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“Cansei de ser terapeuta, agora sou analista” – continuação

Região em conflito: judeus ultra-ortodoxos queimam a bandeira de Israel durante a comemoração pelos 60 anos de fundação. Keystone

Na segunda parte da entrevista, o escritor e jornalista Henryk M. Broder fala sobre o fim da Europa, a ascensão da China e da Índia como potências econômicas, o perigo da dominação islâmica e a guerra de culturas.

Você veio à Suíça dar uma palestra intitulada “Os últimos dias da Europa – Eurábia ou Eurásia”. O que isso significa?

Henryk M. Broder: Esse título eu tirei de alguém que admiro bastante: Karl Kraus. De 1915 a 1922, ele escreveu uma grande obra, “Os últimos dias da humanidade” (n.r: “Die letzten Tage der Menschheit”). Karl Kraus sabia naturalmente que não eram os últimos dias da humanidade, mas sim os últimos dias da humanidade como ele a conhecia.

De fato, a I Guerra Mundial acabou mudando a realidade na Europa. Não só isso, mas logo depois veio a II Guerra Mundial. Eu acredito que estamos vivendo agora uma situação semelhante. Em primeiro lugar, acho que já estamos no meio da III Guerra Mundial. A única diferença é que guerras não são deslanchadas hoje como foram em 1914 ou em 1939. Não é necessário assassinar um príncipe herdeiro com uma bomba ou invadir um país para começar o combate. Hoje em dia temos guerras assimétricas, que funcionam com outras regras.

Estamos então à beira do abismo?

H.M.B.: O título da palestra que dei em Zug é “Os últimos dias da Europa” e o subtítulo “Eurábia ou Eurásia”. De fato, acredito que estamos vivendo os últimos dias do continente, apesar de ver isso de uma forma simbólica. Os últimos dias podem ocorrer em meses, anos ou mesmo décadas. Tenho um leve medo de fazer prognósticos. Desde os dias do Clube de Roma sabemos que nove entre dez previsões não se concretizam. Porém, tenho algumas visões e entre elas está a crença de que estamos vivendo a decadência da Europa. A questão não é saber “se”, mas “quando”. Isso talvez dure uma ou duas gerações até que não tenhamos mais o continente como o conhecemos. A alternativa será – na verdade, ela nos será imposta – a “Eurábia”, ou seja, uma Europa dominada pela Arábia, ou “Eurásia”, uma Europa dominada pela Ásia. No momento tudo indica que teremos uma “Eurábia”, mas eu acredito que será uma “Eurásia”.

Nesse sentido você está pensando no surgimento das duas novas potências econômicas, a China e a Índia?

H.M.B.: Exatamente. A “Eurásia” é devida ao explosivo crescimento econômico dessas duas potências. Atualmente existe na Índia, por exemplo, uma classe média formada por um grupo entre 300 a 400 milhões de pessoas, o que corresponde à população inteira da Europa. Eu acho que, em longo prazo, os chineses não conseguirão se manter emparelhados com os indianos, pois eles estão mais avançados: eles têm democracia, regras políticas bem definidas, enquanto a China ainda é uma ditadura econômica. Porém, isso é indiferente. Quando a situação mudar na China, eles e os indianos irão dominar a Europa.

Concretamente como você vê o início dessa dominação?

H.M.B.: Os indianos já o estão fazendo de uma forma discreta, sem fazer barulho. Arcelor Mittal, o maior fabricante de aço do mundo, uma empresa indiana, está comprando consecutivamente produtores de aço na Europa, como ocorreu há pouco em Luxemburgo. Detalhe: seu dono é um homem, cujo pai vivia da venda de ferro velho no passado. Ele conseguiu alcançar isso em apenas uma geração. E se hoje você entra na primeira classe dos trens através da Alemanha ou na classe executiva nos aviões, é cada vez mais comum encontrar executivos indianos que falam perfeitamente inglês – e as vezes até o alemão – que estão viajando pelo país para fazer aquisição de novas empresas. Veja como o fabricante de automóveis indianos Tata comprou os ingleses Land Rover e Jaguar.

A sensação no último Salão do Automóvel em Genebra foi a apresentação do modelo popular Tata Nano, que custa apenas 2.800 francos. Os fabricantes europeus tremeram.

H.M.B.: Isso é apenas o começo da tremedeira. E falando de uma certa histeria européia em relação às mudanças climáticas, sabemos que para ela contribuiu a desavergonhada pretensão dos chineses e dos indianos de ter um dia o nosso padrão de vida. Enquanto éramos os únicos poluidores do mundo, não havia problema. Mas agora, com dois bilhões de seres humanos à nossa porta, querendo ter carros, máquinas de lavar e aquecimento nos lares, essa realidade nos faz tremer quando pensamos no nosso suprimento de energia. E agora temos a petulância de querer dizer que eles devem ser comedidos e felizes com o pouco que têm, depois que alcançamos tudo o que quisemos. A Europa não irá sobreviver a isso!

