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Morar fora pode engordar

Mulher ao lado de uma mesa com alimentos
A nutricionista clínica Suzana Mantovani acompanha as pessoas aos supermercados e feiras e ajuda a comprar os alimentos mais saudáveis swissinfo.ch

Quem nunca ouviu de um amigo ou conhecido a frase entoada de descontentamento: “engordei muito depois que vim para a Suíça”?  

Seja por tristeza, saudade, frustração, mudança alimentar e hormonal, frio, preguiça ou impossibilidade de cozinhar a própria comida ou até mesmo de fazer exercicio físico… A lista de desculpas e razões é infindável. O fato é que o fenômeno acontece e tem sido estudado a fundo por especialistas. Obviamente que o aumento de peso não se limita a brasileiros que vêm morar em Terras Helvéticas; alterações na forma física acontecem em diversos grupos que se deslocam para outros países.

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

Para entender mais sobre o tema, swissinfo.ch entrevistou a nutricionista clínica Suzana Mantovani, que integra o Grupo de Estudos de Nutrição em Saúde Pública na Suíça. Além de migrante, a carioca tem experiência em consultoria nutricional, já atendeu em consultorio, trabalhou em hospital. Ela entende os insatisfeitos com o corpo e falou sobre diversas modificações trazidas pela mudança de lugar. Suzana oferece uma proposta interessante para brasileiras que vivem no país: ela acompanha as pessoas aos supermercados e feiras e ajuda a comprar os alimentos mais saudáveis.

Para a especialista, migrar não precisa ser desculpa para a obesidade. Ela prega que viver nesse país deveria ser utilizado como uma vantagem para levar uma vida saudável. “São tantas florestas para caminhar, atividades e parques ao livre. Temos que aprender com os locais a desfrutar de uma existência que inclua o bem-estar e uma rotina ativa”.

swissinfo.ch – É verdade que migrantes passam por mudanças profundas em termos de alimentação que podem influenciar no peso? A Senhora já lidou com esse tipo de queixa?

S.M. – Sim, em vários sentidos. A obesidade é multifatorial, não podemos culpar somente a migração. Mas levando isso para esse terreno, podemos falar sobre razões que vão desde a mudança de hábitos e de clima, desconhecimento das novas comidas disponíveis, saudades de casa, estresse, diferente flora bacteriana, por exemplo. Eu já ouvi essa queixa de pacientes, de amigas, li pesquisas, estudos e observo no dia a dia também.

O problema é que parece que tudo contribui contra mas, na verdade, existem alguns elementos que podemos usar a nosso favor: encontramos aqui maior oferta de produtos naturais e orgânicos, possibilidade de frequentar mais mercados locais e fazendas. Isso sem contar na enorme quantidade de florestas, lagos e montanhas, onde podemos passear e levar uma vida mais ao ar livre. Enfim, uma ótima maneira de ter uma rotina saudável.

É importante mencionar que não só os migrantes estão sujeitos à obesidade. Infelizmente é um problema mundial devido ao excesso de consumo de produtos ultraprocessados não saudáveis e exposição a toxinas que colaboram com alterações hormonais. Além da falta de exercício, claro.

swissinfo.ch – ASenhora poderia explicar então o que acontece com migrantes, que não conseguem seguir o bomexemplo, e acabam engordando?

S.M. – Isso envolve um número enorme de fatores, vou tentar resumir aqui. É importante manter em mente que ir embora para viver em outro país significa estresse, que leva a aumento de alguns hormônios, como o cortisol, que interfere no metabolismo. Quando isso acontece, a consequência é obesidade e outras doenças crônicas. Trata-se de uma resposta metabólica ao estresse.

Para muitos, vivenciar isso implica em comer mais para compensar o desequilíbrio no estado emocional. Nessa fase, é comum a pessoa procurar comidas mais saborosas, com maior densidade calórica. Aqui, come-se mais chocolate, croissants, queijos gordurosos, tudo que o país oferece em termos de opções super saborosas, reconhecidas no mundo pela qualidade. Nesse caso, vemos claramente a compensação para lidar com a saudade, sofrimento e dor.

A gente sabe que a alimentação é muitas vezes usada como muleta; o ser humano procura os alimentos de fácil acesso. Se a situação é desconfortável, procura-se abrigo em algo.

É preciso falar também da microbiota, que são as bactérias presentes em nosso intestino. São extremamente vulneráveis ao estresse. Se a pessoa começa a ingerir muitos produtos ultraprocessados, causa um desequilíbrio, expondo o corpo a mais infecções. Esses têm muito sal, açúcar, aditivos sintéticos e gorduras trans.

swissinfo.ch – E essa mudança de país também não levaria a outros hábitos, que acabariam por gerar esse ganho de peso?

S.M. – Sim. Novos comportamentos também têm um papel importante nesse processo. Imagine a situação de pessoas de classe média, que antes no Brasil tinham empregada ou cozinheira, e agora não dispõem mais. Como não sabem cozinhar ou ainda não se garantem na cozinha, compram as comidas prontas.

Quando chegamos a um novo país, o foco não é na alimentação. Temos que aprender o idioma, a pagar as contas, ajudar o filho na escola. Mas nessa maratona da adaptação, corre-se o risco do descuido com o peso e com a saúde.

Outro desafio seriam as baixas temperaturas. Isso não é impeditivo para os locais saírem para correr ou passear, mesmo com menos dez graus lá fora. Mas para nós, que viemos de um país tropical, é difícil se expor por vontade própria ao frio. Nesse caso, há perigo de uma vida mais sedentária.

E o fato de passar cerca de oito meses em temperaturas invernais complica ainda mais quando a pessoa pouco vê o corpo. A gordura fica camuflada embaixo das roupas. Psicologicamente pode exercer uma força contrária ao estímulo de cuidar do peso.

Eu diria que o desconhecimento da língua do país também pode dificultar na ingestão de alimentos saudáveis. A pessoa não sabe, muitas vezes, ler os rótulos, descobrir novas receitas. Como os alimentos são diferentes, é preciso aprender a lidar com essa novidade. É por isso que eu ofereço esse serviço ao acompanhamento para escolha de melhores opções.

swissinfo.ch – Dá para aprender com os suíços a nos alimentarmos melhor, a levarmos uma vida mais saudável em geral?

S.M. – Com certeza. Você já reparou que eles trabalham um número determinado de horas e depois param o que estão fazendo no escritório e vão embora, ou para a família ou para praticar esporte? Eles gostam da natureza, da vida ao ar livre, não importa se está frio ou calor.

Muitos dedicam uma grande parte da sua culinária aos alimentos mais naturais, preparam sua própria comida. Outra grande vantagem da cultura suíça são as porções menores que em muitos países vizinhos. Acho que, nesse contexto, temos muito a aprender com eles.

Eles ensinam às crianças a comerem legumes cortadinhos, crus. Fazem, por exemplo, campanhas para aumentar o consumo da maçã, que é uma fruta regional. Aliás, eles aproveitam a sazonalidade e compram muito dos pequenos produtores de alimentos.

Eu gostaria que essa entrevista fosse um grande alerta aos migrantes. Obesidade é perigoso, pode levar a uma série de doenças crônicas e graves. E não é porque foi embora que vai deixar de cuidar da sua saúde. Esse tema deveria ser sua prioridade. Uma vez na Suíça, faça como eles. 

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