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“Pirataria não é um problema dos músicos”

Chico César durante apresentação no Musigbistrot, em Berna. swissinfo.ch

De passagem para dar um show em Berna, Chico César fala com swissinfo sobre sua participação em "Paraíba meu amor", o filme recém-lançado do diretor francês Bernard Robert-Charrue e dedicado aos grandes nomes do forró no Nordeste brasileiro.

O cantor e compositor paraibano também explica porque a Internet revoluciona o cenário musical e que a pirataria traz mais vantagens do que problemas para os artistas.

Foi um concerto intimista. A opinião expressada por um dos brasileiros presentes no show realizado em 26 de janeiro no restaurante Musigbistrot, um dos espaços culturais mais tradicionais da capital suíça, mostra o espanto de ver uma conhecida estrela da MPB de tão perto.

Chico César, com sua guitarra elétrica, era acompanhado apenas pelo sanfoneiro Lulinha. Ao executar canções conhecidas como “Mama África”, o cantor e compositor paraibano conseguiu tirar os presentes das mesas e colocá-los, incluindo suíços, a dançar no salão. E obviamente não faltou forró para matar a saudade da comunidade de brasileiros no exílio voluntário.

Pouco antes de afinar os instrumentos para o show, swissinfo sentou alguns minutos com o artista para tomar um chá e falar de temas como a carreira e a Internet, um meio que cria um novo relacionamento entre artistas, público e gravadoras.

Qual é a mensagem de “Paraíba meu amor” e por que você foi convidado a participar do filme?

C.C: Eu sou apenas um dos convidados no projeto. Trata-se de um filme sobre o forró, uma música nordestina, e que dá ênfase a artistas da Paraíba, uma região onde esse estilo é bem forte. O diretor traz artistas de raiz como Pinto do Acordeão, Aleijadinho de Pombal ou o Dominguinhos, um grande representante do forró. Ao mesmo tempo, eles me convidaram para exemplificar a situação de um artista que nasceu na mesma realidade, usou a mesma base simbólica, mas que tem uma música aberta para o mundo.

Por isso a sua canção acabou virando título do filme?

C.C: O diretor, Bernard Robert-Charrue, conheceu a música “Paraíba meu amor” e achou que seria um bom título. O filme é um documentário como nos moldes do “Buena Vista”, no sentido de mostrar bastante coisa sendo tocada ao vivo. A música entra sendo tocada por mim. Não há uma trilha de apoio. Todas as canções apresentadas são tocadas no momento.

O que te inspirou para escrever “Paraíba meu amor”?

C.C: Essa é uma canção antiga, que está no meu terceiro disco, o “Beleza Mano”. Eu a fiz inspirada nos meus pais, mas que obviamente se amplia e trata da minha relação com o Sertão da Paraíba e com a sua principal festa, a festa de São João.

Na sua carreira você teve muitas oportunidades de se estabelecer no exterior, mas preferiu ficar no Brasil. Com tantos talentos, esse não é mercado complicado?

C.C: De fato, o Brasil é um mercado difícil, mas isso é bom, pois exige mais dos músicos que lá estão. Você não pode fazer apenas música brasileira, mas sim tem de se diferenciar. É preciso entender que você está no país de Pixinguinha, Donga, Luiz Gonzaga, Chico Buarque ou Noel Rosa. É um país que também tem uma história muito forte de música, incluindo também a erudita como Alberto Nepomuceno ou Villas Lobos. É um país com um gosto apurado e uma concorrência acirrada. Há muitos músicos e não existem tantos canais de distribuição.

Além da concorrência, vocês ainda enfrentam o problema da pirataria, um fenômeno generalizado no mundo.

C.C: A pirataria não é um problema dos músicos. Nós sempre vivemos dos shows, das apresentações ao vivo. Eu acho que a pirataria é fruto de um momento de renovação frente a uma inadequação do mercado. Você tem coisas muito novas como a possibilidade de baixar música pela Internet, enquanto que conservadoramente ainda se utiliza o suporte do disco. Aparentemente a sociedade não estava pronta para a Internet, mas na verdade o que ela não quer mais é esse suporte. O desenvolvimento apontou para outro caminho. São as companhias fonográficas, midiáticas ou telefônicas que têm de se entender entre elas e determinar qual será o novo suporte, se ele existirá ou não, se qualquer um poderá baixar o que quiser, se haverá um controle disso tudo.

Então para você não faz diferença?

C.C: Não, não faz diferença.

E quando você encontra coletâneas em MP3 dos seus discos nos camelôs? Não se sente lesado?

