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“O vírus não desaparece com os testes”

Eckerle
Isabella Eckerle durante uma coletiva de imprensa em janeiro de 2020. Keystone / Anthony Anex

Desde o início da semana os testes de Covid-19 se tornaram gratuitos na Suíça. O objetivo da campanha é frear a terceira onda da pandemia. A virologista Isabella Eckerle defende a política do governo, mas afirma: se os testes ajudam, não elimina, porém, o novo coronavírus.

A virologista Isabella Eckerle defende publicamente o aumento da intensidade de testes de despistagem. Por vezes não hesitou em criticar a gestão da crise na saúde pela Suíça.

Em agosto de 2020, a pesquisadora alemã advertiu que o país não estava “bem preparado” para uma segunda onda e expressou preocupação pela “falta de uma estratégia clara” e “estratégia inconsistente de despistagem”. Alegando dificuldades de obter os testes, as autoridades sanitárias helvéticas optaram por não aplicar testes sistemáticos e generalizados em todo o país. Os testes geralmente só eram gratuitos para aqueles que declaravam ter sintomas da doença ou foram expostos ao vírus.

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Teste rápido de Covid-19

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Boletim: Coronavírus na Suíça

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Agora o governo federal muda sua estratégia de despistagem, enquanto aguarda a chegada de mais doses das vacinas. Na sexta-feira (12.03) anunciou que os testes rápidos para o coronavírus seriam gratuitos para todos, inclusive as pessoas sem sintomas. Também prometeu cinco testes para autoaplicação a cada habitante.

Quem é?

Isabella EckerleLink externo chefia o Centro de Pesquisa de Enfermidades Virais Emergentes, uma instituição de pesquisa conjunta entre o Hospital Universitário de Genebra (HUG, na sigla em francês) e a Faculdade de Medicina da Universidade de Genebra.

Nasceu na Alemanha e estudou medicina na Universidade de Heidelberg. Depois de pesquisas de campo na África, se interessou por doenças infecciosas. Foi assistente do virologista alemão Christian Drosten na Universidade de Bonn. 

Especializada na pesquisa de vírus de origem zoonótica, passou a última década pesquisando o coronavírus. Seu laboratório liderou o desenvolvimento e validação de diagnósticos para SARS-CoV-2 na Suíça. Também pesquisa o papel das crianças na propagação do novo coronavírus.

swissinfo.ch: Por que a Suíça levou tanto tempo para testar de forma generalizada a população?

Isabella Eckerle: Tenho a impressão de que havia na Suíça uma tendência a minimizar o problema da pandemia em muitas áreas. Uma das razões era que, como muitas coisas ficaram abertas por muito tempo, as pessoas estavam menos motivadas a fazerem um teste de Covid-19 por temer as consequências, dentre elas, a de serem obrigadas a fazer quarentena.

Foi o que verificamos na nossa unidade (no hospital). Na primeira onda, havia tantos testes que tínhamos até dificuldade de administrá-los. As taxas de positividade ainda continuam elevadas, mas muitas pessoas não vêm mais aos centros. Elas ficaram cansadas disso.

Mas a abordagem geral da Suíça em relação aos testes mudou muito durante o desenrolar da pandemia. Os critérios para os testes mudaram e variaram entre os cantões, o que dificulta a situação.

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Em alguns pontos de vistas as coisas funcionaram bem na Suíça. O país foi rápido na disponibilização testes rápidos de antígenos já no ano passado.

swissinfo.ch: Qual foi o problema no fornecimento de testes?

I.E.: Nós não estávamos equipados no início da pandemia para fazer milhares de testes PCR por dia. A capacidade era de apenas algumas centenas. Mas a situação melhorou quando vários fabricantes apareceram com sistemas automatizados. O problema é ainda não tínhamos reagentes suficientes, um problema que foi resolvido no verão passado.

Agora temos muitos testes no mercado. Sua disponibilidade não é mais um problema. A situação vai melhorar ainda mais com a introdução dos testes caseiros.

A dificuldade não é só ter os testes, mas também de aplicá-los. Isso requer infraestrutura como centros de testes e treinamento. Há também a questão do que fazer quando você receber os resultados.

swissinfo.ch: Ao seu ver, a gratuidade dos testes e a entrega de kits de autoteste ajudarão o país a lidar com a pandemia?

I.E.: Eu considero que isso reduz as barreiras para se testar, algo bastante positivo. Mas os objetivos gerais de combate à pandemia devem ser tornar mais claros. O país quer manter um número baixo de hospitalizações baixas ou o objetivo é diminuir as taxas de transmissão? Se você não tem um bom objetivo, não é possível adaptar a estratégia a este.

Há muitas áreas onde precisaríamos fazer mais testes, dentre elas escolas e creches. Sabemos que as infecções ocorrem nelas também. E se não a detectarmos, não é possível impedir a transmissão.

