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“Me envergonho de ter sido um banqueiro suíço”

O conflito com ex-funcionário se transforma em pesadelo para banco suíço. Keystone

Confessionário na Internet: um ex-funcionário do Julius Bär cria um site para denunciar práticas ilegais do banco privado suíço e oferece o espaço para outros denunciantes do sistema financeiro mundial.

O site é o ponto culminante da briga entre o suíço Rudolf Elmer e o Julius Bär, um caso que começou com uma demissão e se transformou numa catástrofe de relações públicas para o banco.

Na sede do exclusivo banco privado Julius Bär em Zurique, na famosa rua “Bahnhofstrasse”, os executivos devem estar se perguntando o que fizeram de errado no caso Elmer. Como uma disputa com um ex-funcionário pode ser transformar num verdadeiro “super-gau” de relações públicas?

A briga entre Rudolf Elmer e seu ex-empregador lembra um romance policial. Tudo começou quando o suíço foi promovido em 1994 ao cargo de vice-diretor da filial do Julius Bar nas Ilhas Cayman. O trabalho no arquipélago caribenho que, nas últimas décadas, foi içado à posição de quinto maior centro financeiro do mundo, poderia ser considerado agradável: temperaturas amenas o ano inteiro, vista paradisíaca do mar e importantes transações com clientes de alto calibre monetário.

Os problemas começaram no verão de 2002, quando documentos sigilosos chegaram às mãos de autoridades fiscais americanas. Desconfiado, o banco obrigou os funcionários a passar no detector de mentiras. Rudolf Elmer, na época sofrendo de dores crônicas de coluna e nos quadris e sob tratamento médico, interrompeu sua participação na bateria de testes, o que o fez suspeito, obrigando o banco a demiti-lo.

Dentre as suas funções, Elmer era responsável pela guarda de dados sensíveis. “Eu fazia diariamente uma cópia de segurança do servidor do banco e levava os tapes para casa. Algumas vezes esquecia de trazê-los de volta, sobretudo na época que fiquei doente. Ao perder o emprego, retornamos para a Suíça e acabei levando alguns desses tapes com a mudança”, justifica o suíço. Quando o conflito começou a escalar, Elmer descobriu o valor do material que dispunha. “Então comecei utilizar os dados na minha defesa”.

O banco não tem dúvidas quanto às intenções do ex-empregado. “Para nós trata-se de um roubo com intenções criminais”, declara Martin Somogyi, porta-voz do Julius Bär. Elmer não se considera culpado. “Do ponto de vista jurídico eu não roubei o material, pois tinha autorização de guardá-lo”, mas relativiza, “nessa história admito que não seja apenas vítima, mas também criminoso, um ‘whistleblower’ (n.r: um delator)”.

Para um típico banqueiro suíço, zeloso pela carreira, a decisão de tornar público uma disputa interna só se explica pela profunda insatisfação que sentia. Elmer culpou o banco por ter cometido várias irregularidades, dentre elas a falta de pagamento das suas cotizações previdenciárias e do seguro de saúde. Como forma de pressão, ele decidiu utilizar os dados que se apossou para pressionar o ex-empregador. O primeiro passo foi enviar e-mails anônimos para clientes do Julius Bar, ameaçando-os de revelar a existência de dinheiro não declarado às autoridades fiscais dos seus respectivos países. “Uma forma de defender a mim e minha família”, declarou à revista alemã Spiegel em fevereiro de 2008.

Detetives particulares e ameaças

Elmer retornou à Suíça no final de 2002, cinco semanas depois do teste do detector de mentiras, para ser operado na coluna e receber tratamento médico. Ao se recuperar, decidiu procurar um outro trabalho. Em julho de 2003, Elmer assumiu o cargo de gestor de um “hedge funds”. Sua esperança era de entrar em acordo com os ex-empregadores e voltar a ter uma vida normal na Suíça. “O Julius Bär prometeu que não iria atrapalhar a minha vida, mas também que iria acabar comigo caso se eu processasse o banco pela utilização do detector de mentiras e pela demissão”, lembra-se o suíço.

Nos altos escalões do Julius Bär as suspeitas continuavam. Elmer havia se transformado em um fator de risco que precisava ser domado a qualquer custo. Os riscos envolvidos impediam qualquer espécie de acordo. O banco decidiu fazer pressão.

Segundo atestam protocolos policiais, Julius Bär contratou uma agência de detetives para investigar a vida do ex-empregado. Os métodos musculosos empregados pelos agentes terminaram traumatizando Elmer e sua família. Este deu várias vezes queixa na polícia por atividades suspeitas como perseguições de automóvel em rodovias, pessoas estranhas postadas frente à residência ou mesmo na escola da filha.