C.C: Olha, eu fico até lisonjeado. Isso significa que tem gente querendo escutar a minha música. Eu acho que esse é um momento intermediário e que em alguns anos, talvez dois ou cinco, essa situação esteja mais clara. O destino do CD é o destino da fita cassete: ele vai ter um uso doméstico durante um tempo – eu copio umas músicas para você e de dou – mas vai chegar o momento em que esse meio não vai servir nem para os piratas. Isso, pois as pessoas vão ter computador e vão transferir, umas às outras, seus arquivos.

Você, pessoalmente, também consome música dessa forma?

C.C: Na verdade, eu ganho muitos CDs. Mas também gosto de comprar CDs nas bancas de jornais. No Brasil há um jornal que lançou há pouco tempo uma coleção de jazz e que eu tento acompanhar. São obras que a gente nunca iria encontrar nas lojas, como discos dos anos 40 ou 50. Não tenho o hábito de sentar na frente do computador e passar horas baixando músicas. O máximo que eu faço é uma pesquisa ou outra, como quando alguém me propõe um trabalho que está relacionado com um determinado tema. Aí eu vou a computador e tento recolher as informações.

A Internet ajuda também no seu próprio trabalho como músico?

C.C: É um instrumento muito democrático. Você tem acesso a bibliotecas do mundo inteiro, arquivos de música ou ciência. Ela não pode ser considerada um mal em si.

As novas tecnologias não dão mais independência para o artista em relação às gravadoras? Hoje você mesmo produz o disco e pode distribuí-lo por canais como a Internet, não?

C.C: Alguns artistas sempre foram mais donos do seu próprio nariz do que outros. No meu caso, eu comecei a carreira de forma independente. Eu fiz um disco e o vendi para uma gravadora pequena, a Velas, do Ivans Lins. Depois dei continuidade à carreira no selo MZA Music, do Marco Mazolla, que era ligado à Universal. Acho que tem um tipo de artista que sempre vai ter uma opinião mais firme sobre si mesmo. Isso é mais fácil no meio “indie”, do que no “mainstream”. Depois eu criei a minha própria gravadora para lançar outros artistas ou produtos diferentes como discos para crianças.

Aí você se tornou completamente independente?

C.C: Não, os meus dois últimos produtos saíram pela gravadora Biscoito Fino. Foi um disco e um DVD, na seqüencia. Já o próximo trabalho, eu não sei onde ele irá sair. Hoje os contratos com as gravadoras são feitos por obra. E, geralmente, o artista apresenta a obra pronta ou um projeto da obra. Ele vai aos estúdios, grava, produz e chega na gravadora dizendo “olha, o que eu tenho é isso aqui”.

E aí o que ocorre? Você cede o disco e vai para casa com o dinheiro?

C.C: Aí a mídia pode comprar o trabalho ou licenciá-lo. Neste caso você volta a ser dono da matriz em cinco anos, por exemplo. Esse é um novo sistema. As gravadoras tendem a se tornar promotoras dos artistas e ficam mais envolvidas em atividades ligadas ao marketing. Elas vão ganhar a partir da bilheteria dos shows dos artistas, ou seja, vão ser sócias dos artistas. E aí você vai desenvolver essas parcerias por um determinado período, com quem você acha mais conveniente.

Você acha que esse novo esquema dá mais liberdade para o artista? Antes era difícil para o artista conseguir entrar no sistema fechado das gravadoras e rádios?

C.C: Cria-se uma nova base para discussão dos contratos, dos produtos. Talvez uma coisa mais de igual para igual. O artista entra não apenas com a criatividade, mas passa a entender um pouco mais do negócio, obrigatoriamente. Ou ele pode procurar se cercar de pessoas que entendam do negócio.

Além disso, o artista não fica mais à mercê das gravadoras para estar no mercado. Pessoas como o Tom Zé, que já viveram no ostracismo, acabam retornado graças aos canais alternativos, não é verdade?

C.C: Esses canais alternativos sempre existiram. Uma prova disso é que até o Tom Zé e outros artistas como o Belquior, Walter Franco, Zé Geraldo ou o Geraldo Azevedo, são pessoas que sempre tiveram um grande público, mas que deixaram de ser enxergados por um determinado momento como artistas de presença no mercado. Mas eles, graças a circuito como os universitários e independentes, conseguiram provar que a posição da gravadora, de só querer o hit, era incorreta: a vida não é feita de hits, mas sim de nichos. Você não pode ter uma Madonna estourando todos os meses com um hit.

Como os músicos de nicho podem sobreviver?

C.C: Você pode ter doze cantoras trabalhando normalmente, tocando para 800 mil pessoas e tendo uma venda regular de discos, nas áreas do Rio de Janeiro e São Paulo, outras em Goiás, Mato Grosso e interior de São Paulo, outras em Minas e Bahia, etc. Esse é o nicho.

