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“China, Índia e Brasil preferem o status quo”

A embaixadora Monika Rühl Burzi na sua sala no SECO. swissinfo.ch

As negociações da Rodada de Doha estão em ponto morto. Para a Suíça, a liberalização mundial do comércio depende da boa vontade dos países emergentes, mas reconhece que, mesmo como país industrializado, sua agricultura também é um ponto fraco.

Quem explica é a embaixadora Mönika Rühl, delegada do governo helvético para acordos comerciais. Uma entrevista swissinfo.ch

Ela faz parte do grupo de funcionários públicos de alto escalão do governo que, longe dos holofotes da imprensa, costura acordos de livre comércio com vários países do mundo, a opção escolhida pela Suíça para superar as dificuldades com a Rodada de Doha.

Mönika Rühl Burzi é chefe do setor de relações bilaterais econômicas na Secretaria Federal de Economia (SECO) e delegada do governo federal para acordos comerciais. No seu escritório em Berna, a diplomata recebe o jornalista da swissinfo.ch para falar sobre o relacionamento econômico da Suíça com a América Latina.

swissinfo.ch: Crises econômicas aumentam o risco de protecionismo. O seu trabalho se tornou mais difícil?

Mönika Rühl: De fato, a crises econômicas provocam esse fenômeno do aumento do protecionismo no mundo inteiro. Também percebemos que alguns dos nossos parceiros adotaram medidas protecionistas. Por isso concordo que meu trabalho mudou, pois agora estamos em contato com eles, os confrontando com essas medidas.

swissinfo.ch: Seriam parceiros como os Estados Unidos?

M.R.: Os EUA são um exemplo como se viu na famosa cláusula “Buy American”. Mas já vimos esse fenômeno na Rússia ou China. Eu penso que essa é uma reação natural, quase instintiva, em tempos de crise, mas que do nosso ponto de vista não tem justificativa. A Suíça defende mercados abertos. Essa foi a nossa posição na OMC (n.r.: Organização Mundial do Comércio). A ministra Doris Leuthard esteve em Davos durante o encontro do Fórum Econômico Mundial (WEF) e fez uma declaração oficial em que a Suíça se posiciona contrária ao protecionismo, mesmo em tempos de crise.

swissinfo.ch: Como vinte e dois tratados de livre comércio (n.r.: “free trade agreement” ou FTAs”) com países fora da União Europeia, a Suíça parece ter escolhido o caminho das negociações bilaterais. Por que?

M.R.: A economia suíça está orientada à exportação. O sucesso das nossas empresas depende bastante do acesso aos mercados estrangeiros. Para nós, o caminho da OMC seria o melhor para garantir esse acesso e concretizar mais passos a caminho da liberalização, porém vemos atualmente que as negociações no contexto das Rodadas de Doha estão paradas há alguns anos. Por isso investimos de forma bastante consciente em negociações bilaterais de livre comércio, assim como outros países o fazem.

Como você sabe, a Suíça trabalha em conjunto com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), na qual participam Liechtenstein, Noruega e Islândia. Somos um pequeno grupo de países e também somos pragmáticos. Isso nos permitiu ter negociado mais rapidamente do que o nosso principal concorrente nos mercados externos, a União Europeia.

swissinfo.ch: Quais são as vantagens e desvantagens dos FTAs? Os acordos bilaterais não seriam complexos demais, obrigando as empresas a interpretá-los caso a caso para fazer seus negócios no exterior? Acordos multilaterais não teriam a vantagem de dar as mesmas regras a todos?

