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“Até presidente americano tem de sair após 8 anos”

Guido Tognoni, em 2002, quando ainda trabalhava para a FIFA. EQ Images

Ex-funcionário da FIFA, Guido Tognoni saúda o fortalecimento do Congresso da FIFA, que acaba de reeleger o suíço Joseph Blatter para mais um mandato de quatro anos.

No entanto, o também suíço Tognoni se diz cético com relação às outras reformas anunciadas, defendendo inclusive a limitação do mandato do presidente da federação.

Como ex-responsável do marketing e da comunicação, Guido Tognoni conhece muito bem a FIFA e seu presidente, o conterrâneo Sepp Blatter, que foi reeleito pela quarta vez à frente da poderosa federação esportiva.

Na entrevista a seguir, Guido Tognoni é franco quando fala das polêmicas que agitam a FIFA, mas ainda acha que Blatter deveria ter uma última chance para tentar regularizar a situação.

swissinfo.ch: A mídia suíça tem criticado bastante a reeleição de Blatter, classificando-a “entre progresso e gol contra”, ou ainda, dizendo que “nada vai mudar”. Qual é o seu sentimento?

Guido Tognoni: Justifica-se usar um tom crítico. Seria grave se não mudasse nada, como temem algumas vozes, e que as promessas anunciadas em voz alta por Sepp Blatter não fossem cunpridas. No entanto, devemos dar-lhe uma chance de responder com ações.

swissinfo.ch: O problema da FIFA não seria tanto a corrupção generalizada, mas o favoritismo que existe dentro da instituição. É o diagnóstico do jornal de Zurique “Tages Anzeiger”. Você acha que essa análise está correta?

GT: Não é bem assim. A FIFA é uma associação e o favoritismo faz parte dela. Se uma associação age estritamente de acordo com seus estatutos e critérios morais, ela pode muito bem fazer o que ela quizer. Se a FIFA é fiel aos seus princípios de ética e fair play, valores que ela sempre enfatiza intensamente, então o favoritismo não é a questão principal.

A corrupção, sim, é atualmente o maior problema da FIFA. Quem não vê isso, não é capaz de enxergar a realidade.

swissinfo.ch: Joseph Blatter anunciou várias reformas, incluindo a atribuição das Copas pelo Congresso da FIFA, ao invés dos 24 membros do comitê executivo. Essa reforma é realmente adequada?

GT: O Congresso se reúne uma vez por ano e toma decisões, geralmente de pequeno porte. A medida faz sentido, porque revaloriza o Congresso. As suspeitas de corrupção dos membros do comitê executivo não existiriam, já que eles não teriam poder de designar os países anfitriões da Copa.

swissinfo.ch: Outra reforma prometida é o fortalecimento do comitê de ética interno. O que você acha?

GT: Nesse ponto, eu sou cético. Com Joseph Blatter, a Fifa sempre respondeu aos problemas através da criação de comissões. Quanto à comissão de ética, não é o tamanho dela que é determinante. A questão é saber quem faz parte dela e se ela é capaz de trabalhar de forma independente.

Se a comissão de ética é composta por pessoas de fora da FIFA, ela é muito mais credível do que se seus membros são escolhidos e eleitos pelo Congresso da FIFA.

A comissão de ética, no entanto, deve agir somente em primeira instância. Um organismo independente cuidaria, então, dos casos problemáticos, exatamente como faz a Agência Mundial Anti-Doping (WADA).

swissinfo.ch: Especialistas em anticorrupção exigem um sistema de controle da conformidade nos moldes das grandes empresas. Será que isso é compatível com as propostas de reforma defendidas por Blatter?

GT: Não, isso nem sempre é possível. Blatter fala de uma “comissão de soluções”, que soa melhor do que “conformidade” ou “governança corporativa”. No entanto, ele percebeu que tinha que fazer alguma coisa. A FIFA não vai cortar a criação de tal órgão, qualquer que seja o seu nome. Fala-se muito em personalidades famosas, como Henry Kissinger, que certamente não vão dar vida nova à luta contra a corrupção.

Eu seria mais favorável aos peritos em luta anticorrupção em atividade e com a experiência do calibre de Dick Marty ou Mark Pieth. Precisamos de especialistas que defendem a reputação da FIFA, e não de nomes decorativos.

swissinfo.ch: O presidente da FIFA não tem poder demais? Um limite de dois mandatos não levaria a uma melhor separação do cargo e da pessoa?

GT: Eu sou absolutamente a favor de um mandato limitado. Estava esperando que a redução para dois ou três termos fosse definitivamente aprovada. Isso teria sido um progresso real. Se o presidente dos Estados Unidos deve se retirar depois de oito anos, é razoável que o presidente da FIFA faça o mesmo depois de oito ou 12 anos.

Quanto à questão do poder, gostaria de salientar que o poder não é só tido, ele também é dado. Quando o comitê executivo da FIFA ou algumas importantes organizações internacionais não querem mais exercer a sua função de supervisão, o problema não é mais do Blatter, mas do seu meio.

swissinfo.ch: Um fato novo é que alguns grandes patrocinadores também começaram a criticar a instituição. Eles têm algum poder para mudar alguma coisa?

GT: Os patrocinadores finalmente acordaram. Estou surpreso que não tenha acontecido mais cedo. Empresas que gastam mais de 100 milhões de dólares não podem estar indiferentes à imagem transmitida pelo seu parceiro de publicidade. Desde que não sejam ameaças vazias, a FIFA não poderá excluir tais temores.

swissinfo.ch: Na Suíça, sede da FIFA, os parlamentares querem reforçar o quadro jurídico das organizações internacionais. O que a instituição deve achar disso?

GT: Estou satisfeito de saber que alguns deputados abriram o olho para a questão, em vez de continuar fazendo vista grossa com medo de que essas federações e organizações internacionais saiam da Suíça. Tais ameaças não devem ser levadas a sério porque não há lugar melhor para as organizações internacionais.

Elas devem, sim, ser gratas à Suíça por tentar colocar barreiras de segurança. Assim elas podem trabalhar melhor, pois têm uma desculpa para resolver os problemas internos.

Quando se fala de corrupção e má gestão, a imagem da Suíça também é associada negativamente. Por isso é importante, não apenas dar um passe para elas, mas lembrá-las que estão em um Estado de direito.

Os dirigentes da FIFA são acusados de corrupção há anos.

2006: após a publicação de uma investigação do jornalista britânico Andrew Jennings, uma comissão de ética foi estabelecida.

2008: julgamento em Zug (centro) contra funcionários da FIFA que teriam embolsado milhões de dólares na atribuição de direitos de TV para a empresa de marketing esportivo ISMM-ISL, agora falida.

2010: outro escândalo de corrupção sobre o processo de atribuição da Copa de 2018 e 2022, respectivamente à Rússia e ao Qatar. O nigeriano Amos Adamu e o taitiano Reynald Temarri teriam tentado vender o voto aos jornalistas disfarçados de lobistas.

29 de maio de 2011: a poucos dias da eleição para presidente da federação, o principal rival de Joseph Blatter, Muhamed Bin Hamman, é excluído da eleição pelo comitê de ética, que também suspende o vice-presidente Jack Warner, enquanto que Joseph Blatter é absolvido.

Adaptação: Fernando Hirschy

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