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O teatro de Zurique que se tornou centro de combate ao fascismo

Theateraufführung
Em 1939 foi realizada a peça "O Grande Teatro do Mundo", de Pedro Calderon. Em grande parte, os atores eram refugiados alemães. Richard Schweizer/Stadtarchiv Zürich

O Teatro Municipal de Zurique desempenhou um papel importante no período que antecedeu a 2ª Guerra Mundial. Muitos o consideravam o último palco livre de língua alemã no continente depois que recebeu muitos atores exilados.

10 de maio de 1940 – “Fausto”, em meio à guerra

Zurique, primavera de 1940 – as estradas de acesso à cidade estavam engarrafadas. As pessoas abandonavam a cidade e fugiam em direção aos Alpes, onde estava o chamado “Reduto”. A 2ª Guerra Mundial eclodiu no outono passado e havia rumores que o Exército alemão estava prestes a invadir a Suíça. O rio Reno, que separa os dois países, fica a apenas 25 quilômetros de distância da maior cidade suíça.

Mas o Teatro Municipal de Zurique (em alemão “Zürich SchauspielhausLink externo“) continuava ativa, apesar do ambiente de guerra. O público se aglomerava frente ao prédio. Os próprios atores tinham de transportar os cenários e organizar o vestuário. Em 10 de maio de 1940, a Suíça havia mobilizado mais 700 mil soldados, dos quais muitos eram técnicos de palco e iluminação.

A peça programada para o dia era “Fausto”, baseada na obra do poeta alemão Goethe. Os nazistas amavam o personagem: a história do homem em busca do conhecimento ilimitado e que foi tentado pelo diabo a fazer um pacto, onde ganharia poder e, em troca, teria de servi-lo. Em sua visão, uma “tragédia do homem nórdico” ou a “luta gótica-germânica pelo infinito”.

Nesse dia, em Zurique, a peça foi interpretada por atores alemães. Eles se exilaram na Suíça para fugir do terror dos nazistas por serem comunistas ou judeus. Alguns tinham deixado até suas malas atrás do palco, preparando-se para escapar no último minuto, se necessário.

Porträts der Schauspieler
Esquerda: Mefisto, encenado por Ernst Ginsberg. Direita: Fausto, encenado por Wolfgang Langhoff, 1939-1940. Richard Schweizer/Stadtarchiv Zürich

O ator que representava “Fausto” nesse dia era Wolfgang Langhoff. O alemão chegou a ser detido em um campo de concentração devido à militância comunista e depois escapou para a Suíça. O diabólico “Mefisto” era encenado por Ernst Ginsberg, outro ator que não podia mais viver na Alemanha. “Sabemos quem era Hitler e o que nos preparava”, lembrou o então dramaturgo Kurt Hirschfeld, anos mais tarde.

O público se emocionou com a apresentação. “Toda referência à situação tensa no continente era recebida com aplausos frenéticos”, contou Hirschfeld. “A poesia de Goethe se transformou em uma peça de teatro contemporânea. Acredito que, desde aquele dia, no velho prédio, entre as paredes de papelão pintadas e o público chocado, nasceu o centro europeu de resistência intelectual”. Durante os anos da ditadura nazista, esse teatro era visto como o último palco livre de língua alemã.

Hausansicht
O Teatro Municipal de Zurique em 1935. Ludwig Macher/Baugeschichtliches Archiv

1933 a 1939: palco dos exilados

Hirschfeld já havia trabalhado no Teatro Municipal de Zurique em 1933. O diretor na época, Ferdinand Rieser, o contratou após ter perdido o emprego na Alemanha por ser judeu. Rieser já era diretor desde os anos 1920, responsável pelo programa e administração. O teatro recebeu a partir de 1933 muitos atores alemães, acolhidos no país.

Rieser e a companhia tomaram uma posição clara após a chegada de Hitler ao poder. A peça “As Raças” abordava o do ódio racial dos nazistas. As apresentações eram fortemente criticadas por simpatizantes suíços do nazismo. Muitos gritavam na praça frente ao prédio: – “Fora com os Judeus”. Era um ataque direto também ao diretor, que vinha de uma família judaica.

