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Angústia nas UTIs brasileiras, sobrecarregadas por casos de COVID-19

Profissional de saúde supervisiona um paciente com COVID-19 na unidade de cuidados intensivos do hospital Emílio Ribas, em São Paulo, 20 de abril de 2020 afp_tickers

Frederic Lima, de 32 anos, chegou ao hospital Emílio Ribas, referência para os casos do novo coronavírus em São Paulo, com sintomas de COVID-19. Menos de doze horas depois, uma médica dizia à sua tia: “fizemos tudo o possível”. O luto de sua família é a esperança de outra: aqui só há vaga quando alguém morre ou tem alta.

Para a doutora Fernanda Gulinelli, que atendeu Frederic, virou comum assinar tanto atestados de óbito quanto altas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) deste instituto especializado em infectologia, a primeira da rede pública de São Paulo a ficar saturada com a propagação do novo coronavírus, que já deixou no Brasil mais de 2.900 mortos, mais de um terço deles no estado mais rico do país.

“A regra é que temos mais altas do que óbitos fora da pandemia. Mas com a gravidade destes pacientes, temos dias com mais óbitos do que altas”, conta Gulinelli à AFP.

O Brasil ainda não entrou na fase mais aguda de casos do novo coronavírus, o que, segundo o Ministério da Saúde, deve ocorrer a partir de maio.

O Emílio Ribas tem duas UTIs, uma com vinte leitos e outra, terceirizada, com dez. Por ser um instituto de infectologia, cada leito fica em uma pequena sala individual, protegida por porta dupla e isolada por uma câmara de ar, que evita a contaminação das áreas comuns.

Com exceção de uma jovem de 22 anos com tuberculose, todos os pacientes, de 37 a 66 anos, são casos suspeitos ou confirmados de COVID-19, explicou Jaques Sztajnbok, supervisor médico das UTIs.

Com 28 anos de experiência no Emílio Ribas, Stztajnbok afirma que o novo coronavírus “é algo único” que absorve os profissionais de saúde de corpo e alma.

“Mesmo quando não estou fisicamente aqui, estou pensando no que está acontecendo aqui”, conta este médico, de 54 anos.

– Batalha diária –

Os corredores das UTIs são compridos e vazios. A calma é apenas aparente. É nas salas individuais que os médicos vivem as batalhas, nem sempre vitoriosas.

Frederic foi entubado, mas sua oxigenação não subia. Durante uma hora foi submetido a massagem cardíaca na tentativa de reanimá-lo.

“A gente se questiona, se pergunta se fez tudo realmente, sei que a equipe fez tudo, mas impacta muito. Sinto como se tivesse sido atropelada desde que ele (Frederic) parou”, desabafa a doutora Gulinelli, com a voz embargada.

Originário do Pará, Frederic era médico e trabalhava em uma unidade de terapia intensiva em outro hospital da rede pública. Morava sozinho e começou a sentir os sintomas na semana passada, mas não comentou nada com a tia, Rosa da Rocha, um de seus poucos parentes em São Paulo.

“Não sei porque não avisou. Talvez por ser novo, não tinha problemas de saúde, malhava, não tinha nada. (Era) um menino jovem, com toda a vida pela frente”, repetia Rosa, olhando para o vazio, minutos depois de receber a notícia.

Frederic deu entrada no pronto socorro do hospital e foi encaminhado à UTI poucas horas depois, pois um leito estava disponível em sua chegada. Nem sempre é assim.

A médica Luciana Borges, supervisora da emergência do Emílio Ribas, explica que a falta de leitos já era um problema neste hospital público, mas o coronavírus alterou o perfil dos pacientes e ampliou exponencialmente a demanda.

A doutora Luciana esclarece que as salas de emergência vazias não devem ser vistas como uma situação sob controle.

“O pronto socorro não está tão cheio, mas a UTI está cheia”. Ela explica que metade dos pacientes que chega precisa de hospitalização. “Metade já vai para a UTI, outros moderados vão para a enfermaria, embora possam piorar”.

As vagas nas unidades de cuidados intensivos são administradas por um sistema de classificação estadual.

Nos corredores da UTI, os profissionais de saúde não usam outra proteção além das máscaras. Mas quando vão atender os pacientes, se paramentam de roupas e acessórios no espaço estreito entre as duas portas que antecede cada sala.

Vinte e dois médicos trabalham aqui, mas dois foram afastados por pertencerem a grupos de risco. O contágio é outro problema. Um médico já foi diagnosticado e outro está com sintomas.

Para Sztajnbok, acostumado à pressão de trabalhar em uma UTI, o que mudou com o coronavírus é “o maior volume de casos” e que se trata de “uma doença muito grave que compromete vários órgãos e exige semanas de cuidados na UTI”.

A falta de estrutura é um dilema real. “Você tem que ter capacidade de tratar os 5% que, segundo as estatísticas, vão desenvolver uma forma grave que demandará assistência em terapia intensiva. Lugar nenhum no mundo tem leitos em terapia intensiva para tratar esses 5% de infectados e o Brasil não foge à regra”, afirma o médico.

O desconhecimento da doença é outro desafio, afirma. Gulinelli concorda: “É um capítulo novo da medicina que a gente está tendo que escrever na raça dia a dia e sem saber qual vai ser a próxima frase”.

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