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Um andarilho que coloriu o bairro do Gamboa

Homem segurando cartaz
Tomi Streiff com um cartaz feito para o evento "Gamboa de Portas Abertas". swissinfo.ch

Um suíço e sua família chegaram no Rio de Janeiro em plena efervescência dos preparativos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas e vivem depois a decadência da cidade. Seu plano hoje é realizar um filme para contar um capítulo da história brasileira: o sequestro do embaixador suíço durante a ditadura militar. 

O motorista de taxi alerta o passageiro. “Você está entrando em um bairro perigoso. Tem certeza que é aqui?”. O balançar da cabeça confirma que não houve engano. A rua segue em direção à zona portuária do Rio de Janeiro e, como muitas outras no bairro de Gamboa, um dos mais antigos da Cidade Maravilhosa, está cheia de armazéns antigos, casarões neoclássicos e sobrados com varandinhas portuguesas com pé-direito muito alto. Porém as placas de “vende-se”, e o estado das fachadas da maior parte das construções, mostram que estão deterioradas ou abandonadas há muito tempo pelos proprietários.

Reportagem produzida para o projeto #SWIontourLink externo, que enviou seis equipes a diferentes países no globo para encontrar representantes da chamada “Quinta Suíça”, os suíços do estrangeiro. Veja oos vídeos, entrevistas e imagens na página swissinfo.ch no InstagramLink externo.

Tomi Streiff abre a porta, convidando-nos com um sorriso a entrar no seu sobrado, um prédio que, à primeira vista, está em melhor estado que os outros nas cercanias. Uma figura tão exótica e colorida como o bairro: cabelos escovados para trás com uma mecha pintada de rosa, dois brincos grandes pendurados nas orelhas, costeletas e trajando calças azuis e uma camisa estampada aberta no peito, exibindo um colar de coração com brilhantes.  Poderia ser um personagem de cinema. Uma estreita porta de madeira, duas janelas pintadas de branco e a fachada decorada com motivos neoclássicos dão uma aparência sóbria, mas por dentro revela oferecer muito mais espaço do que aparenta. O suíço e sua esposa, a irlandesa Jane HalliseyLink externo, e uma filha de 12 anos vivem há sete anos no local, desde que chegaram no Brasil.

“Viajamos bastante pelo país à procura de um lugar para viver. Fomos de Olinda até Porto Alegra e acabamos decidindo pelo Rio de Janeiro”, revela Tomi. A escolha do bairro foi influenciada pela euforia vivida pela cidade. Em 2007 e 2009, o Brasil havia sido escolhido para sediar, respectivamente, a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). Inúmeros projetos urbanísticos foram lançados pelas cidades para melhorar a infraestrutura, dos quais o chamado “Porto MaravilhaLink externo” visava especialmente a revitalização urbana da Região Portuária do Rio de Janeiro. “O Brasil era para nós o país do futuro. Não foi difícil acreditar que o bairro da Gamboa seria um dos melhores lugares no mundo para se viver”, explica.

Esse novo capítulo na vida de Tomi Streiff é parte de uma vida cheia de mudanças. Antes do Brasil, o suíço viveu oito anos em Buenos Aires e antes, havia passado pouco mais de uma década em Nova Iorque, onde estudou cinema e conheceu a esposa. Desde então, já produziuLink externo onze filmes, entre curtas-, longas-metragens e documentários, dos quais o mais premiado foi o “A Vaca Nupcial” (“Die HochzeitskuhLink externo“, o título original, 1999).

Ao comprar a casa no bairro da Gamboa, Tomi e Jane decidiram investir toda sua inspiração artística e também as economias. Com ajuda de um arquiteto, o casal renovou todos os aposentos, mantendo a estrutura original, os pisos de madeira de lei, azulejos portugueses ou os estuques. “Foram anos de trabalho e também dificuldades, pois a casa está tombada pelo patrimônio histórico”, conta o suíço, se abstendo de dizer quanto foi gasto na reforma. Porém ressalta que o conforto é também pelo fato de passarem a maior parte do tempo na casa. Enquanto o suíço tem seu escritório, onde trabalha escrevendo roteiros ou pesquisando, sua esposa, artista plástica, tem um ateliê, onde produz pinturas. A filha tem o quarto próprio, repleto de livros infantis e alguns brinquedos.

Tudo estaria perfeito, se não fosse a crise que assola o país. O fim das Olimpíadas no Rio de Janeiro foi seguido por uma grande ressaca. Se parte das obras do Porto Maravilha se concretizou como o Boulevard Olímpico, a reforma da Praça Mauá ou a introdução do Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT, outras paralisaram como o teleférico do Morro da Providência. A crise econômica se agravou ao longo do governo da presidente Dilma Rousseff, que frente a eclosão de inúmeros casos de corrupção, terminou sofrendo impeachment em agosto de 2016.

