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A Suíça como fortaleza impenetrável

Pátio interno do centro de recepção de refugiados durante o inverno.

Poucos documentários suíços impressionaram tanto no Festival Internacional de Cinema de Locarno como "A fortaleza". Na película é exibido sem enfeites o cotidiano no centro de recepção de requerentes de asilo, onde o destino de muitas pessoas e a burocracia suíça colidem.

Muros de concreto, grades, arame farpado, câmeras de vídeo e fechaduras nas portas dão a primeira impressão do local. Seus corredores frios e impessoais são percorridos pelos seguranças da empresa Securitas, percebidos através dos ruído de metal dos seus chaveiros. Os visitantes são revistados atrás de uma cortina por funcionários uniformizados trajando luvas brancas.

O centro de recepção e triagem de solicitantes de asilo político em Vallorbe se assemelha bastante a uma prisão. Construído em uma região remota em meio às paisagens das montanhas do Jura, no cantão de Vaud, como hotel de luxo, ele foi reformado em 1954 como quartel militar. Hoje o espaço abriga homens, mulheres e crianças que se declaram perseguidos nos seus países e desejosos de encontrar abrigo seguro na Suíça.

Regras claras

Para realizar o documentário “A fortaleza” (no original: “La forteresse”), o diretor suíço Fernand Melgar necessitou seis meses de espera até conseguir uma autorização do Departamento Federal de Migração. Só então ele pode filmar no interior desse prédio tão afastado do olhar público, onde pessoas originárias de países como Colômbia, Kosovo, Somália, Congo ou Iraque compartilham o mesmo espaço nos dormitórios ou na cantina. Muitas vezes desgarradas de suas famílias, elas têm apenas em comum a esperança de um futuro melhor. Porém, a primeira prova é quando seus destinos colidem com a burocracia suíça.

O caos no mundo do qual os refugiados escaparam contrasta com as claras regras do centro: horários de saída de 8 às 12 horas da manhã e 13 às 17:30 da tarde. Eles recebem por dia apenas três francos para pequenos gastos pessoais. Para ocupar o dia, um dos passatempos prediletos é o futebol no pavilhão ou o trabalho na floresta. Outros, para esquecer os problemas, preferem afogar as mágoas no álcool.

Teste difícil

Ao chegar à Suíça, muitos dos candidatos acreditavam estar em segurança. Eles não imaginavam que o mais difícil ainda estava por vir: os novos procedimentos para pedido de asilo, aprovados em 2006 nas urnas pelo eleitor suíço em plebiscito direto, se tornaram os mais rigorosos da Europa.

Para o cineasta, que não nega suas origens espanholas, o discurso populista da União Democrática do Centro (partido da direita nacionalista), insuflou o medo contra os solicitantes de asilo. “Com o meu filme, eu quis fazer um retrato humano deles e mostrar que são pessoas que sofrem”, explica Fernand Melgar, lembrando que também chegou à Suíça quase escondido.

60 dias

O filme não tem comentários ou entrevistas. Ele apenas transmite o ambiente no centro, mostrando como seus moradores passam rapidamente da euforia para a desesperança. As tomadas são sóbrias e dão a impressão de serem como pinturas.

Os trabalhos de filmagem do “La forteresse” duraram de setembro de 2007 até fevereiro de 2008, totalizando sessenta dias, prazo máximo de duração de um processo de pedido de asilo. A decisão final é dada com base na avaliação de uma série de especialistas e executada pelos funcionários do centro. Eles dizem se a pessoa pode ficar na Suíça ou não.

As perguntas soam como um eco nas diferentes salas do centro: – “Por que você saiu do seu país”; “Por que você não pode voltar para lá?.” Muitas vezes, o bater das teclas pelos funcionários nos seus computadores é interrompido pelo choro dos que são questionados. “O solicitante chorou”, é registrado nos protocolos.