A observação intensa deixou traços. Segundo o suíço, ele e sua família necessitam até hoje de tratamento psicológico. “Vivia em medo permanente. Quem está me perseguindo? O que esses sujeitos querem comigo? Será que eles vão me jogar na linha de trem?”, lembra-se.

Prisão por 30 dias

Em junho de 2005, Elmer decidiu processar o ex-empregador na justiça de Zurique. Por casualidade, no mesmo período, a revista suíça “Cash” e autoridades fiscais americanas receberam, de forma anônima, um CD contendo dados de clientes do banco datados de 1997 a 2002, em grande parte clientes alemães que teriam desviado grandes somas do fisco. Apesar dos nomes dos clientes estarem em branco, o banco decidiu dar queixa à polícia contra desconhecido. A residência de Elmer foi vasculhada, computadores confiscados e a polícia o prendeu por trinta dias. Foi quando o caso começou a arranhar seriamente a imagem do Julius Bär.

Como resultado da ação policial, Elmer perdeu o emprego. “Não havia contado aos meus chefes a briga que estava tendo com o Julius Bär. Eles me demitiram, argumentando que havia quebrado a confiança”, conta.

Apesar de terem sido encontrados indícios de dados do banco publicados na imprensa nos seus computadores, Elmer foi libertado da prisão por falta de provas. Razão: o acesso aos arquivos do Julius Bär foi negado pela direção do banco às autoridades judiciais.

A juíza responsável pelo caso ofereceu limitar a análise do material a clientes na Suíça, uma proposta que foi negada pelo banco. “Não podemos nós mesmos quebrar o segredo bancário”, explica o porta-voz do Julius Bär. O processo ainda está em andamento nos tribunais de Zurique.

Queixa derrubada pela justiça

Em janeiro de 2006, Elmer partiu para a ofensiva. Em carta endereçada a Johannes de Gier, diretor-executivo do Julius Bär, o suíço reclamou seus direitos, denunciando perseguições por detetives e, ao mesmo tempo, ameaçando revelar às autoridades atividades ilegais do banco como construções financeiras para ajudar a evasão de divisas e sonegação de impostos na Suíça.

Nesse momento, o fluxo de informações sobre o caso começou tomar proporções incontroláveis. “Wikileaks”, um site especializado na publicação de material sigiloso sem comprovação da sua veracidade, publicou inúmeros documentos do banco nas suas páginas. A veracidade deles é colocada em dúvida com veemência pelo Julius Bär. “Não comentamos, mas posso dizer que entre esses papéis existem vários que foram falsificados ou forjados”, ressalta o porta-voz do banco.

No final de dezembro de 2007, a Justiça em Zurique decidiu refutar o processo movido por Rudolf Elmer contra o Julius Bär, confirmando, porém, algumas das denúncias. A família foi, de fato, seguida por detetives particulares durante um ano, inclusive através de automóveis, porém “stalking” (n.r: em inglês significa caçada, perseguição constante) não é considerado um crime na Suíça. Também a denúncia de tentativa de corrupção – o banco teria oferecido 500 mil francos para que Elmer desistisse do processo – não pode ser considerado crime “já que apenas autoridades públicas podem ser corrompidas legalmente”, justifica a juíza no seu parecer. Outras denúncias – ameaças – não foram comprovadas. Elmer pretende agora entrar com uma queixa na Corte Européia de Direitos Humanos contra a Suíça e contra o cantão de Zurique.

Tiro pela culatra

Para o Julius Bär, a decisão da Procuradoria de Zürique-Sihl foi positiva. Porém a publicação dos dados sigilosos na Internet incomodava. Seus advogados decidiram então processar os responsáveis pelo site. Em 15 de fevereiro de 2008, o juiz Jeffrey S. White, da Corte Federal Distrital de São Francisco, emitiu um mandato a pedido do banco Julius Bär & Company para fechar o endereço “Wikileaks.org”, cujo servidor está nos Estados Unidos.

O ataque do banco foi um erro estratégico. Inúmeras ONGs de defesa da liberdade de acesso à informação protestaram energicamente contra o fechamento do site. Ao mesmo tempo, cópias exatas das páginas foram depositadas em outros servidores espalhados pelo planeta – com endereços como “Wikileaks.be” ou “Wikileaks.cx”. A imprensa também se interessou pelo caso e publicou, desde então, inúmeras reportagens. Rudolf Elmer se transformou em uma celebridade, para infelicidade do banco.

“Queríamos impedir a publicação desses documentos caluniosos e, por isso, o juiz americano fechou o site. Essa não era nossa intenção. O resultado da ação foi essa repercussão enorme na imprensa, onde se falava em liberdade de opinião e até mesmo na defesa da Primeira Emenda da constituição americana”, analisa Martin Somogyi.