M.R.: Absolutamente! Essa é exatamente a vantagens deles. Em primeiro se você tem passos de liberalização através da OMC. São são regras que valem para todos de uma vez só. Já tratados de livre comércio funcionam com um parceiro, sendo que este pode ser um país ou um grupo de países. A vantagem dos FTAs é que eles podem ir além das medidas implementadas pela OMC. Para Suíça, além do acesso ao mercado, existem outras determinações que estão ancoradas nos FTAs como a proteção da propriedade intelectual, algo muito importante para o nosso país. Do ponto de vista das empresas, posso entender que seja complicado se orientar nessa diversidade de acordos de livre comércio. Tentamos ajudá-las a superar essas dificuldades através da publicação de brochuras, onde cada um desses acordos firmados no contexto da EFTA são bem explicados. Nelas mostramos às empresas de uma forma simples e claras as vantagens concretas dos FTAs. Além disso, estamos sempre à disposição para dar mais informações.

swissinfo.ch: Na América Latina, a Suíça dispõe atualmente de FTAs com o Chile, Colômbia e México. Em breve deve sair um com o Peru, não?

M.R.: O primeiro acordo de livre comércio foi firmado com o México em 2001. O segundo foi com o Chile, em 2004. Como você vê, os dois acordos já estão em vigor há alguns anos. Com a Colômbia e o Peru as negociações foram concluídas. Em relação à Colômbia, estamos confiantes de que o FTA entrará em vigor ainda este ano. Mas o tribunal constitucional colombiano precisa ainda aceitar o acordo. Trata-se de uma questão interna do país. Já com o Peru existe a previsão da assinatura do acordo agora em junho. A sua entrada em vigor deve ocorrer em 2011.

swissinfo.ch: Os números da SECO mostram que a Suíça tem superávits da balança comercial com todos os países latino-americanos com quais mantém FTAs e também os outros. Só a Suíça tiraria vantagem do livre comércio?

M.R.: Não. Firmamos esses acordos para atender interesses recíprocos. O que você diz é correto parcialmente. Com relação ao FTA com o Chile, as exportações chilenas à Suíça se mantiveram constantes desde a entrada em vigor do acordo. O México teve um aumento de 100% das suas exportações para a Suíça. Foi um desenvolvimento maior do que as exportações suíças a esse país, que aumentaram no mesmo período em apenas 19%. De fato temos um superávit da balança comercial com os países da América Latina. De um lado, isso tem a ver com a competitividade da economia helvética. Não apenas somos competitivos, mas também temos uma economia diversificada. Esse é um problema que os países latino-americanos têm de enfrentar: em geral, suas economias são pouco competitivas, menos diversificadas, ou seja, eles têm um leque menor de produtos que podem ser exportados à Suíça.

Quando discuto com meus colegas na América Latina, eles falam que seus governos estão conscientes do problema e querem tomar medidas específicas para reformar suas economias e torná-las mais competitivas.

swissinfo.ch: Uma forma ajuda por parte dos países desenvolvidos não seria mais ajuda ao desenvolvimento ou transferência de tecnologia?

M.R.: Depende. A cooperação suíça na área econômica está presente na Colômbia e Peru. Lá queremos realmente ajudar que esses mercados ganhem mais competitividade. Existem programas específicos, cujo principal objetivo é tornar produtos concorrentes para o mercado helvético. Isso significa não apenas fazer com que eles atendam nossos padrões, mas também que esses produtos se tornem mais atrativos aos nossos consumidores.

swissinfo.ch: Acordos de livre comércio como o firmado entre a Colômbia e os Estados Unidos foram recentemente criticados por uma comissão da ONU. Parece haver também uma certa oposição em alguns parlamentos nacionais…

M.R.: Essas são reações típicas que ocorrem em parlamentos de todo o mundo. Quando você analisa o desenvolvimento da economia colombiana, vê que foi impressionante nesses últimos anos. O país teve altas taxas de crescimento e tornou-se seguramente mais competitivo. Naturalmente existe um problema de correlação de forças – os EUA têm um mercado proporcionalmente maior do que a Colômbia. Não dá para mudar essa realidade. Mas existe um interesse comum e, em longo prazo, esse acordo trará seus frutos.

swissinfo.ch: swissinfo.ch: Muitos empresários suíços reclamam das dificuldades para fazer negócios no Brasil. Eles reclamam finalmente um acordo de livre comércio com o maior país da América do Sul. Quando ele vai sair?