Os asilados são tomados por más lembranças. Muitos deles estão seriamente traumatizados, perderam filhos ou os pais durante guerras ou sob regimes autoritários, foram torturados ou perseguidos e têm um longo histórico de fuga atrás de si.

Estado de direito é garantido?

Um somaliano conta como marchou durante um mês através do deserto, apesar da bala que estava dentro da sua perna. Depois ele embarcou em um pequeno barco para atravessar o mar juntamente com outros 50 refugiados. Por uma questão emergencial, o grupo foi obrigado a jogar o corpo de uma criança que havia acabado de morrer.

A funcionária que anota todos os detalhes diz que não acredita na história contada por ele. Ela tem a forte impressão que o africano está apenas narrando algo já decorado com antecedência. É impossível marchar 30 ou 40 dias com uma perna ferida pelo deserto.

Alguém se perguntaria se essas decisões não seriam muito arbitrárias. O Estado de direito está sendo garantido? “Essas questões devem ser respondidas pelo público”, afirma Melgar.

Capacidade limitada de interpretação

Os funcionários do centro tentam dar, diante das câmeras, um toque humano ao cotidiano. Porém, as cenas rodadas com o chefe do centro, que corre com um lenço atrás de uma refugiada que está chorando e tem um bebê no colo, ou quando ele interrompe uma reunião para participar de uma missa africana, parecem um pouco forçadas.

Os funcionários são confrontados diariamente com a miséria e as injustiças do mundo. Mas sua margem de manobra é limitada: eles têm de aplicar uma das leis de asilo mais restritivas da Europa. O centro Vallorbe é uma fortaleza, um subproduto das enormes diferenças entre o Norte e o Sul do planeta. A Suíça, país depositário da Convenção de Genebra, se transformou em uma fortaleza impenetrável.

Os números falam por si só: apenas dez por cento dos casos terminam com o status de asilo confirmado. Os outros recebem apenas uma autorização temporária de permanência no solo helvético. A maioria é obrigada a sair do país em vinte e quatro horas.

swissinfo, Corinne Buchser

Eveline Widmer-Schlumpf, ministra da Justiça da Suíça, esteve no sábado (9 de agosto) na estréia do filme “La Forteresse” que, durante o Festival Internacional de Cinema de Locarno, participa da mostra “Cineastas do presente”. Ela declarou aos jornalistas presentes que achou a obra “bem realista”.

Segundo a ministra, o filme de Melgar mostra como “é difícil ser justo com cada destino nos processos de pedido de asilo”.

A nova Lei de Asilo e Imigração foi aprovada em setembro de 2006 por mais de dois terços do eleitorado suíço.

Ela determina que solicitantes de asilo sem papéis legais ou justificativas plausíveis para a sua falta sejam expulsos do país em 24 horas.

Refugiados, cujos pedidos foram indeferidos e sem mais chances de recurso, não têm mais direito à ajuda social. Eles recebem apenas ajuda emergencial (alimentos e residência).

Refugiados que permanecem ilegalmente no território suíço podem ser condenados a penas de prisão de até dois anos.

Em 2007, dos 10.390 pedidos de asilo em tramitação, apenas 1.561 tiveram resposta positiva.

Fernand Melgar nasceu em 1961 em Tanger, no Marrocos. Seus pais são originários da Espanha.

Em 1962, seu pai emigrou para a Suíça, onde trabalhava como “saisonnier” (pessoas que têm ocupações temporárias na agricultora ou na indústria). Um ano depois, ele trouxe em segredo sua família. Por temer ser deportado, Fernand Melgar e sua irmã foram obrigados a ficar escondidos no apartamento até que o pai recebesse um visto de residência.

Melgar fundou em 1985 a produtora cinematográfica independente Climage.

Seu último documentário – “EXIT, o direito de morrer” – recebeu o Prêmio do Cinema Suíço em 2006 e outros prêmios em festivais internacionais.

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