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“Qual o objetivo da ‘Genebra internacional’ se atuamos apenas como carteiros”?

O ministro suíço das Relações Exteriores, Ignazio Cassis (esq.) e o presidente do Irã, Hassan Rouhani. Keystone / President Office Handout

O senador suíço Thomas Minder acompanhou uma delegação suíça em visita oficial ao Irã. O membro da Comissão de Relações Exteriores está convencido de que o papel da Suíça como mediador na região pode ser ampliado.

swissinfo.ch: O senhor retornou do Irã, onde acompanhou o ministro suíços das Relações Exteriores, Ignazio Cassis. Qual balanço faz da viagem?

Thomas Minder: A situação é tensa, mas a Suíça está predestinada a mediar. Ele tem essa capacidade. Talvez não diretamente em nível de chefe de Estado, mas possivelmente com o número 2 ou 3, ou seja, o ministro da Economia, por exemplo.

O que muitas pessoas esquecem: o contexto é ainda maior do que apenas o conflito entre os Estados Unidos e o Irã. O Irã também não tem relações com a Arábia Saudita. Os dois países travam uma guerra por procuração no Iêmen. Neste caso temos mandatos de poder de proteção. A Suíça neutra é confiável para ser capaz de mediar neste conflito.

swissinfo.ch: Houve algum progresso nestas questões?

T.M.: Falamos uns com os outros. Sinalizamos nossa boa vontade, mas seria preciso um pouco mais de coragem para trazer o Irã e os EUA para a mesa, mais proatividade.

A Suíça não procurou, até agora, desempenhar o papel de um mediador ativo entre os EUA e o Irã. Ela atuou apenas como portador de cartas.

Entretanto, o papel da Embaixada da Suíça em Teerã pode ser ampliado. Somos altamente considerados pelo povo iraniano e seus políticos. Lá representamos os interesses dos EUA, com quem, ao mesmo tempo, mantemos boas relações. Precisamos agir mais. O que adianta ter a Genebra Internacional se estamos sempre fazendo o papel de carteiro?

Thomas Minder (segundo da esquerda) com o ministro Cassis (r.) na Embaixada da Suíça em Teerã. EDA Mediendienst

swissinfo.ch: Mas isso é bastante complicado. Não se trata apenas de política…

T.M.: Obviamente podemos discutir com as autoridades iranianas mais de cem anos sobre direitos humanos. Sim, é uma loucura o que ocorre por lá. Mas não podemos continuar assim, especialmente em uma época em que o país sofre duras sanções e punições pelas violações cometidas.

swissinfo.ch: Onde estão as oportunidades?

T.M: A Suíça já tem dois canais abertos. Estamos autorizados a exportar produtos médicos e, no setor de alimentos, alimentos para bebês. Talvez consigamos abrir lentamente um terceiro canal. Não estou falando de acabar com as sanções ou de livre-comércio, mas certamente a economia seria um caminho. Apenas um roteiro não é suficiente, a longo prazo, para resolver as relações entre a Suíça e o Irã.

swissinfo.ch: A Suíça teria um roteiro? Qual seria?

T.M.: Ele está dividido em doze pontos, onde você se move em espaços de milímetros.

swissinfo.ch: Por exemplo?

T.M.: Não é possível reconhecer uma estratégia do país no que diz respeito às relações entre o Irã e a Arábia Saudita. Estávamos perto de poder representar os interesses da Arábia Saudita em uma cidade e a dos EUA em outra.

swissinfo.ch: O que impede que isto ocorra?

T.M.: O país precisa querer. Isso é percebível com o ministro suíço das Relações Exteriores, Ignazio Cassis. No seu partido ele seria um representante da economia. Por isso seria interessante que se concentrasse mais na economia do Irã. O humanitarismo vem em seguida. Eu acredito que os antecessores de Cassis eram muito passivos ou demasiadamente focados nos direitos humanos. O fato é que as pessoas só se sentam à mesa quando podem negociar sobre questões econômicas.

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swissinfo.ch: Como estão os investimentos suíços no país?

T.M.: Continuam presentes. Um representante de uma empresa suíça cotada na bolsa me disse: ‘Estamos aqui, mas parados’. Vimos nas prateleiras dos supermercados os chocolates da Nestlé como o Kitkat e produtos da Nespresso. O café não é um produto essencial, mas chega.

swissinfo.ch: Tudo está parado? Não funcionam as sanções impostas pelos EUA?