Certo, eu entendi a questão da “Eurásia”. Mas quando você fala em “Eurábia”, estaria imaginando a dominação da Europa pelos países árabes? Nesse caso o perigo estaria no imigrante muçulmano que já vive ou continua a imigrar para o continente?

H.M.B.: Quando eu falo em “Eurásia”, falo de uma tomada econômica do poder do continente europeu através dos asiáticos, o que não significará necessariamente uma mudança significativa do nosso modo vida. Os asiáticos são pessoas economicamente ativas e fortes, mas que não têm uma pressão missionária. Eles não querem transformar a Europa em um continente budista ou confuciano. Seus interesses são apenas de fundo econômico e isso é absolutamente legítimo. Já a “Eurábia” é uma situação diferente: os países árabes ou muçulmanos não têm a capacidade de dominar economicamente a Europa. Eles podem impor determinadas condições como diminuir a extração do petróleo e aumentar conseqüentemente seu preço. Porém, eles não têm o “man power”, o número de acadêmicos e a “Intelligentsia”(n.r: classe intelectual) para tomar o nosso continente.

Mas não existem países árabes que estão se transformando em importantes centros financeiros, de serviço ou turismo?

H.M.B.: Sim, Dubai e Abu Dhabi são exemplos, mas vamos esperar para ver se eles não são apenas bolhas de sabão. Eu também acho impressionante isso, mas a verdade é que a grande maioria dos países árabes e no mundo muçulmano são extremamente atrasados. Existem excelentes relatórios de órgãos ligados à educação nas Nações Unidas que mostram a dificuldade de encontrar nesses países prêmios Nobel ou descobertas científicas. Já em países como o Vietnã, Tailândia ou Brasil isso existe. Veja o exemplo da Coréia: em 30 anos, eles se desenvolveram como a Europa o fez em duzentos. Já os países árabes ficaram para trás, sem dúvida!

Então qual é a razão do temor europeu frente aos países árabes?

H.M.B.: Os países árabes exercem uma forte pressão política sobre a Europa. Na minha palestra fiz uma cronologia do relacionamento da Europa com o Irã. Você vê como nos últimos três anos o Irã, dirigido pela sua gangue de Mulás, desafia a Europa. Na última semana, os EUA fizeram mais uma oferta ao país, de abandonar o enriquecimento de urânio, e que terminou sendo refutada como já ocorreu tantas vezes no passado. Tratamos agora de uma situação que é descrita por um jornalista americano como “Barbarians with the Bomb”, ou seja, os bárbaros com a bomba. Esse é um homem (n.r: o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad) que acredita no retorno do 12° Imame e que o Islã tem a função de converter o mundo. Em breve esse país estará em possessão da bomba nuclear e o Ocidente não poderá fazer nada contra.

Veja também como o dirigente líbio, Muammar Kadhafi, foi grandiosamente recebido na França há um ano, apenas poucas semanas depois de liberar cinco enfermeiras búlgaras e um médico palestino que haviam passado inocentemente oito anos em prisões líbias. Por todo esse tempo essas pessoas foram torturadas e ameaçadas de morte. Por isso ele terminou sendo premiado. Esse tipo de chantagem compensa.

Mas nos artigos que você publica no “Weltwoche” ou na “Spiegel” a imigração muçulmana na Europa parece representar um perigo muito maior, não?

H.M.B.: Existem fatos concretos sobre a imigração. Quando um grupo representa 2 ou 3% da população, existe a possibilidade de integração. Mas quando esse mesmo grupo representa 20 ou 30%, então a sociedade começa a se integrar a esse grupo e não o contrário. Hoje vejo a enorme transformação demográfica vivida em metrópoles como Berlim, Londres ou Paris nos últimos 20 anos, uma transformação que ocorre em toda a Europa.

Porém, em países como a Suíça, o convívio de 21% da população de estrangeiros é relativamente harmonioso. Os problemas de integração vividos na Alemanha, França ou Inglaterra são culpa do imigrante ou dos próprios governos?

H.M.B.: Você está absolutamente correto. Mas você, como brasileiro de origem alemã, é visto aqui como um “exilado europeu”, ou seja, não é percebido como estrangeiro. Falar em imigração e imigrantes é hoje em dia uma expressão eufemística. Na Alemanha criou-se o termo “pessoas com fundo migratório” e isso não serve para qualificar pessoas como você ou como eu, também um estrangeiro – eu nasci na Polônia, cheguei aqui com 11 anos de idade e não falava alemão. Essa expressão também não se aplica aos japoneses em Düsseldorf, aos tailandeses em Munique e cada vez menos aos turcos. O termo se aplica na verdade a um grupo que tem sérios problemas de integração: árabes e muçulmanos. São pessoas que dificilmente se integram.

A Suíça tem uma população de 311 mil muçulmanos, em grande parte bem integrados.