Vista da janela para uma favela
Vista da janela para o Morro da Providência, a mais antiga favela do Brasil, tem quatro mil habitantes. Depois de ser pacificada durante os grandes eventos entre 2014 e as Olimpíadas em 2016, ela voltou a ser ocupada por traficantes. Carlo Pisani

Cinco ex-governadores do Rio de Janeiro foram presos nos últimos três anos. O Estado está sem recursos e nada mais é investido na melhoria das infraestruturas. Da janela de casa, Tomi aponta para algumas casas no Morro da Providência, a mais antiga favela do Brasil, e mostra homens. “São olheiros do tráfico. Lá no alto é comum os moradores sofrerem confrontos entre a policia e os traficantes”, lamenta. Nas ruas, viciados em crack perambulam pelas calçadas e pequenas biroscas, onde pessoas bebem durante o dia, fazem barulho com música eletrônica. “Infelizmente o bairro se mantém degradado.”

Se possível, Tomi venderia a casa, porém hoje não há interessados em comprá-la. Ele lamenta que a filha não possa brincar na rua. Porém conta que há tentativas dos moradores de valorizar a área. Em maio deste ano, o suíço e outros artistas e animadores culturais da área organizaram o evento “Gamboa de Portos AbertosLink externo“, no qual convidaram os cariocas a conhecer as casas e outros espaços em exposições e festas gratuitas. “Muitas pessoas vieram e se surpreenderam ao descobrir que existe também coisas belas por aqui”. O suíço credita os problemas vividos pela população da Gamboa às injustiças sociais recorrentes no Brasil. “Não muito distante daqui está o Cais do Valongo, onde chegaram mais de um milhão de escravos da África para trabalhar nas plantações de café.”

Enquanto espera melhores tempos, Tomi trabalha atualmente na realização do próximo filme, intitulado “Diplonapped”. Seu objetivo é contar, em forma de ficção, a história do sequestro do embaixador suíço no Brasil, Giovanni Enrico Bucher. O diplomata foi sequestrado em 7 de dezembro de 1970Link externo, em plena ditadura militar, por militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN), um grupo armado de ativistas da esquerda. Depois de um mês em poder da guerrilha – e após negociações entre os autores do sequestro, o governo e até a sobrinha do diplomata, uma jornalista de Zurique – Bucher foi libertado. Ao mesmo tempo, 70 presos políticos embarcaram para o exílio no Chile.

“Depois de trabalhar bastante para a televisão, quis retornar ao cinema. Então comecei a escrever o roteiro para esse filme”, conta Tomi. E como todos os realizadores culturais, a luta é sempre por recursos. Os comitês culturais da Basileia e de Zurique lhe garantiram um patrocínio para a realização doi roteiro. O cineasta já pesquisou nos arquivos públicos da Suíça e já entrevistou a sobrinha do diplomata. Agora procura fundos para rodar o filme. “Eu necessitaria pelo menos de dois milhões e meio de francos para produzi-lo”, revela, acrescentando que chegou a pedir ajuda à Sociedade Suíça de Radiodifusão e Televisão (SRG SSRLink externo), empresa da qual a swissinfo.ch faz parte, mas que ela não mostrou interesse.

Homem e mulher
Tomi Streiff é um diretor de cinema originário da Basiléia. Vive desde 2012 no Rio de Janeiro com sua esposa americana e também artista, Jane Hallisey. Carlo Pisani

Se conseguir apoio, Tomi pretende rodar o filme em 2020, com atores brasileiros e suíços. Sua motivação é hoje política também. “No começo era só um projeto histórico. Com Bolsonaro, o país recebeu um presidente que chegou ao poder idealizando a ditadura. Assim o filme passa a falar de questões que hoje são muito atuais”, explica. Por enquanto, tenta viver da melhor forma possível no país. O suíço declara se sentir bem no bairro da Gamboa. “As pessoas aqui não são artificiais como muitos da elite que vivem na Zona Sul”, diz, porém, que não vão viver para sempre no Brasil. “Atualmente, com o crescimento do autoritarismo, o país não oferece esperança.”

O que está seguro é que a Suíça não será o destino da família, sobretudo pelo custo de vida elevado. “É um país onde tudo funciona muito bem, mas sem coração. Já o Brasil funciona mais com sentimentos, porém com os altos e baixos que isso traz”. Para quem saiu da Suíça em 1992, Tomi sente-se ainda próximo da sua terra de origem. “Mas é uma relação à distância. Sou um ‘Weltenbummler'”, afirma, citando a expressão em alemão que significa ‘andarilho do mundo’.”

Um olhar suíço sobre as eleições federais em seis países!

Antes das eleições federais na Suíça, previstas para ocorrer em 20 de outubro de 2019, swissinfo.ch encontrou suíços do estrangeiro em seis diferentes países.

O objetivo era saber o que pensam os membros da chamada “Quinta Suíça”, que corresponde a 11% da população do país ou 760.200 pessoas.

Os jornalistas visitaram associações e clubes suíços na Alemanha, França, Itália, Brasil, Argentina e Estados Unidos, onde organizaram uma mesa-redonda para discutir temas de política e sociedade. 

Veja as etapas da viagem através hashtags #SWIontour e #WeAreSwissAbroad nas redes sociais InstagramLink externo, FacebookLink externo e TwitterLink externo.

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