Também o nicho não é só regional. Você também tem outros modos de escalonar isso: por exemplo, essa é uma cantora que vende bem no circuito universitário; ela não precisa tocar em feira de gado, ou não precisa ser o hit do verão, mas vai tocar o ano inteiro e ter show. As gravadoras estão começando a perceber que a vida real não é um produto que faz o cross-over, que está na casa de todas as pessoas que podiam consumir aquilo ao mesmo tempo. Ela está na casa das pessoas que querem aquele produto. Isso é diferente.

É bom para um músico como você ter hits que estouram como “Mama África” e são tocados até a exaustão nas rádios ou como trilha sonora de novela?

C.C: Eu acho que é legal, pois cria referência para o artista fora do seu nicho. Alguém que não acompanha a minha carreira vai saber que sou o autor daquela música e fica curioso. Então, quando eu lanço um novo disco, essa pessoa vai querer saber se não há uma música que lembra aquela outra que tanto gostou. Aí ele não acha, mas encontra outra coisa. “Não é Mama África, mas eu gostei. É uma canção romântica que me remeteu mais ao “Onde estará o meu amor”. Creio que artistas que apareceram no fim da era do hit têm essa facilidade.

De ser identificados com uma ou duas canções?

C.C: Eu tenho umas seis músicas de sucesso – Mama África, Primeira Vista, Pedra de Responsa, Onde estará o meu amor, etc. Essas são canções que o público tem na cabeça. E esse público não é apenas o universitário, do que só curte música nordestina ou de outro nicho, mas sim um público mais amplo. Isso para mim é uma vantagem em comparação a um artista novo e que tem um estilo parecido com o meu. O público não tem referências dessa pessoa e não sabe o que esperar dela. Já um artista como o Prince, que todo o mundo conhece, quando lança algo de novo o interesse é logicamente enorme.

E por falar no Prince, o que você acha da sua idéia de lançar o novo disco como encarte de jornal? Também o grupo inglês Radiohead delegou aos fãs a tarefa de dar o preço para o CD.

C.C: Eu acho que essas idéias são boas. Porém também acho que nós, os artistas, não devemos nos deixar contaminar por um vírus que é da indústria. O que fazemos é música. O que a indústria faz são produtos. Que ela entre em pânico é até bom, pois a partir disso surge algo de novo. O que devemos sinalizar para o nosso público é que continuamos a fazer música. Não importa como ele vai ter acesso a música. E o público já nos deu tanto, que colocar um CD como encarte no jornal ou ceder canções de outra forma é o mínimo que podemos fazer.

Você já tentou presentear os ouvintes dessa maneira?

C.C: Sim, eu tentei acertar isso com uma revista chamada “Nordeste”, uma espécie de “Veja” nordestina. A idéia era colocar duas ou quatro músicas num disquinho, mas que infelizmente acabou não dando certo. Porém eu ainda quero tentar. Por quê? A pessoa recebe aquilo despretensiosamente, escuta, vai que gosta e acaba comprando o disco inteiro. Você não precisa obrigar o público a comprar o disco se eles querem escutar apenas algumas músicas.

Você também se considera um internauta?

C.C: Eu tenho muita preguiça com a Internet. Eu ainda sou dos velhos tempos. Uso basicamente o computador para responder e escrever e-mails e falar no Skype, que são coisas muito práticas. Mas eu tenho o MySpace e o meu próprio site, onde pessoas escrevem para mim, pois se não eu levaria meses para responder aos e-mails do público.

swissinfo, Alexander Thoele

Francisco César Gonçalves (Catolé do Rocha, 26 de janeiro de 1964) é um cantor, compositor, escritor e jornalista brasileiro.

Nascido no interior da Paraíba, aos dezesseis anos foi para João Pessoa, onde se formou em jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba, ao mesmo tempo em que participava do grupo Jaguaribe Carne, que fazia poesia de vanguarda.

Pouco depois, aos 21, mudou-se para São Paulo. Trabalhando como jornalista e revisor de textos, aperfeiçou-se em violão, multiplicou as composições e formou seu público. Hoje, possui carreira artística de repercussão internacional. Suas canções são poesias de alto poder de encanto lingüístico.

Em 1991, foi convidado para fazer uma turnê pela Alemanha, e o sucesso o animou a deixar o jornalismo para dedicar-se somente à música. Formou a banda Cuscuz Clã e passou a apresentar-se na casa noturna paulistana Blen Blen Club. Já em 1995 lançou seu primeiro disco Aos Vivos. Em 2005 lançou seu primeiro livro Cantáteis, cantos elegíacos de amizade pela editora Garamond.

A recente morte da política paquistanesa Benazir Bhutto trouxe novamente a canção “Benazir” à cena. Em muitos sites pela internet a letra da canção figura como parte do tributo à morte da política. (Texto: Wikipédia)

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