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Estudo aponta preconceito na contratação de estrangeiros

Mulher
Adalina Stefan: "Achavam muito estranho que eu já tivesse cinco anos de experiência como assistente executiva." swissinfo.ch

O trabalho de conclusão do MBA de Adelina Stefan pela Universidade de Plymouth trouxe à tona uma triste realidade, que muitos já desconfiavam: existe preconceito sim contra estrangeiros, quando o assunto é entrevista de emprego e contratação na Suíça. 

A estudante entrevistou 57 profissionais da área, advindos de 28 multinacionais, a maioria baseada no país. O resultado foi um misto de incompatibilidade de culturas nacional e corporativa como desculpa pelo não aproveitamento de determinado candidato que teria, em tese, as qualificações para a vaga de emprego.

O trabalho mostra mais que preconceito. Revela uma indisposição da sociedade e das corporações em abraçar a diversidade. “As empresas dizem, no discurso, que querem profissionais qualificados e que pensem fora da caixa. Na prática, alegam não quererem contratar alguém que não se encaixe na cultura do país ou na da empresa. Ao final, como em um algoritmo de rede social, somente os semelhantes são considerados”, explica Adelina, foi criada na Grécia e vive em Olten, na Suíça alemã, há pouco mais de dois anos.

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

swissinfo.ch: O que exatamente a senhora descobriu com a sua pesquisa?

A.S.: Eu queria compreender o impacto da cultura nas práticas de recursos humanos, crucial para entender como os gerentes da área percebem esse tema. O mais marcante foi que a cultura é percebida com duas facetas, a nacional e a organizacional. Então, resumindo, se o candidato não se encaixa em nenhuma dessas duas facetas, não é considerado no processo de seleção. O problema é que essa prática vai na direção contrária da busca pela diversidade, que prega mais mulheres em cargos de liderança, pessoas de diferentes realidades culturais trabalhando em times, funcionários que pensem diferente para despertar a criatividade.

swissinfo.ch: Eu imagino que em um país como a Suíça, no qual mais de 25% da população é estrangeira, fica bem complicado manter esse tipo de tendência de recrutamento.

A.S.: Com certeza. Com a minha pesquisa, eu pude identificar uma série de desafios que os departamentos de recursos humanos têm encontrado para recrutar, selecionar e treinar funcionários. Esses profissionais hoje, em termos globais, precisam encarar e rever seus pré-julgamentos, baseados em visões do mundo às vezes enviesadas pela cultura própria. Eles têm que lidar com a necessidade latente de consciência intercultural em relação à cultura organizacional, que significa a capacidade de entender as diferenças, de compreensão de que nem todos desempenham tarefas da mesma maneira ou entendem a mesma mensagem de forma igual. 

Esses profissionais precisam urgentemente de treinamento intercultural. Precisam aprender a avaliar candidatos tão distintos sem vieses. É necessária uma mudança de paradigma.

swissinfo.ch: E como isso se dá na prática?

A.S.: Eu entrevistei 57 profissionais relacionados com a área de recrutamento e seleção, a maior parte baseada na Suíça. Desse total, 28 eram profissionais de recursos humanos ou especialistas, 11 gerentes que trabalham nas áreas de diversidade e inclusão, seis gerentes de mobilidade global e 12 treinadores interculturais.

Pelas entrevistas, eu pude constatar que a maioria entende cultura pela ótica de Edgar Schein: “esse é o jeito que fazemos coisas aqui”. Os gerentes também tendem a associar uma série de fatores, como nacionalidade, idade, gênero, formação, raça, religião, experiências pessoais.

No final das contas, os contratantes preferem culturas que se ajustem a eles. Eles observam o comportamento do candidato, o tipo de pensamento, que deve coincidir com o da empresa ou do gerente. Mas ao mesmo tempo essas empresas anunciar que querem apostar na diversidade. É uma discrepância.

Por exemplo, antes de uma vaga ser publicada, eles preferem contratar um profissional interno. Se não é achado, então a vaga é oferecida externamente.

Eu vou te dar um exemplo pessoal que talvez tenha me inspirado muito a estudar esse tema. Como eu cheguei jovem aqui na Suíça, quando era convidada para entrevistas de emprego, achavam muito estranho que eu já tivesse cinco anos de experiência como assistente executiva. Eu era considerada super-qualificada, mas ao mesmo tempo, me sugeriam voltar aos bancos universitários, para obter um diploma suíço. Ao mesmo tempo, pude verificar que o meu marido, que não fala tão bem o alemão, conseguia empregos mais facilmente.

É que além da cultura nacional e corporativa, os vieses culturais com relação ao gênero são muito fortes aqui. É mais fácil para um homem arrumar um emprego do que para uma mulher, assim como é mais provável que um suíço obtenha a vaga em vez de um estrangeiro. Nas entrevistas, veio também a confirmação de que mulheres com idades na casa dos 30 anos são mais rejeitadas, pelo fato de estarem na “idade fértil”.

No final das contas, as empresas suíças, mesmo que multinacionais, estão repetindo o padrão da teoria das culturas ‘coco’ e ‘pêssego’. Coco são as duras de penetrar, como a casca da fruta. Já as sociedades pêssego são mais maleáveis.

swissinfo.ch: E qual seria seu conselho para os estrangeiros procurando uma vaga de trabalho aqui na Suíça?

A.S.: Se você quer permanecer aqui, não espere que consiga esse emprego tão rapidamente. Pode demorar até dois ou três anos. Não se esqueça, trata-se de um mercado com casca dura como o coco. Então, não é incompetência da pessoa, mas a dificuldade é fruto de uma situação adversa.

Nas entrevistas, eu pude constatar que é importante o candidato mostrar que está totalmente integrado aos valores suíços, como pontualidade, se consegue falar uma das línguas nacionais, no caso o idioma de onde irá trabalhar.

Esteja preparado para lidar com colegas e chefes em uma sociedade de baixo contexto, categorização cultural de autoria de Richard Lewis. De acordo com a escala de comparações de Lewis, é importante não demonstrar muito os sentimentos, não misturar vida profissional com privada, por exemplo.

É de bom tom começar fazendo trabalhos voluntários. Assim consegue-se mostrar que há interesse em fazer algo para a comunidade, estabelece-se mais conexões, o que pode ajudar no tão sonhado emprego. Mas continue a sua busca: é difícil, mas não é impossível.

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