade dos anos 90.

Debater a fome

A Suíça, como um dos países mais ricos do mundo, sede da ONU e também onde existe uma das maiores concentrações de entidades de ajuda humanitária, é o palco ideal para debater um tema que é seguramente um dos grandes desafios da humanidade.

O simpósio internacional, organizado na capital Berna por diversas organizações da igreja como a “Ação de Quaresma” e “Pão para o Próximo”, marcou o início de uma campanha intitulada “A Alimentação é um Direito Inviolável”.

Para debater sobre o fenômeno da fome com o público composto por especialistas que atuam em ONGs ou órgãos governamentais de ajuda ao desenvolvimento, diversas personalidades foram trazidas para Berna: o teólogo brasileiro Frei Betto, o ativista congolês Toss Mukwa Mubenga, o sociólogo alemão Peter Rottach, da organização humanitária da igreja “Brot für die Welt” e Jean Ziegler, o ex-professor e deputado federal, atualmente relator especial da ONU sobre Direito à Alimentação.

Ruptura do direito internacional

Ziegler abriu sua palestra com um tom apocalíptico. “Com a teoria americana de guerra preventiva, estamos vivendo um momento grave de ruptura da ordem internacional, estabelecida às duras penas a partir de 1945”.

Para o relator especial da ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos precisa ser complementada com um outro tópico: – “O direito à alimentação deve fazer parte dos direitos humanos”.

A inclusão desse direito num documento tão importante não fica apenas na retórica. Com a mudança, populações que sofrem de desnutrição devido às decisões políticas ou conflitos, “como os palestinos nos territórios ocupados ou a população da Coréia do Norte, poderiam protestar oficialmente contra seus governos nas Nações Unidas”.

Porém, com explica o relator da ONU, grande parte dos países desenvolvidos não apóia essa modificação.

Frei Betto sobre a fome

“Quase cem mil mortes diárias no planeta se devem à fome. Dentre elas, 30 mil são de crianças com menos de cinco anos. Mais do que três torres gêmeas por dia que se desmoronam em silêncio, sem que ninguém chore ou construa monumentos”, declarou à swissinfo Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto.

O padre dominicano é coordenador de mobilização social do programa Fome Zero, o principal projeto do governo de esquerda do presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva. Seu objetivo é atender mais de 45 milhões de brasileiros que sofrem de carência alimentar. (Ler perfil de Frei Betto).

“Esse é um programa exemplar, que serve de base para a criação do Fome Zero Mundial”, elogiou Jean Ziegler, que se lembrou que Lula encontrou-se em Genebra, no final de janeiro, com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e o presidente francês, Jacques Chirac. “Agora representantes dos governos francês e brasileiro se reúnem regulamente para concretizar o projeto, que será depois apresentado na ONU, incluindo propostas de financiamento”.

Perigo do monopólio alimentar

Já o sociólogo alemão Peter Rottach, responsável por segurança alimentar na organização da igreja “Brot für die Welt”, acredita que a proteção à produção local de alimentos possa ser um instrumento eficaz no combate à fome. “Muitos países não fazem uso desses instrumentos para proteger seus mercados da invasão de produtos importados, pois os governos preferem privilegiar os habitantes das cidades. Estes estão mais interessados nos baixos preços, em detrimento da agricultura local”.

Uma medida concreta de proteção seria a garantia de preços mínimos para produtos agrícolas, que incentivaria a produção própria de alimentos. “Subvenção da agricultura é de importância fundamental nesse sentido”.

Peter Rottach lembrou também dos riscos provocados pela “privatização” internacional dos alimentos.

“Cinco empresas controlam 77% do mercado mundial de cereais. Cinco empresas controlam 70% do mercado internacional de pesticidas. 97% de todos os organismos geneticamente modificados estão nas mãos de cinco empresas. 100% de todos as plantas de soja geneticamente modificadas são propriedade de apenas uma empresa”.

swissinfo, Alexander Thoele

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