Na verdade, não uma solução única. A gente achava que os testes rápidos iam solucionar o problema, mas isso não existem. Nem as vacinas irão acabar com eles. A solução é um conjunto de medidas: proteção, testes e vacinas. Não é possível trocar uma medida pela outra. Você precisa do conjunto.

swissinfo.ch: Você consideraria mais efetivo fazer testes em toda uma região ou em cidades?

I.E.: Não há dados que confirmem a efetividade dessas medidas. O resultado de um teste é sempre de um momento. E este ocasiona, por vezes, a quarentena de muitas pessoas. Porém nem isso consegue baixar a taxa de transmissão à zero.

Essa estratégia só faz sentido se você puder repetir os testes em um espaço de poucos dias. Porém considero pouco efetivo a longo prazo você fazer testes de massa em indivíduos assintomáticos.

swissinfo.ch: Qual a sua opinião sobre a proposta de exigir exames negativos para voltar a frequentar restaurantes ou jogos de futebol?

I.E.:  O vírus não desaparece com os testes. Você pode, sim, limitar a propagação do vírus fazendo testes, mas isso não substituir as medidas de proteção à saúde. Não funcionaria. Você não recebe um passe livre para circular por aí só porque fez um teste rápido.

Mesmo se tivermos à disposição ainda mais testes rápidos, não é possível voltar à normalidade: afinal, haverá sempre pessoas faltando. O teste é apenas o registro de uma situação no momento. O resultado de um teste pode dar positivo amanhã. É irrealista testar a si mesmo todos os dias.

A solução é reduzir ao máximo o risco. Não será possível abrir tudo de novo simplesmente testando as pessoas. A questão é saber como melhor usar os testes e o risco que estamos dispostos a assumir. Para mim faz mais sentido testar as crianças nas escolas, pois os benefícios de mantê-las abertas são óbvios.

Se o teste em uma criança dá resultado positivo em uma escola, por que não enviar uma equipe móvel para testar todas as colegas da classe? Sabemos que as crianças podem ser assintomáticas e cada caso positivo pode ser confirmado por testes PCR.

swissinfo.ch: Você é estuda a transmissão do vírus entre crianças. O que descobriu até agora?

I.E.: Sabemos que as crianças são infectadas e transmitem o vírus. Todavia não detectamos, pois elas não ficam doentes com tanta frequência. Elas podem não ter problemas respiratórios, mas ter outros sintomas: fadiga ou dores de estômago, que podem ser difíceis de diagnosticar nas crianças.

Em Genebra, o teste de soroprevalência (n.r.: proporção de casos de infeção por certo agente patogénico numa determinada população medida através de exames ao soro sanguíneo) após a primeira onda mostrou que as crianças tinham muito menos probabilidade de se infectarem do que os adultos. Porém, após a segunda onda, vimos que as crianças com mais de seis anos de idade tinham quase a mesma probabilidade de se infectar como os adultos.

A abordamos as novas variantes, estudos na Grã-Bretanha mostram que muitas crianças contraíram o vírus, mas isso pode ter sido devido ao maior números de casos. No país também se descobriu que as crianças também podem ter o “Long Covid”, o covid de longa duração.

A Suíça lida com o problema de uma forma diferente: ao contrário de muitos países, aqui as crianças mais jovens não usam máscara na escola.

Se discute bastante sobre a possibilidade de as crianças terem covid. Porém melhor seria se concentrar em medidas fáceis para protegê-las como classes menores ou o uso de máscaras.

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Por que ainda esperaremos muito tempo pela vacina

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swissinfo.ch: Qual a experiência que podemos tirar da pandemia?

I.E.: Espero que os cientistas se concentrem em buscar a origem dessas pandemias. Sabemos que existem muitos vírus lá fora que podem eclodir como o novo coronavírus. O comércio de animais selvagens, a destruição dos espaços naturais e a criação em massa de animais domésticos são fatores favorecem o “pulo” de vírus animais para a espécie humana.

Temos que nos concentrar na prevenção. Sabíamos que havia um risco de um vírus semelhante ao primeiro SARS, mas pouco foi feito a respeito. É como a crise climática, onde você leva muitas décadas para ver o retorno desse esforço, mas precisamos nos concentrar na prevenção agora.

Houve uma enorme inovação no campo de desenvolvimento de vacinas – foi realmente uma revolução na medicina. Por isso sinto que estaremos mais preparados para responder ao problema no futuro.

Em termos sociais, a pandemia tornou mais óbvias as desigualdades já existentes. As pessoas com empregos menos remunerados correm maior risco de contrair doenças. Precisamos de coisas como um seguro-doença em escala global e estado social.

swissinfo.ch: Qual será a primeira coisa que você vai fazer quando tudo isso passar?

I.E.: Eu quero visitar minha família na Alemanha. Estou sentindo falta de ver meus amigos e a minha família.

Adaptação: Alexander Thoele

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