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“James Bond” abre conta secreta num banco suíço

Só no cinema: chegar com uma mala cheia de dinheiro no banco. Ex-press

Por mais arriscada que seja a missão, James Bond sempre se sai bem. E quando precisa de dinheiro, o agente secreto inglês já sabe onde procurar: na sua conta numerada em um dos incontáveis bancos suíços.

swissinfo abandona mundo do cinema e sai em “missão” para descobrir se ainda existem e como funcionam as famosas contas anônimas no maior banco suíço, o UBS.

No último filme de James Bond, “Casino Royale”, tudo gira em torno do dinheiro. O embate mais emocionante entre o agente secreto inglês e seu arquiinimigo Le Chiffre acontece numa mesa de pôquer, onde os dois disputam na carta o prêmio de 150 milhões de dólares.

E falando de dinheiro, obviamente um banco suíço não poderia faltar na história. No filme é possível ver como James Bond entra na agência do fictício “Banco da Basiléia”, um ambiente de luxo, onde os funcionários são discretos e poliglotas e tudo funciona à base de alta tecnologia. Lá ele abre um cofre, onde estão guardados o dinheiro e passaportes falsos.

Essa não é a primeira vez que bancos suíços aparecem em filmes de James Bond. Afinal, como um agente poderia sobreviver sem contas numeradas, nas quais o serviço secreto inglês MI6 deposita os milhões para suas próximas aventuras?

Fantasia à parte, nenhum clichê sobre o país dos Alpes é tão forte como a habilidade helvética de proteger e administrar fortunas alheias. Porém as contas numeradas são um fato. Ao sobreviver à chuva de denúncias no passado recente, de servir de porto seguro para dinheiro de ditadores, corruptos e traficantes de todo o mundo, elas sofreram modificações na legislação suíça e hoje são apenas mais um produto oferecido pelas instituições bancárias a uma clientela exclusiva.

Para descobrir como um estrangeiro pode abrir uma conta numerada na Suíça, eu decido me transformar também num “agente secreto”. Assim eu procuro uma agência do UBS, o maior banco do país e também o maior gerenciador de fortunas do mundo.

Sempre um sorriso

Ao entrar na agência localizada em Bubenbergplatz, praça no centro de Berna e poucos metros distantes da estação de trem, o primeiro contato com o cliente são os simpáticos funcionários que trabalham em pé num pequeno guichê.

Eu escolho o mais simpático deles e pergunto sem rodeios como abrir uma conta numerada. Para justificar, explico que tenho um parente rico no Brasil, um empresário, que gostaria de depositar sua fortuna num país seguro. “Ele se lembra traumatizado até hoje quando um presidente brasileiro bloqueou o dinheiro depositado nos bancos para combater a inflação”, contei ao me lembrar do primeiro ato de governo de Fernando Collor de Mello, em 15 de março de 1990. Essa história choca qualquer estrangeiro.

Ao escutar o relato, o funcionário ajeita a gravata, pega o telefone e sussurra algumas palavras no bocal. Então ele pede gentilmente que eu me sente na sala de espera, até que alguém venha me buscar.

Em apenas alguns minutos, um jovem rapaz de terno e gravata e outra colega, em trajes clássicos, se apresentam com um simpático sorriso no rosto e pedem que eu os acompanhe até uma sala privada no primeiro andar do prédio. “Que língua o senhor prefere falar?”, é a primeira pergunta.

Apenas uma formalidade

Ao sentar-me na pequena sala, os dois se apresentam como funcionários do departamento de gestão de fortunas. Eu conto mais uma vez a história do parente rico, dessa com mais detalhes, e digo que preciso das informações para explicar a ele como abrir a conta numerada na Suíça.

Os dois escutam com paciência e sorriem mais uma vez. “Não há nada de complicado nesse tipo de conta”, diz o rapaz. “Celebridades, por exemplo, não gostam que um funcionário qualquer controle o movimento de suas contas. É por isso que clientes exclusivos escolhem esse tipo de serviço extra, cuja principal vantagem é oferecer privacidade”.

Os dois funcionários não precisam explicar, mas eu sei que as primeiras exigências apresentadas se referem à Lei de combate à lavagem de dinheiro. Ela entrou em vigor na Suíça em 1 de julho de 2004, introduzindo regras mais restritas para o setor. Eles explicam o procedimento sem titubeios.

“Em primeiro lugar, seu parente deve entrar em contato com os nossos representantes que, se necessário, também poderão se deslocar ao Brasil. Não se preocupe, pois eles também falam português e podem explicar como tudo funciona. Então ele precisa vir à Suíça pessoalmente com os documentos para provar a origem do dinheiro que será depositado”.

Nessa explicação eu interrompo o rapaz e o questiono sobre a discrição suíça. Ele retruca: “A questão é que temos na Suíça leis severas contra lavagem de dinheiro ou fundos de origem ilegal. Seu parente tem de mostrar notas fiscais, certificados de herança ou qualquer outro documento que comprove a origem dos recursos. Tudo será analisado pela nossa equipe, formada por especialistas que conhecem bem o mercado brasileiro”.

