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Chile e Bolívia elevam o tom de seu eterno conflito

O presidente boliviano, Evo Morales (E), e o chanceler boliviano, David Choquehuanca, em La Paz, no dia 20 de julho de 2016 afp_tickers

Acusações de tratamento fascista, discriminação e práticas piratas de um lado e de montar uma “operação midiática” em terras estrangeiras pelo outro. As relações entre Chile e Bolívia nunca foram fáceis, mas agora escalaram a um cenário poucas vezes visto e sem perspectivas de uma solução rápida.

Com hostilidades que se estendem desde a guerra entre os dois países no final do século XIX, em que a que Bolívia perdeu seu acesso ao mar para o Chile, as relações formais entre os dois vizinhos estão rompidas desde 1978, restringindo-se ao nível consular.

Com duas demandas em trâmite na Corte Internacional de Justiça de Haia, o intercâmbio de várias notas de protestos e o anúncio nesta terça-feira por parte do Chile da exigência de visto para a entrada de autoridades diplomáticas bolivianas no país escalou a um cenário quase inédito.

O Chile resolveu caducar um convênio sobre vistos para diplomatas, em vigor desde 1995, alegando “abuso à generosidade do povo chileno” após a visita feita pelo chanceler boliviano, David Choquehuanca, na segunda e na terça-feira, aos portos de Arica e Antofagasta, sem convite prévio, a fim de “inspecionar” o livre trânsito de mercadorias bolivianas, consagrado no tratado de 1904.

A visita “demostrou ser uma operação midiática para tentar desafiar a soberania chilena e amplificar as falsidades que já conhecemos do governo boliviano”, acusou o Chile.

A declaração veio depois que Choquehuanca denunciou tratamento “discriminatório” e “atropelos” com as cargas bolivianas, enquanto em La Paz, o presidente Evo Morales falou de atitudes “fascista” e “racistas” por parte do Chile.

“Agora o mundo inteiro sabe qual tratamento recebemos do Chile, sobretudo de algumas autoridades”, afirmou nesta quarta-feira Morales, ao receber Choquehuanca no palácio presidencial.

Isto está apenas começando

Depois que em meados de junho o Chile resolveu passar ao ataque e apresentar uma demanda contra a Bolívia em Haia pelo uso das águas do rio Silala, a tensão entre ambos os países aumentou, sem perspectivas de solução rápida.

“Para o Chile, o tema da Bolívia está apenas começando. O Chile deveria esperar mais ações e operações dessa natureza, onde as hostilidades aumentarão e o movimento da política externa chilena se complexificará”, advertiu o analista Guillermo Holzmann à AFP.

Para ele, responde a “uma operação que se insere em uma estratégia política e diplomática orientada a criar uma hostilidade permanente contra o Chile, para assim se colocar ao mundo como um país vitimizado”.

O jornalista Ascanio Cavallo, encarregado da estratégia de comunicação chilena em relação à demanda em Haia, concorda que “esta atitude beligerante é irreversível”.

“O governo de Evo Morales tomou a atitude que efetivamente pareceu não ter volta e que vai prejudicar as relações entre Chile e Bolívia com uma profundidade que não conhecíamos”, escreveu Cavallo no jornal La Tercera.

O chanceler chileno Heraldo Muñoz também acredita que se trata de um dos piores momentos: “Nenhum governo boliviano levou a relação com o Chile a um nível tão baixo em 100 anos”, afirmou na terça-feira.

– Judicialização-

O novo pleito coloca mais pressão entre os dois países que já se enfrentam com duas demandas na Corte de Haia, o órgão máximo de justiça das Nações Unidas, em uma estratégia de judicialização do conflito que estaria longe do fim.

Em 2013, em pleno governo no Chile de Sebastián Piñera, a Bolívia apresentou a primeira demanda em que exige que os governos chilenos sejam obrigados a negociar a saída para o mar.

Com essa estratégia, jogou por terra a agenda de trabalho de 13 pontos -que incluía o tema marítimo- iniciada durante o primeiro governo da socialista Michelle Bachelet (2006-2010), quando os vínculos entre ambos os países ganharam maior vitalidade.

Na semana passada, o Chile apresentou os argumentos com os quais rejeita essa demanda, enquanto prepara as evidências de outra denúncia apresentada no mesmo tribunal pelo uso das águas do rio Silala, que considera binacional e de uso compartilhado.

A Bolívia advertiu que poderá apresentar outra denúncia pelo rio Lauca, que fica em território chileno e que o governo boliviano diz ter sido desviado intencionalmente pelo Chile.

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