M.R.: Em primeiro lugar, o potencial do mercado brasileiro é muito claro. É fenomenal ver como o Brasil superou a crise mundial. É um grande país, com um grande mercado interno. Quanto à questão dos problemas levantados pelos empresários em relação à entrada no Brasil – taxas elevadas, trâmites complicados e burocracia – esses são temas discutidos dentro das comissões econômicas mistas. Há três anos temos uma nova comissão econômica que se encontra uma vez por ano. Do lado suíço ela é chefiada por mim. E nesse sentido é importante que as empresas me transmitam suas constatações e que eu leve então aos meus colegas brasileiros. Ou as empresas podem me acompanhar, o que permite então um debate aberto. Assim surge um diálogo interessante, capaz de clarificar as autoridades brasileiras acerca dos problemas enfrentados pela economia para entrar no mercado brasileiro.

Porém para o Brasil é importante negociar um acordo de livre comércio dentro do contexto do Mercosul, não?

M.R.: Existe uma declaração de cooperação entre o Mercosul e o EFTA datado de 2000. Nele os dois blocos concordam basicamente em manter o contato e discutir, mas não sei se a palavra ‘livre comércio’ foi incluída nessa declaração. Porém vimos que nos últimos anos o Mercosul se modificou. Nele existem diversas questões internas levantadas pelos seus membros e que precisam ser resolvidas por eles. Vimos que a União Europeia, também em contato com o Mercosul, não conseguiu avançar muito nessa área. De forma geral, tanto para o EFTA como para a Suíça, temos interesse em manter contatos com o Mercosul. Porém penso que o mais provável é que as negociações sejam feitas em grupo, ou seja, entre os dois blocos.

swissinfo.ch: Isso significa que um tratado de livre comércio entre o Brasil e a Suíça é improvável no atual momento?

M.R.: Seria algo muito desejável para nós, mas acho que não é realista. A questão-chave para um acordo de livre comércio entre o Brasil e a Suíça, ou entre o EFTA e o Mercosul, é sem dúvida a agricultura. Nela a situação é a seguinte: o Brasil é um exportador de produtos agrícolas e a Suíça, um importador. A correlação de forças nesse caso é inversa. E como você sabe, a agricultura é para a Suíça um setor muito sensível politicamente. Nossa agricultura se reformou continuamente nos últimos anos e também se abriu. Esse é um tema sensível para o governo e os agricultores.

swissinfo.ch: Por que a agricultura é tão importante para a Suíça se seu valor agregado sobre o PIB foi de apenas 0,9%, em 2008. Esse também é um setor que ocupa apenas 4% da população ativa…

M.R.: Se analisamos apenas os números, você tem razão. Por outro lado, é preciso ver que a agricultura suíça tem uma tradição de muitos anos. Ela também se adaptou rapidamente às condições modernas. É preciso reconhecer isso. Existem muitos agricultores que se especializaram em nichos do mercado como, por exemplo, na produção de queijos ou vinhos. Nelas eles são competitivos também internacionalmente. É preciso ser realista e fazer o que é possível. Essa é a política defendida pelo governo federal: de um lado dizemos a eles (os agricultures) que precisam se adaptar, se tornar mais competitivos e se abrir. Mas ao mesmo tempo temos também de levar em consideração suas condições. A população tem orgulho dos seus agricultores e dos produtos que nos fornecem.

swissinfo.ch: Um problema importante no debate sobre a liberalização com a América Latina é a questão da proteção dos direitos intelectuais e a segurança jurídica. Como a Suíça vê isso? Em 2008, a filial da Holcim na Venezuela foi estatizada…

M.R.: A estatização da Holcim na Venezuela é uma questão da segurança jurídica dos investimentos. Quanto à proteção dos direitos intelectuais, esse é um ponto importante para nós não apenas na América Latina, mas com o resto do mundo. A força da economia suíça está nas inovações. E elas custam dinheiro. Quanto uma empresa investe para levá-las ao mercado, ela necessita protegê-las. Isso vale para a indústria farmacêutica, de máquinas e também a relojoeira. Na América Latina intervimos regularmente através dos canais oficiais da Suíça para proteger, por exemplo, a indústria farmacêutica quando suas patentes não são respeitadas. Nesses casos exigimos dos nossos parceiros comerciais o respeito ao compromisso firmado por eles dentro da OMC através dos acordos TRIPs.