H.M.B.: Isso é fácil de esclarecer. O problema da integração não tem a ver com a questão social. Na Suíça, a proporção de turcos e árabes na população é relativamente baixa. Você tem muitos imigrantes asiáticos e dos países da ex-Iugoslávia. E é preciso dizer que os muçulmanos dos países balcânicos não têm nada a ver com os do norte da África. É outra cultura. Em Berlim temos os turcos, que podem estar mal ou bem integrados, mas a contagem geral é positiva. Porém existem situações catastróficas como a Holanda, onde 90% dos imigrantes são de norte-africanos, sobretudo marroquinos. São situações diferentes, o que explica por que em alguns países funciona e em outros não. Isso está menos relacionado à atuação dos países, mas sim com a cultura dos imigrantes. Desde que estou vivendo em Berlim, nunca vi uma manifestação de asiáticos que protestassem por se sentirem ofendidos. Também nunca vi uma manifestação de portugueses. Os portugueses vão para a rua quando a sua seleção ganha no futebol, tomam cerveja e são simpáticos.

O Brasil também recebeu massas de imigrantes muçulmanos no século 19, como libaneses e sírios, e isso nunca representou um problema para a sociedade.

H.M.B.: Mas a situação era completamente diferente. O Islamismo, como os radicais denominam o Islã, não é uma descoberta recente, não surgiu com o conflito na Palestina. A Irmandade Islâmica surgiu no Egito nos anos 20 do século passado.

Mas a Irmandade Islâmica surgiu também como uma forma de protesto contra o colonialismo e, posteriormente, contra a ditadura. Esse tipo de extremismo não pode ser visto como uma forma de se rebelar contra a opressão?

H.M.B.: Nesse caso a religião tem um papel quando não foi secularizada. Ao contrário do Cristianismo, do Judaísmo e do Budismo – que é de qualquer maneira uma outra tradição – isso ocorre quando não houve um processo de transformação do domínio religioso para o regime leigo. Se uma religião criada há quarenta anos levar ao pé da letra o que está no Corão, ela termina invariavelmente caindo no terror. Na Bíblia, no Velho e no Novo Testamento, também há coisas terríveis, mas é uma minoria de cristãos e judeus que levam essas palavras ao pé da letra, não é o “mainstream”. Todos os livros sagrados são como um negócio “self-service”: você pode tirar o que quer. Mas no Islã não houve movimento de refoma. Veja, não existe nenhuma fatwa (n.r: pronunciamento legal no Islã emitido por um especialista em lei religiosa) contra o terror, mas uma centena delas que se ocupam de explicar quando um homem pode ficar num recinto sozinho com uma mulher ou se o hímen destruído da mulher pode ser reconstruído. Há 20 anos Salman Rushdie está condenado à morte por uma fatwa e ela não é retirada. Não é possível revogá-la.

O Islã não é uma religião descentralizada, onde as opiniões podem ser mais diversas, assim como as interpretações?

H.M.B.: Sim, o Cristianismo também. Você tem o Papa, o Patriarca em Constantinopla, a Igreja anglicana. Quantas igrejas existem na América? Centenas!

Mas você concorda que, no contexto de um Islã sem reformas, a religião possa ser um escape para o atraso econômico e a opressão política em muitos países muçulmanos?

H.M.B.: Não posso dizer isso. Prefiro não quebrar minha cabeça com esses pensamentos, pois se isso fosse verdade, valeria também para cristãos e judeus. Quando encontro judeus e cristãos frustrados, realmente eles tendem ao dogmatismo religioso. Mas tudo que é marginal no Judaísmo e no Cristianismo, no Islã é “mainstream”. Existe essa pretensão de superioridade das religiões. Recentemente um diretor de cinema fez um documentário na Alemanha, onde ele filmou várias preces e depois deixou traduzi-las. Elas mostram que as preces falam claramente da superioridade do Islã nas condições da diáspora, levando a mensagem de que não se trata apenas de viver no país acolhedor, mas sim invadir e ocupar o espaço público.

Na Suíça assim como Europa as igrejas estão vazia por falta de fiéis. É culpa dos muçulmanos deles viverem a sua religião com intensidade e exigir, nesse sentido, mais direitos?

H.M.B.: Você está absolutamente correto! Eu inclusive acho que a Europa tem de pagar esse preço. Nosso continente tomou uma direção do luxo – uma direção que eu acho agradável, afinal sou parte disso também – e do individualismo. O problema é que a Europa não está em condições de resistir a um conflito fundamental sobre sua existência. Veja como ela teve de ceder no caso das caricaturas de Maomé. Veja como toda a Holanda tremeu nas bases com o filme de Geert Wilders, onde até o secretário-geral da ONU foi obrigado a intervir. O filme não tem absolutamente nenhuma periculosidade. Ele mostra exatamente o mesmo que os muçulmanos mostram quando colocam suas posições, atos e crimes na Internet.

swissinfo, Alexander Thoele

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