Porträts: Rieser und Hirschfeld
Esquerda: Ferdinand Rieser, diretor do Teatro Municipal de Zurique. Esquerda:: Kurt Hirschfeld, dramaturgo. Buchausschnitt “Curt Riess, das Schauspielhaus Zürich”

O diretor Rieser ignorava os protestos. Mas ele também enfrentava os críticos mais moderados. O jornal “Neue Zürcher Zeitung” (NZZ) exigia que os ataques à Alemanha fossem interrompidos. Seus editorialistas acreditavam que era necessário evitar provocações ao abordar a questão judaica. Os escritores e dramaturgos suíços também protestavam contra Rieser: eles queriam um teatro popular mais comprometido com o espírito local.

1938 a 1945: clássicos antifascistas

Mas a posição de Rieser explica a fama posterior do Teatro Municipal de Zurique. “Era como uma fortaleza, cheia de explosivos espirituais. E de lá os projéteis voaram contra o inimigo”, descreveu o dramaturgo Oskar Wälterlin, que se tornou diretor a partir de 1938.

Rieser vendeu suas ações e entregou a administração – cansado de dinheiro, mas também de hostilidades – e emigrou para os Estados Unidos com a família. O teatro se tornou a “Neue Schauspielhaus AG” – com participação acionária da cidade de Zurique: o teatro privado tornou-se então uma instituição pública.

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Oskar Wälterlin foi diretor do Teatro Municipal de Zurique de 1938 até 1961. Richard Schweizer/Stadtarchiv Zürich

A nova direção da casa quis tirar um pouco da sua imagem combativa. A guerra eclodiria em breve e havia a preocupação de não provocar desnecessariamente a Alemanha. O programa do teatro após 1939 foi marcado por peças leves, comédias de Nestroy a Shakespeare, e clássicos dos séculos 18 e 19.

Porém as peças também eram encenadas de uma forma diferente, menos antiquada e mais sóbria. Se o teatro alemão no período do Nazismo era marcado pelo apoteótico, os suíços preferiram responder com o humanismo. O ator Wolfgang Langhoff disse, na época: “A palavra liberdade não era gritada, mas sim dita de uma forma mais contida, simples e silenciosa, de acordo com a grandeza do termo”, lembrou-se.

No final da guerra, o dramaturgo Hirschfeld descreveu seu objetivo da seguinte forma: “Era necessário preservar a imagem do homem em toda a sua diversidade e assim criar uma posição contra as forças destrutivas do fascismo”.

Ao mesmo tempo, as peças mais antigas tornavam possível abordar a atualidade de forma indireta, uma estratégia inteligente. A atriz Therese Giehse disse em uma entrevista anos mais tarde: “Cada peça era avaliada pelo seu conteúdo político. Nada era apolítico para nós.”

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A atriz Therese Giehse ao encenar a peça “Mãe Coragem e os Seus Filhos”, de Bertold Brecht, em 1940. Doris Gattiker/Stadtarchiv Zürich

O teatro zuriquense também encenou algumas novas peças, por exemplo, do expressionista Else Lasker-Schüler. As peças de Bertolt Brecht chegaram a ser estreadas em Zurique, apesar de o dramaturgo alemão estar vivendo no exílio escandinavo. Também foram apresentadas regularmente peças inglesas e americanas.

Unidade desmoronada

Uma das últimas peças que o Teatro Municipal de Zurique apresentou antes do final da guerra foi a primeira obra de Max Frisch – “Agora eles cantam novamente”. O arquiteto e escritor suíço, influenciado pelo existencialismo e por Brecht, era apoiado por Hirschfeld. Depois o escritor suíço Friedrich Dürrenmatt também encontrou no teatro um espaço para mostrar sua criação. No final, sem o ambiente marcado pelos imigrantes alemães, os clássicos desses dois autores suíços nunca teriam encontrado sucesso internacional.

Theaterszene
“Eles cantam de novo”, peça de Max Frisch, 1944. Stadtarchiv Zürich

No final da guerra, muitos membros da companhia retornaram aos seus países de origem. O objetivo era reconstruir os palcos destruídos pelos nazistas. No verão de 1945, muitos retornaram aos palcos suíços vindos da Alemanha bombardeada: agora, eram os exilados que atuavam no palco com atores que haviam sido aplaudidos pelos nazistas durante anos. Com o fim do nacional-socialismo, porém, a unidade desmoronou: os antifascistas voltaram a ser católicos liberais, esquerdistas não partidários e comunistas.

Adaptação: Alexander Thoele

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