Porém existem problemas na aplicação, ou “enforcement” como é tão marcante no inglês. Vários países latino-americanos têm legislações que correspondem inteiramente aos padrões definidos nos TRIPs, mas a questão é executá-las. Então chegamos a casos concretos: quando um agente alfandegário brasileiro precisa controlar uma mercadoria importante, como ele pode reconhecer os relógios falsificados? Isso exige que ele tenha uma formação. E esse é o esforço da indústria relojoeira.

swissinfo.ch: Quem é culpado pelo bloqueio da rodada Doha de negociações da OMC?

M.R.: Não é correto dizer que nada mais aconteceu desde julho de 2008. Desde então já foram realizadas conversações como de Genebra em nível de funcionários. Existem muitos grupos de negociações e temas também. Porém, de fato, a rodada não foi concluída e esse é o objetivo final. Seria muito fácil dizer que um ou outro país são culpados por essa situação.

swissinfo.ch: China, Índia e Brasil costumam ser citados pela imprensa europeia como os que bloqueiam as negociações…

M.R.: A questão é que os países defendem suas posições. E quando você as observa, penso que uma das razões está no fato de muitos países terem interesses no status quo. Acredito que isso vale especialmente para os países emergentes como a China, Índia e Brasil. Eles vivem bem com a situação atual. Eles não querem fazer mais concessões que irão apenas lhes custar mais dinheiro. Cada país está disposto a fazer concessões, mas só se receber algo de volta.

Outro aspecto é a dificuldade de entender a posição dos Estados Unidos. Em minha opinião, o presidente Obama ainda não se posicionou claramente. Isso é percebido não apenas na OMC, mas também nos tratados de livre comércio negociados durante a gestão do presidente George Bush como com a Colômbia, ainda não aprovado pelo seu congresso. Já com a União Europeia, uma nova comissão foi formada e ela também viveu uma mudança estrutural. Existem vários aspectos que explicam porque a rodada Doha de negociações ainda não puderam ser concluídas. Ninguém está satisfeito com essa situação, mas eu pessoalmente não vejo nenhuma mudança em curtao prazo para essa situação.

Alexander Thoele, swissinfo.ch

Nasceu em 12 de dezembro de 1963 em Uster, cantão de Zurique.

Formada em linguística e literatura italiana na Universidade de Zurique (1990).

Em 1992 entrou para o Ministério suíço das Relações Exteriores.

De 1998 a 2002 atuou como conselheira na missão da Suíça em Nova Iorque.

De 2002 a 2006 foi assistente pessoal do conselheiro federal Joseph Deiss.

Desde agosto de 2006 é chefe do setor de relações bilaterais econômicas na direção de Economia externa na Secretaria Federal de Economia (SECO).

Em outubro de 2008 foi nomeada delegada do governo federal para acordos comerciais.

Nessa posição, a embaixadora chefia 20 comissões econômicas que incluem países como Brasil, China, Índia, Federação Russa e a África do Sul.

A Suíça dispõe atualmente, além da convenção da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, na sigla em inglês) e do acordo de livre comércio com a União Europeia, 22 acordos de livre comércio (free trade agreements ou FTAs) com 31 parceiros fora da UE.

Normalmente os acordos são concluídos dentro do EFTA. Porém alguns existem fora do seu contexto como é o caso dos acordos com o Japão e as Ilhas Faroé.

FTAs na América Latina:

México (entrou em vigor em 1.07.2001)

Chile (01.12.2004)

Colômbia (assinado em 25.11.2008, deve entrar em vigor no 2° semestre de 2010).

Peru (em negociação – iniciado em 31.10.2008 e pode ser assinado no 1° semestre de 2010)

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