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Agentes, migrantes e traficantes: o desfile de cada noite no Rio Grande

Um grupo de imigrantes indocumentados de Honduras e Guatemala desembarcou de um barco de contrabandista mexicano após cruzar o Rio Grande para Roma, Texas, em 28 de março de 2021 afp_tickers

Assim que o sol se põe, traficantes mexicanos enchem um barco, carregam 15 migrantes, gritam para as crianças pararem de chorar e remam em frenesi para cruzar o Rio Grande em poucos minutos, rumo aos Estados Unidos. A cena se repete quase diariamente há dois meses.

Na primeira meia hora de escuridão de domingo, quatro botes infláveis com cerca de 50 imigrantes sem documentos de Honduras e Guatemala chegaram a Roma, Texas, quase simultaneamente.

Os agentes da Patrulha de Fronteira dos EUA (CBP) costumam conversar e até mesmo fazer piadas aos gritos com os traficantes do outro lado do rio, mas não tentam impedi-los se não pisarem em solo americano.

Quando chegam os migrantes, às centenas e muitos deles menores de idade viajando sozinhos, às vezes não há mais agentes no litoral. A CBP os parará a um quilômetro de distância, no final de uma trilha de areia que leva a esta cidade de 11.000 habitantes no Vale do Rio Grande.

– “Tenho que me sustentar” –

“Diga a migra para não furar o meu barco;trazemos crianças, o rio é fundo, já tiramos os coletes, prestem atenção!”, grita “Chuchi”, um traficante de cerca de 25 anos ao se aproximar remando da Costa americana, onde existem pelo menos cinco barcos presos na areia e pendurados em galhos de arbustos grossos.

“Todos os dias” há muito trabalho, disse “Chuchi” à AFP de seu barco. “Também temos filhos como você” e o trabalho paga bem, diz ele.

“É melhor trabalhar aqui do que estar no crime, certo?”, diz seu parceiro, outro “pollero”, como são chamados os traficantes de pessoas no México.

“Tenho que me sustentar”, diz ele ao ser lembrado de que o tráfico de pessoas é crime. “Eu também tenho filhos; seis filhos cidadãos” americanos, acrescenta.

Ele não dá seu nome, diz que tem medo de ser capturado. Um salva-vidas ficou preso a um metro da costa norte-americana e ele hesita em sair do barco para resgatá-lo. “Eu saio por ele, mas onde está a ‘migra’?” Ele pergunta com medo.

Os “polleros” geralmente trabalham em associação com cartéis de drogas. Em Miguel Alemán, a perigosa cidade mexicana em frente a Roma, os cartéis do Golfo e do Nordeste estão ativos, disse à AFP Iv Garza Junior, chefe da polícia de Roma. Os cartéis se enfrentam regularmente e os disparos de fuzis automáticos são ouvidos nos Estados Unidos.

O traficante disse que trabalha “para alguém”, mas não quer dizer para quem.

Quase 100.000 imigrantes sem documentos, procedentes principalmente de Honduras, Guatemala e El Salvador foram detidos pelo CBP em fevereiro ao longo dos quase 3.200km de fronteira entre os Estados Unidos e o México, um nível que não era visto desde a chegada de grandes caravanas em 2019.

A maioria é deportada, diz o governo americano de Joe Biden, mas ao contrário do que aconteceu durante a presidência de Donald Trump, os menores que viajam sozinhos, cada vez em em maior número, e muitas famílias não são expulsos.

Ao entardecer de sábado, um agente da CBP alertou um traficante aos gritos não cruzar os migrantes ali porque ele seria parado pela polícia estadual do Texas.

O “pollero” perguntou: “onde você os quer?” e o agente da CBP indicou onde desembarcar. “Quer fumar maconha?”, propôs o traficante do outro lado do rio e acendeu um cigarro.

“Quando eu me aposentar!” respondeu rindo o agente do CBP, em espanhol.

– Voltar a tentar –

Um dos migrantes recém-desembarcados é Dani, um hondurenho de 42 anos que viaja com sua filha, Daniela, de seis anos. Ele já fez a mesma viagem há duas semanas, exatamente para o mesmo lugar, mas foi deportado quatro dias depois em um ônibus para Acuña, no México.

Agora ele volta a tentar com a ajuda financeira de sua irmã, que mora em Nova Orleans. “Meu salário em Honduras não era suficiente para sustentar minha família”, diz ele enquanto caminha do rio para se entregar à CBP.

Nenhum migrante quis dizer quanto cobram os “polleros”.

Entre os recém-chegados estão duas irmãs guatemaltecas, de 7 e 13 anos, que viajaram sozinhas por 15 dias e buscam se reunir com seu pai na Virgínia.

“Minha mãe está doente e não pode mais cuidar da gente. Ela está internada”, diz a mais velha, Heidi. “Estou feliz por ver meu pai. Não me lembro dele. Ele deixou a Guatemala quando eu acabava de nascer”.

Um agente da CBP pede à menina de sete anos que remova a corrente em seu pescoço e a coloque em um saco plástico. Mas a menina não pode. O agente puxa uma faca enorme e a corta.

“Este trabalho é uma porcaria”, diz ele.

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