O serviço não é gratuito. No UBS uma conta numerada custa 500 francos por ano e só pode ser aberta a partir do depósito de 100 mil francos. Ao invés de ser nominal, a conta é identificada por um código de números. Se o cliente quiser, ele até dar um pseudônimo a ela, algo como “Violino” ou “Octopussy”, como explica o site de uma empresa helvética especializada na abertura de contas na Suíça, a Micheloud & Cie.

Eles me explicam que a transferência do dinheiro do Brasil para a Suíça deve ser feita através de banco de atuação internacional, respeitando as leis do país e informando as autoridades competentes. Eu resolvo fazer uma piada e pergunto se não seria possível entrar no avião carregando uma mala de dinheiro. Os dois riem, mas negam com a cabeça.

Serviço de luxo com restrições

A minha dúvida é saber se o dinheiro, a partir do depósito no UBS, fica parado como se tivesse sido colocado embaixo do colchão. Os funcionários se espantam com a ingenuidade, mas não perdem a compostura. “O correntista de uma conta numerada tem funcionários de contato na Suíça. Se ele quiser que algum montante seja investido em ações, fundos de investimento ou outras formas, só precisa entrar em contato por telefone”, explicam.

“E a discrição?”, eu insisto. “Ela é absoluta”, ressalta a funcionária. “Apenas três pessoas, o funcionário de contato, seu substituto e um funcionário do setor de segurança, têm acesso aos dados pessoais do correntista”. Eu posso ler a mesma informação horas mais tarde no prospecto da empresa Micheloud & Cie, que ainda destaca que “cada averiguação na conta pelos funcionários deve ser protocolada e assinada”.

Durante a conversa, eu aprendo que as contas numeradas não oferecem apenas vantagens. Elas também têm suas restrições. A primeira é que retiradas e depósitos só podem ser feitos através dos funcionários de contato. Elas também não oferecem talões de cheques ou cartões magnéticos.

Depósitos feitos através de terceiros são tratados com extrema segurança. Aceitá-los significaria por parte do banco a confirmação da existência da conta. Nesse sentido, os funcionários de contato explicam aos correntistas, alertando-os para os riscos. Se este aceita a soma, então ela pode ser depositada. Caso contrário, o banco simplesmente nega a existência da conta.

Bond era suíço

Depois de responder a todas as perguntas com paciência e profissionalismo, os dois funcionários se despedem. Antes do aperto de mão, eles me entregam um cartão do banco com o nome e número telefônico de dois colegas do setor de administração de fortunas, responsáveis pelos clientes brasileiros. Um está em Genebra e o outro em Zurique, o centro financeiro da Suíça.

Ao sair do banco, sinto que não há nada de glamoroso em ter uma conta numerada: trata-se apenas de um serviço para pessoas com mais dinheiro na conta do que um assalariado como eu. E eles devem ser numerosos. Segundo informa o seu site, as fortunas administradas pelo UBS estão avaliadas em torno de 2,98 trilhões de francos suíços (dados de 2006).

Porém eu não consigo esquecer James Bond. Além das suas contas secretas, por que ele aparece tanto na Suíça nos seus filmes? Será que é a beleza das montanhas que o atrai, como se vê em “Goldfinger” (1964) ou “A Serviço Secreto De Sua Majestade” (1969).

Na série de livros “Young Bond” (Jovem Bond), lançado pela editora Ian Fleming (o nome do escritor inglês que foi o criador do personagem), descubro porque: o agente secreto nasceu em Zurique, viveu na Basiléia e aos onze anos de idade, quando o pai escocês e a mãe suíça morreram num acidente nas montanhas, se mudou para a Grã-Bretanha.

swissinfo, Alexander Thoele

Na Suíça não existem contas anônimas. O banco deve conhecer a identidade do titular da conta e também a origem do dinheiro.

Essas informações são protegidas, porém, pelo segredo bancário.

Excepcionalmente, o segredo bancário pode cair por ordem de uma autoridade judiciária (através de um mandato judicial, por exemplo). Isso ocorre em caso de suspeita de atividades criminosas, o que não inclui evasão fiscal.

Na Europa, bancos na Áustria, Liechtenstein, Andorra e Ilhas do Canal adotam um sistema similar ao da Suíça.

No mundo, países como Antígua e Barbuda, Bahamas, Ilhas Caymans e Costa Rica também conhecem o sistema de contas numeradas.

Contas numeradas são um serviço extra oferecido pelos bancos suíços a maior parte dos seus clientes. Elas podem custar algumas centenas de francos suíços por ano.

Nelas, um número substitui o nome do correntista sobre todos os documentos relativos à sua conta. Trata-se de uma medida interna do banco, cujo principal objetivo é limitar os riscos de violação do segredo bancário.

Através das contas numeradas, apenas um círculo extremamente limitado de pessoas no banco – os funcionários de contato – têm acesso à identidade do correntista. Outros empregados não têm meios de saber a quem pertence a conta apenas através do número. As transferências bancárias são executadas através da menção “o banco X à pedido de um cliente”.

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