O fracasso das medidas fez com que, em 29 de fevereiro de 2008, o mesmo juiz voltasse atrás da sua decisão e liberasse Wikileaks.org. O site chegou a comemorar nas suas páginas a vitória contra o poderoso banco helvético. Para a justiça americana, um resultado teve um gosto amargo. “Vivemos numa época em que as pessoas podem fazer boas coisas e pessoas podem fazer coisas terríveis sem precisar ser responsabilizados em corte de justiça”, declarou o juiz Jeffrey S. White aos jornais, lamentando que a tecnologia permitisse contornar tão facilmente a justiça americana.

Traidor ou herói?

A luta entre Elmer e Julius Bär continua sendo amplamente discutida na Internet. Em blogs e fóruns comentaristas o consideram um herói. Outros, um traidor.

No início de março, o suíço criou seu próprio espaço na Internet: www.swisswhistleblower.com. Sua primeira intenção era apenas documentar a disputa com o Julius Bär. Ao perceber o potencial da rede, Elmer decidiu lançar uma campanha com maior amplitude. “Quero também apoiar governos e instituições na luta contra a sonegação fiscal, corrupção e outros negócios imorais”, explica.

Concretamente, o suíço convida no seu site – cujo endereço é derivado de “whistleblower”, termo em inglês que pode ser traduzido como “informante” – outros banqueiros que, como ele também tenham se arrependido de ter cometido atos irregulares, a denunciar seus empregadores. Ele não revela, porém, quantas denúncias já recebeu. “Não quero responder a essa questão, mas já posso dizer que tive interessantes reações à minha oferta, seja por parte de pessoas que me apóiam ou até de outras querem revelar novos casos”.

A munição de Elmer são as “whistleblower letters”, relatórios-denúncia publicados no seu site e no Wikileaks. O primeiro, intitulado “Manobras fiscais” nas Ilhas Cayman”, deslanchou o processo contra o Wikileaks e o tornou conhecido. O segundo relatório ainda não foi publicado. Sem querer dar detalhes, Elmer promete que os efeitos podem ser explosivos. “Tem a história do Salinas, o ex-presidente do México. A administração da sua fortuna era feita pelo Julius Bär e passava pelas Ilhas Cayman”, declara à swissinfo.

Elmer não se impressiona ao ser perguntado sobre os riscos que assume com a sua campanha. “Tornar público o que sei e falar de mim reforçam a minha proteção”. Há mais de um ano ele e sua família não vivem mais na Suíça. “Imigramos para as Ilhas Maurício, pois já não me sentia seguro na Suíça. Além disso, encontrei um emprego interessante num banco local”.

A distância do continente europeu não impede que os problemas continuem lhe perseguindo. Elmer foi dispensado há pouco do atual emprego. “O Julius Bär ligou para o meu banco e os chefes acharam melhor que eu me afastasse temporariamente, apesar de continuar a receber o salário. Eles estão me dando apoio total nesse conflito, inclusive garantindo o emprego e apoio psicológico, se necessário”, conta.

Questionado sobre o papel da Suíça no atual debate sobre escândalos financeiros, Elmer é incisivo. “A Suíça cobre com o segredo bancário atividades criminosas. Isso não é apenas amoral e antitético. Dessa forma o país se isola e perde sua credibilidade no mundo”, declara o suíço, lembrando que esse sentimento também lhe atinge no âmago. “Eu me envergonho quando revelo no exterior que já fui um banqueiro suíço”.

swissinfo, Alexander Thoele

A sociedade Hirschhorn & Grob, a predecessora do Julius Bär, foi criada em 17 de outubro de 1890 em Zurique.

O banqueiro Julius Bär ingressou como sócio na empresa em 26 de dezembro de 1896. Cinco anos depois, ele assume o controle total rebatizando com o seu próprio nome.

O Julius Bär administra fortunas privadas avaliadas em 405 bilhões de francos suíço (situação no final de 2007), o que faz o segundo maior administrador de fortunas na Suíça (o primeiro é o banco Pictet & Cie). Em 2007 o banco teve um lucro líquido de 1,14 bilhões de francos, um aumento de 31% em comparação com o ano anterior. No mesmo período, o número de empregados passou de 3.684 para 4.099

O banco abriu filiais em Wall Street (1940), Londres (1982) e em Hong Kong, três anos depois. Atualmente o Julius Bär tem, além das três primeiras, filiais em Dubai, Frankfurt am Main, Grand Cayman, Guernsey, Los Angeles, Luxemburgo, Milão, Stuttgart e Viena.

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