T.M.: Não. O país continua a funcionar, as prateleiras estão cheias e os bazares também. Não há necessidade de fingir que estas sanções estão sendo aplicadas. Existe até uma economia paralela. Chegamos até a andar em um carro novo da Mercedes. Depois passamos por uma loja da Samsung e uma dos brinquedos Lego. Nos círculos de poder até chegar ao Khamenei todos estão utilizando aparelhos da Apple.

Vimos nas prateleiras dos supermercados os chocolates da Nestlé como o Kitkat e produtos da Nespresso. O café não é um produto essencial, mas chega. O problema é que não seria do interesse da Nestlé ter produtos Nestlé no mercado negro. E, no entanto, nenhuma empresa suíça respeitável ousará fazer negócios no Irã enquanto estes forem considerados ilegais. Os EUA iriam puni-las.

swissinfo.ch: Depois de três dias hospedado em hotéis de luxo e sendo transportado em carros de luxo, como o senhor avalia a economia iraniana?

T.M.: El falei com muitas pessoas. É claro que elas sofrem os efeitos da elevada inflação. As importações paralelas encarecem as mercadorias. O mercado negro não ajuda a melhorar o recolhimento dos impostos.

No entanto, estou convencido de que somente se as infelizes sanções forem removidas é que poderemos falar de mais direitos humanos e do Estado de direito.

Ao mesmo tempo, há muitos que criticam qualquer forma de comércio e diálogo com o Irã. Eles dizem que, em primeiro lugar, vem os direitos humanos. Depois os demais.

Devemos então esperar cem anos. Já há uma forte oposição no país, motins, manifestações em frente ao Parlamento e atentados. Não podemos ignorar uma população que continua a crescer. Nós não ignoramos a situação. Falamos de muitas coisas: e a questão da pena de morte para menores de idade, por exemplo, começa aos poucos a ser solucionada. É um longo processo.

swissinfo.ch: Qual é sua opinião da diplomacia suíça e da atuação de Cassis?

T.M.: Ela é muito boa. Fala muitos idiomas e até mesmo o farsi. A atuação do país é diplomática. Já eu sou um empresário. Eu posso imaginar que, quando você está há quatro dias no Irá e tem boa reputação, participa de tantas reuniões de alto nível, no final termina na mesma mesa e assina uma declaração de intenções, com uma caneta esferográfica suíça. É o mínimo que deve ocorrer.

swissinfo.ch: Por que o senhor avalia que a reputação da Suíça é tão elevada?

T.M.: É o que se escuta em todos lugares. Um exemplo: nos encontramos parlamentares iranianos, que acabam de fundar um grupo parlamentar Irã-Suíça. Assim nossos eleitores começam a se aproximar do Irã.

swissinfo.ch: Mas Parlamento iraniano não tem necessariamente legitimidade democrática…

T.M.: De forma alguma! Os candidatos podem ser eleitos depois de uma pré-seleção e quando são aprovados pelo Conselho dos Guardiães. Essa questão também poderia ser abordada, mas o foco não deveria ser sobre isso. Não há necessidade de falar primeiro em democracia. Também é possível entrar em um diálogo em níveis inferiores, ou seja, quando você discute questões hídricas ou florestais.

swissinfo.ch: Existe algum projeto nessas áreas?

T.M.: Eu falei disso com pesquisadores, parlamentares e o ministro das Relações Exteriores. O Irã enfrente problemas com a seca. Suas florestas estão morrendo. A Suíça tem muita experiência no tratamento de pragas e na silvicultura. Nós aplicamos a tecnologia desenvolvida para salvar os castanheiros no cantão do Ticino até na Etiópia. Hoje essa árvore já resiste muito bem à seca.

swissinfo.ch: Castanhas do Ticino?

T.M.: Com Ignazio Cassis, que também é originário do Ticino? Sim. Falando sério: o ministro das Relações Exteriores do Irã concordou comigo. Agora ele quer tratar da questão.

O ministro suíço das Relações Exteriores, Ignazio Cassis, visitou o Irã acompanhado de uma delegação de 5 a 7 de setembro de 2020. A visita oficial ocorreu como parte das celebrações dos cem anos de presença diplomática da Suíça no Irã.

As discussões se concentraram nas relações bilaterais e nos mandatos de poder protetor da Suíça. A Suíça representa os interesses dos EUA no Irã desde 1980. Em 2017, a Suíça também assumiu os mandatos de poder protetor para o Irã na Arábia Saudita e para a Arábia Saudita no Irã. Desde 2019 também representa o Irã no Canadá.

Fonte: EDA

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